“A dignidade humana implica na satisfação de necessidades básicas como a alimentação, moradia, saúde, trabalho, educação, cultura e lazer. Direitos fundamentais garantidos na Constituição Brasileira de 1988… Para quem tem fome, o amor de Deus se traduz num pedaço de pão. O pão é elemento central no anúncio do Evangelho. Saciar a fome deveria ser o projeto central da sociedade, da economia e dos poderes políticos… A fome se alastrou pelo Brasil. Mulheres, homens e crianças com rosto humilhado, flagelado, tal qual Jesus crucificado. “Tive fome” (Mt 25, 35) … e vocês me condenaram. Que ninguém se cale diante da fome! Que ninguém se omita diante de tanta barbárie! Em um país assolado pela fome, é dever dos cristãos levantar-se contra os responsáveis.”
Confira toda a reflexão do prof. dr. pe. Élio Gasda, SJ:
A dignidade humana implica na satisfação de necessidades básicas como a alimentação, moradia, saúde, trabalho, educação, cultura e lazer. Direitos fundamentais garantidos na Constituição Brasileira de 1988. Tais direitos objetivam construir uma sociedade livre, justa e fraterna. Erradicar a pobreza e a fome é dever do Estado.
A fome é a uma tortura. Leva ao desespero. “Quem pode remediar a fome e por avareza esconde o remédio, com razão pode ser condenado como homicida” (São Basílio, Homilia em tempos de fome).
A fome é uma ofensa à dignidade humana
A fome é uma ofensa à dignidade humana. A falta de alimentos no organismo, por tempo prolongado, faz o estômago doer, causa mal-estar, fraqueza e morte. O Brasil tem mais de 20 milhões de famintos e 40% da população vive em insegurança alimentar. “Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira. Passa-se mal, não se come bem. Agora, passar fome, não.” (Jair Bolsonaro). Bolsonaro devolveu o país ao Mapa da Fome.
Enquanto o povo revira caminhões de lixo em busca de comida, bancos privados aumentam em 53% os lucros (R$ 62 bilhões só no primeiro semestre). Não falta produção de alimentos, mas comida virou mercadoria. O agronegócio, cresceu 24,31% em 2020 (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada). O mesmo agronegócio que provoca queimadas, destrói florestas, contamina as águas e o meio ambiente com os agrotóxicos. Sua única preocupação é o lucro. São grandes responsáveis pela fome do povo.
“Todo aquele que em seus negócios se der a práticas usurárias e mercantis que provocam a fome e a morte de seus irmãos comete indiretamente um homicídio” (Catecismo da Igreja Católica, 2269). Causar a fome é um crime!
A fome dói no corpo e na alma
A fome dói no corpo e na alma. A realidade vivida pelos mais pobres é tratada com crueldade pela justiça. São cada vez mais comuns os furtos de alimentos em supermercados. São furtos famélicos, aqueles cometidos pela necessidade de alimentar a si ou à família. Como aquela mulher de 41 anos, mãe de cinco filhos, acusada de furtar uma Coca-Cola, dois pacotes de macarrão instantâneo e suco em pó, totalizando menos de R$ 22. Teve prisão decretada. Uma juíza e três desembargadores entenderam que a mulher representava um perigo para a sociedade.
Para Santo Tomás de Aquino, um dos maiores teólogos da Igreja, casos de extrema necessidade humana eliminam integralmente o delito de furto. As coisas indispensáveis à vida humana, sobremodo o alimento, perdem a qualidade de particulares e se tornam comuns a todos. Não se pode considerar furto quando algo é retirado de seu titular para atendimento de uma necessidade vital básica. Os casos de fome e nudez não podem ser permitidos pelo Estado e pela sociedade, porque os alimentos e as vestes são direito naturais (Suma Teológica, II-II q. 66 a. 6-7).
Furto famélico não é crime
Furto famélico não é crime. O artigo 24 do Código Penal considera “em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se“. O Supremo Tribunal Federal adota, além do furto famélico, o “princípio da insignificância“, “bagatela” ou “estado de necessidade” furtar alimento para saciar a fome.
Proteger os ricos e condenar os pobres. Essa tem sido a prática de muitos juízes. Com salários milionários e privilégios escandalosos, os integrantes do poder judiciário fazem parte da alta sociedade. Vivem em um mundo paralelo, não sabem o que é desemprego, pobreza, fome. O dinheiro roubado do povo, da educação, da saúde, não tem importância. Penalizam o furto de alimentos e absolvem desvio de recursos públicos. De um lado a ostentação dos ricaços; do outro, o desespero dos famintos.
Para quem tem fome, o amor de Deus se traduz num pedaço de pão. O pão é elemento central no anúncio do Evangelho. Saciar a fome deveria ser o projeto central da sociedade, da economia e dos poderes políticos.
Que ninguém se cale diante da fome!
Prender uma mãe pelo furto de miojo para matar a fome! A que ponto chegou a justiça brasileira! Vergonha! Que país nos tornamos! O principal responsável pela fome de milhões e pela morte de mais de 600 mil pessoas continua na presidência com sua política genocida.
A fome se alastrou pelo Brasil. Mulheres, homens e crianças com rosto humilhado, flagelado, tal qual Jesus crucificado. “Tive fome” (Mt 25, 35) … e vocês me condenaram.
Que ninguém se cale diante da fome! Que ninguém se omita diante de tanta barbárie! Em um país assolado pela fome, é dever dos cristãos levantar-se contra os responsáveis.
“Que juízo mais severo te espera, ó rico. O povo sente fome e tu fechas teus celeiros; o povo implora e tu exibes tuas joias” (Santo Ambrósio, Livro de Naboth, 56).
(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)
Sobre o autor:
Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.
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