A comunidade de Piquiá de Baixo, um bairro no município de Açailândia (MA), é conhecida pela mobilização contra os impactos que sofrem desde a década de 1980 por conta da instalação de empresas siderúrgicas no local. A qualidade do ar e da água tornaram as condições de vida praticamente insustentáveis. Foi esta realidade que o Grupo de Trabalho sobre a Mineração da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) foi conhecer, no último final de semana.
Entre os dias 9 e 11 de novembro, aconteceu, na paróquia Santa Luzia, o encontro de Comunidades Atingidas por Mineração em diálogo com a Igreja no Norte e Nordeste. Foram três dias de trocas de experiências com a participação de aproximadamente 60 membros de comunidades atingidas por mineração, líderes de pastoral que acompanham essas comunidades, religiosas/os, padres e bispos.
O bispo de Caxias (MA), dom Sebastião Lima Duarte, que preside o GT para as Questões de Mineração da CNBB, contou que o grupo presente no encontro pôde trabalhar a carta pastoral do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) sobre o tema “Discípulos Missionários guardiões da Casa Comum – reflexão à luz da encíclica Laudato Si’”. O texto, de acordo com o bispo, apresenta a preocupação da Igreja na América Latina com a mineração e os impactos na “vida das comunidades, das pessoas, do povo de Deus espalhado em toda a América Latina”.
Dom Sebastião informou que a carta será traduzida e oferecida a toda a Igreja no Brasil. Durante o evento, seis grupos estudaram a carta.
Foi uma reflexão Inspirada na Laudato Si’ e em tudo aquilo que o papa Francisco tem dito sobre estar a serviço dos pobres, solidários, parceiros a estes que precisam tanto da nossa solidariedade, do nosso amor cristão, para serem sujeitos da sua própria história e assim poderem estar atuando contra esse grande dragão que é a mineração na América Latina, no Brasil e aqui também entre nós, cada vez mais próxima da gente.
Visita à comunidade
De acordo relatório da Usina CTAH em parceria com a Rede Justiça nos Trilhos, da qual fazem partes missionários combonianos que atuam na região onde está instalado o Projeto de Mineração Carajás, laudos de 2007 demonstram a inviabilidade da convivência entre indústrias e assentamentos humanos na localidade:
“Nesse contexto, a Associação Comunitária dos Moradores do Piquiá decidiu lutar coletivamente pelo reassentamento em uma nova área, livre da contaminação. Ao mesmo tempo, tomou iniciativas em busca da redução da poluição e da reparação pelos danos causados”.
Foi registrado alto índice de enfermidades, especialmente respiratórias, de pele e de visão, muitas delas levando moradores a óbito ou a comprometimentos permanentes.
Um dos assessores do GT para as questões de Mineração da CNBB, Reginaldo Urbano Argentino, ressaltou a necessidade de fortalecimento da mobilização das comunidades atingidas pela mineração:
“A soma das nossas lutas, das nossas dores, dos nossos lamentos, dos nossos clamores neste momento é muito essencial. Se precisávamos ser fortes e unidos, agora bem mais”.
Reginaldo recordou os testemunhos de moradores de Piquiá de Baixo, visitados pelos participantes do encontro.
“A realidade mexeu muito comigo, sobretudo o olhar para a pessoa humana. Existe todo um impacto degradante da natureza, percebemos a violação não só dos direitos, mas também do direito da natureza, de ser ela mesma, por si natural, e isso é um pecado, uma ferida como diz o papa Francisco, é um pecado da humanidade”.
Um dos relatos foi de uma senhora chamada Raimunda. Urbano percebeu dor e esperança na partilha:
“A dor de quem está partindo de onde queria jamais deixar. Ao mesmo tempo, há uma esperança de uma vida nova”.
Dona Raimunda falou de alegrias antes do projeto desenvolvimentista chegar à região:
“Antes de 1984, a nossa vida era outra, Piquiá de Baixo tinha vida. Nós respirávamos ar puro, nós bebíamos água pura, nós vivíamos bem. Com todas as limitações, claro. Mas agora, não, tudo mudou”.
O Encontro de Comunidades Atingidas por Mineração em diálogo com a Igreja no Norte e Nordeste foi idealizado pelo Grupo de Trabalho sobre Mineração da CNBB, a rede Iglesias y Minería e a rede Justiça nos Trilhos, com apoio da 350.org Brasil e da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS).
Fonte:
Grupo de Trabalho Mineração da CNBB
O Grupo de Trabalho sobre Mineração é um órgão de assessoria criado em 2016 pela Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil, para auxiliar a Igreja Católica em sua missão de solidariedade com as muitas comunidades que pedem ajuda por terem seus direitos violados a causa de empreendimentos mineiros.
Composto por leigos-as e religiosos especializados neste setor, é presidido por dom Sebastião Duarte, bispo de Caxias (MA) e atua com diversas iniciativas de formação, denúncia das violações, busca de alternativas à mineração e mitigação dos impactos socioambientais provocados pelos grandes projetos extrativos.
Iglesias y Minería
A Rede ‘Igrejas e Mineração’ é um espaço ecumênico formado por comunidades cristãs da América Latina, equipes pastorais, congregações religiosas, grupos de reflexão teológica, leigas, leigos, bispos e pastores que buscam responder aos desafios dos impactos e violações dos direitos socioambientais provocados pelas atividades minerárias nos territórios.
Desde seu nascimento, em 2013, a Rede tem trabalhado para empoderar as Comunidades afetadas pela mineração; aprofundar e divulgar uma teologia e espiritualidade ecológica; comunicar as violações provocadas pela mega-mineração, a resistência das comunidades afetadas, assim como suas propostas e alternativas orientadas ao bem viver; dialogar com as Igrejas, em todos seus níveis hierárquicos, para incidir nas suas ações em defesa das comunidades e territórios afetados pela mineração.
Justiça nos Trilhos
Criada em 2007, Justiça nos Trilhos é uma organização que promove diversas atividades no sentido de problematizar junto à sociedade o modelo de desenvolvimento hegemônico, baseado na exploração desmedida dos bens naturais, imposto no Corredor de Carajás. Atua para exigir o respeito, a proteção e a efetivação de direitos humanos e da natureza frente as violações decorrentes da cadeia de mineração (estruturas logísticas, empreendimentos siderúrgicos, monocultivo de eucalipto, etc.).
Tem como missão institucional é fortalecer as comunidades ao longo do corredor Carajás e denunciar as violações aos direitos humanos e da natureza, responsabilizando a Vale e o Estado, prevenindo novas violações e reafirmando os modos de vida e a autonomia das comunidades nos seus territórios.
Por Mikaell Carvalho
Fonte: