Qual o sentido maior de celebrarmos o mistério da Páscoa, evento central da experiência cristã, ou seja, a fé na ressurreição de Jesus como fonte de vida nova? O texto do Pe. Matias Soares, colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas, é um grande convite para que aprofundemos a compreensão do dom da ressurreição para a experiência cristã. Pela fé na ressurreição de Jesus – o Profeta da Galiléia, condenado e crucificado e que por sua fidelidade até as últimas consequências ao projeto do Reino, foi ressuscitado por Deus – acolhemos, pela força do Espírito Santo, a vida de Jesus, seus ensinamentos e gestos, como caminho de salvação.
Que tal ampliarmos a percepção da centralidade do evento pascal na experiência da fé cristã? Confira:
Fé na ressurreição: qualidade da vida cristã
Por Pe. Matias Soares
Celebramos a Páscoa do Senhor. Para nós cristãos, a ressurreição de Jesus é o fundamento maior da fé e da vida cristã, vivida, alimentada e compartilhada em relações justas, solidárias e fraternas em rede de pequenas comunidades de fé que procuram testemunhar-anunciar a vida nova como sacramento transformador para toda a humanidade. A ressurreição de Jesus é o particular universal da nossa história de salvação que afeta toda a humanidade e toda a criação. Esse acontecimento singular da graça de Deus, quando acolhido com as virtudes teologais da fé, da esperança e do amor, pela força do Espírito Santo, nos faz cristãos comprometidos tanto na dimensão quantitativa, quanto na qualitativa.
A catolicidade da fé pascal irradia pelo menos duas dimensões para o mundo: uma quantitativa e outra qualitativa.
Pela primeira, revela-se o sentido espacial da experiência cristã. A presença viva e amorosa do Ressuscitado, pela força do Espírito Santo, revela o amor gratuito de Deus em todo lugar do mundo. Assim também, a fé vivida anunciada-testemunhada pelos discípulos e discípulas de Jesus, enquanto Igreja-sacramento, é chamada a se fazer fraternalmente presente em todos os lugares do mundo para irradiar a vida nova transformada pela experiência do amor.
Há uma grande capilaridade na vida da Igreja, através de suas múltiplas ações evangelizadoras: na partilha da vida e da fé vivida em comunidades fraternas, nas ações pastorais em defesa e cuidado com a dignidade da vida, nas orações, nas celebrações litúrgico-sacramentais, nas práticas devocionais, na presença e atuação das lideranças cristãs dos leigos e leigas, dos religiosos e religiosas, dos ministros ordenados… As urgências e desafios da realidade histórica, lidos à luz da prática libertadora de Jesus e da presença do Espírito Santo, suscitam a busca de respostas e concretizam a missão da Igreja no mundo de hoje. Com a sua ação missionária, fraterna e solidária, a Igreja é chamada a ser fiel aos sinais dos tempos, e concretizar métodos de evangelização condizentes com cada época e contexto. Ela, como Corpo de Cristo Ressuscitado na história, tem como missão fomentar e dinamizar a vivência da fé e da vida cristã como boa nova de Deus para toda a humanidade.
Na segunda, encontramos uma preocupação mais temporal e histórica. Nesta, a ressurreição de Jesus é anunciada como kerigma e testemunhada como gratuidade do amor de Deus para toda a humanidade. A força do anúncio-testemunho da ressurreição provoca a conversão ao Reino e adesão ao seguimento de Jesus. Quando contemplamos a fidelidade de Jesus ao Reino até as últimas consequências da cruz, a presença do que foi ressuscitado por Deus Pai em nosso meio provoca grande transformação em nós.
Como dons de Deus que irradiam da plenitude de Jesus ressuscitado, brotam a alegria pascal contagiante do Reino de Deus, o entusiasmo de discípulos e discípulas capazes de entregar-se nas mãos de Deus, a coragem profética de ser, como Jesus, fiel servidor e, finalmente, aquela paz inquieta e inquietante de Jesus de quem se tornou livre para amar e servir. É o Cristo glorificado já presente no meio de nós. Quem Nele acredita sente-se interpelado a acolher o dom da vida plena e, como outrora os discípulos de Emaús, colocar-se a caminho.
Essa experiência pascal faz com que o dom da fé na ressurreição de Jesus qualifique a identidade cristã: somos chamados a apostar a vida no seguimento de Jesus e no amor fraterno desde os últimos, como expressão do amor gratuito de Deus. Esta decisão transformadora somente é possível a partir do encontro pessoal com o Ressuscitado, encontro que provoca a plena confiança de que o Senhor vive e está em nosso meio, na vida da Igreja e em cada um de nós.
Para aprofundarmos essa questão, ajuda-nos assumir dois princípios hermenêuticos trabalhados pelo grande teólogo suiço Balthasar, a saber: o petrino e o mariano.
Com o primeiro, podemos melhor pensar a situação histórica e estrutural da Igreja. A unidade da fé no mundo é confirmada pelo magistério do sucessor de Pedro, hoje pelo nosso querido papa Francisco, e, por ele, em todos os lugares onde estiver presente a Igreja de Cristo, vocacionada pela graça a ser sempre una, santa e católica, mesmo quando, pela ambivalência humana, mostrar-se profundamente dividida, pecadora e parcial. O Papa, servo dos servos de Deus, é sinal da unidade no amor de todos os filhos e filhas de Deus na fé.
Com o segundo princípio, pela figura de Maria, a mãe de Jesus e da Igreja, podemos melhor aprender a acolher os dons e deixar Deus fazer maravilhas por meio de nós. Dentre estes dons, destaca-se o da Ressurreição de Jesus, dado fundante da vida de fé de todos os filhos e filhas de Deus, discípulos e discípulas de Jesus, Caminho, Verdade e Vida. Contemplado a vida de Maria, a perfeita discípula do Filho, somos chamados a assumir a sua disposição e abertura ao mistério de Deus, a sua santidade virginal (fecunda) e a sua presteza apostólica no amar e servir. Maria é modelo de fé e exemplo de como podemos acolher os dons e possibilidades da graça de Deus.
Para terminar, peço a todos que rezemos pela Igreja, uns pelos outros, para que, o mistério de amor que celebramos na Páscoa do Senhor, possa fazer-nos homens e mulheres mais humanos e apaixonados pela missão de amar e servir, desde os mais pobres e excluídos, ao Reino de Deus, razão maior da entrega de Jesus e de nossa vida cristã e de nossa esperança da eternidade no Amor. Assim o seja!