A história de Jesus de Nazaré deixa muitas interrogações para aqueles que têm em suas mentes e corações a imagem de um Deus revestido de glórias, senhor de exércitos, sentado em trono glorioso, com vestes luxuosas, com coroa de ouro e pedras preciosas, cercado de servidores… Ao contrário disso, Deus se fez homem no ventre de uma jovem, foi dado à luz numa estrebaria, deitado em uma manjedoura. Quando criança foi perseguido por Herodes e foi, com seus pais, um refugiado. Nasceu como pobre e cresceu entre os pobres da Galileia. Foi vítima do preconceito por ser filho de carpinteiro. Ao iniciar seu ministério, depois de ser batizado por João, chamou seus primeiros discípulos entre rudes pescadores. Não tinha sequer onde reclinar a cabeça. Quase nada possuía. Inclinou-se para lavar os pés de seus discípulos. Condenado à morte de cruz, foi despojado de suas vestes, coroado de espinhos. Até o túmulo onde foi sepultado era emprestado.
A Igreja nascente fez caminho parecido. Os apóstolos foram perseguidos e martirizados. Um número incontável de cristãos derramou seu sangue, “semente de novos cristãos” no dizer de Tertuliano. Ultrapassando séculos e milênios, houve períodos em que muitos na Igreja se distanciaram do projeto de Jesus: pobreza, profecia, diaconia. No entanto, nunca faltaram verdadeiros ícones para lembrar do caminho ensinado por Jesus de Nazaré, o Filho do Deus vivo. Francisco de Assis, Vicente de Paulo, Charles de Foulcaud, Teresa de Calcutá, Dulce dos Pobres, Hélder Câmara, Luciano Mendes, Jean Vanier, Júlio Lancellotti… são alguns entre uma multidão daqueles que compreenderam Jesus e sua mensagem e abraçaram a vulnerabilidade humana como lugar da experiência do amor de Deus.
Sim. Custa-nos muito contemplar Jesus vulnerável. Melhor seria tê-lo sempre glorioso. Custa-nos mais ainda contemplá-lo vivo nos vulneráveis da história. As palavras do Senhor, no capítulo 25 do evangelho de Mateus, parecem não nos convencer de que ele está nos pequeninos e pobres, nos enfraquecidos e marginalizados, nos descartados e oprimidos. Quando se trata de estar com os pobres e experimentar a mesma sorte deles são poucos os que se arriscam.
Numa sociedade que exalta o sucesso a todo custo, que elege o luxo como expressão do belo, que gasta quantias milionárias em esportes caríssimos, que cultua o conforto como objetivo de vida, que cria todos os dias sonhos de consumo, urge o resgate da espiritualidade cristã, da vulnerabilidade. Jesus apontou que o essencial está no amor e, por isso, seu mandamento novo é a ordem de amar como ele amou, isto é, entregando a própria vida, derramando-a cotidianamente em favor da vida ameaçada e ferida.
Para os cristãos, não há outro caminho senão amar como Jesus amou e abraçar a sua cruz e com ela os crucificados. Para isso é necessário purificar o olhar, a mente e o coração das visões de um Deus cujo poder se confunde com as forças deste mundo. Como Jesus, é preciso viver a “kenosis”, isto é, o esvaziamento, o despojamento para dar espaço ao verdadeiro amor que será sempre vulnerável.
Os místicos e os profetas compreenderam bem isso. Eles encontraram nas chagas de Jesus crucificado a expressão de um Deus ferido de amor, de um Deus vulnerável. E é esta a força revolucionária da fé cristã.
Sobre o autor:
Dom João Justino de Medeiros Silva é doutor em Teologia pela PUG de Roma (2003), é o atual arcebispo de Montes Claros e o presidente da Comissão Episcopal Pastoral para Cultura e Educação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.
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