Este texto, do jovem teólogo Joaquim Jocélio de Souza Costa, “Francisco e a sinodalidade. Caminhar juntos para as periferias”, no qual analisa o sentido novo e profundo da reflexão sobre sinodalidade no atual contexto da Igreja Católica e que considera como “um tempo de darmos novos passos“, é o quarto da iniciativa do Serviço Teológico-Pastoral, de publicar quinzenalmente textos opinativos que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco. O Observatório da Evangelização PUC Minas acolheu o convite de participar desta importante iniciativa.
Como afirma Joaquim, “O papa Francisco propôs um caminho sinodal querendo que a Igreja dê novos passos na sua renovação eclesial para ser cada vez menos uma Igreja autorreferencial (EG 94-95) e cada vez mais uma Igreja em saída para as periferias (EG 20, 30, 49)… A sinodalidade não é um caminhar juntos para qualquer lugar. É saída para onde fundamentalmente Deus está, e como nos recorda Francisco (2021a), ao Senhor “não O encontramos quando e onde queremos, mas reconhecemo-Lo na vida dos pobres, na sua tribulação e indigência, nas condições por vezes desumanas em que são obrigados a viver”. Logo, a sinodalidade não pode ser entendida fora desse caminhar em saída para as periferias.”
Desejamos a todos e todas uma boa leitura!
Francisco e a sinodalidade. Caminhar juntos para as periferias
Por Joaquim Jocélio de Sousa Costa
A palavra sinodalidade, que até bem pouco tempo não era muito usada em nosso vocabulário teológico, é agora tema principal das nossas reflexões e debates pastorais. Ela vem da palavra “sínodo” e significa “caminhar juntos”. “A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua missão” (FRANCISCO, 2021b). Por isso seu sentido não é propriamente novo, embora precise ser constantemente redescoberto e assumido criativamente, pois afinal, muitas vezes as estruturas eclesiais mais dificultam que ajudam o caminhar juntos do povo de Deus.
O papa Francisco propôs um caminho sinodal querendo que a Igreja dê novos passos na sua renovação eclesial para ser cada vez menos uma Igreja autorreferencial (EG 94-95) e cada vez mais uma Igreja em saída para as periferias (EG 20, 30, 49). Assumiu um organismo que já havia recebido novo vigor com o Concílio (o Sínodo) e deu-lhe outro formato. Essa assembleia para pensar a caminhada da Igreja, começou dessa vez fundamentalmente a partir das bases, através de uma grande escuta ao povo de Deus de todas as dioceses do mundo, incluindo pessoas de outras Igrejas, outras religiões e até pessoas sem vinculação religiosa. Francisco assume assim que o Espírito age não só em qualquer grupo ou pessoa que se abre a Ele, como através delas o Espírito tem uma palavra para a Igreja.
Um ponto importante a destacar é que os primeiros a serem escutados devem ser os pobres, pois “estes têm muito para nos ensinar. A nova evangelização é um convite a reconhecer a força salvífica das suas vidas, e a colocá-los no centro do caminho da Igreja” (EG 198). Por isso, a sinodalidade não é um caminhar juntos para qualquer lugar. É saída para onde fundamentalmente Deus está, e como nos recorda Francisco (2021a), ao Senhor “não O encontramos quando e onde queremos, mas reconhecemo-Lo na vida dos pobres, na sua tribulação e indigência, nas condições por vezes desumanas em que são obrigados a viver”. Logo, a sinodalidade não pode ser entendida fora desse caminhar em saída para as periferias.
E nesse sentido, a Igreja da América Latina tem profundas e avançadas experiências sinodais intimamente ligadas à vida dos pobres. As Conferências do Episcopado Latino-Americano expressam bem isso. Inclusive, recentemente, Francisco (2022) afirmou que a “‘comunhão’ e a ‘participação’ foram as categorias-chave para a compreensão e implementação da III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano, realizada em Puebla” e afirmou ainda que “além dos documentos, é a própria realidade pastoral da Igreja Latino-Americana que me incentiva a pensar nela como uma experiência na qual a sinodalidade há muito se enraizou”. De fato, foram muito frutuosas as experiências sinodais em nosso chão: CEBs, leitura popular da Bíblia, conselhos pastorais, teologias da libertação, Assembleia dos Organismos do Povo de Deus, envolvimento nas lutas sociais, maior participação dos leigos (especialmente das mulheres) etc.
Mas esse é o tempo de darmos novos passos. Não se trata de criar algo totalmente novo nem muito menos simplesmente repetir as experiências frutuosas. É bem mais aprender com elas para criativamente, a partir do que o Espírito semeia na história, nos renovarmos como seguidores de Jesus para sermos mais fiéis ao Evangelho e melhor servir na construção do Reino de Deus. Precisamos assumir os novos meios de comunicação para contribuir com uma evangelização mais sólida do nosso povo; investir mais na formação dos agentes de pastoral; promover a dimensão profética das devoções populares; insistir sempre que “cada um dos batizados, independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização” (EG 120).
De qualquer modo, o caminho evangelicamente seguro para isso é sempre começar a partir dos pobres. Como já foi dito, suas vidas têm muito a nos ensinar. Sua alegria sempre contagiante, apesar de tantos desafios e sofrimentos; sua solidariedade mesmo tendo tão pouco; sua determinação mesmo diante de tantos “nãos” e tantas portas fechadas; sua vida oprimida que sabe muito bem o que é a força da centralização, do autoritarismo e dos mecanismos de exclusão; sua sabedoria para viver com tão pouco e ainda afirmar que vale a pena viver e lutar. Tudo isso nos ajuda a sermos uma Igreja de autêntica comunhão e participação, onde reine o amor de irmãos e irmãs, a partilha, a simplicidade, estilos de vida austeros, a alegria; uma Igreja que vença os moralismos e rigorismos. Só a partir dos últimos seremos uma Igreja verdadeiramente sinodal. É isso que nos ensina Francisco (2015): “Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo [sic], limpador, reciclador… artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular… Camponesa, indígena, pescador?… Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos… Não se acanhem!”.
Referências
FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (EG). São Paulo: Paulinas, 2013.
FRANCISCO, Papa. Discurso no II Encontro Internacional com os Movimentos Populares. 09 de julho de 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/ 2015/july/documents/papa-francesco_20150709_bolivia-movimenti-popolari.html. Acesso em 15 de abril de 2021.
FRANCISCO, Papa. V Mensagem para o Dia Mundial dos Pobres. 13 de junho de 2021. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/messages/poveri/documents/20 210613-messaggio-v-giornatamondiale-poveri-2021.html. Acesso em 28 de maio de 2021a.
FRANCISCO, Papa. Discurso aos fiéis da Diocese de Roma. 18 de setembro de 2021. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2021/september/documents/20210918-fedeli-diocesiroma.html. Acesso em 07 de outubro 2021b.
FRANCISCO, Papa. Mensagem de vídeo por ocasião da plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina, 26 de maio de 2022. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-05/papa-francisco-pcal-sinodalidade-comunhao-eclesial.html. Acesso em 28 de maio de 2022.
Joaquim Jocélio de Sousa Costa é graduado em Filosofia pela Faculdade Católica de Fortaleza e graduando em Teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza.
Parabéns pelo artigo ! Muito bom!
Parabéns, pela clareza no texto.