“Estes dias que dão o que pensar”, com a palavra o monge que acolhe o mundo como mosteiro e de todos se faz irmão do caminho Marcelo Barros

Marcelo Barros é daqueles monges singulares que fizeram do mundo o seu mosteiro. Uma pessoa lindamente livre para se aproximar das pessoas, para amar e servir e que considera o outro, de modo muito especial, o empobrecido, o excluído, o oprimido sempre um irmão do Caminho. Vale a pena ler e se deixar provocar pelos seus livros, frequentar o seu blog e segui-lo no facebook. É daquelas pessoas que sempre nos enriquece e que, pelo seu textos, nos desborda e nos provoca a sermos mais humanos.

Confira:

Estes dias que dão o que pensar

Vou confessar uma coisa: neste momento, às vezes me vem uma tentação que antes nunca senti e que não corresponde ao meu modo de ser. Sinto-me tentado a viajar para um local sem internet nem telefone e, assim, tomar tempo para enfrentar isso que em seu diário nos anos 80, o Pedro Casaldáliga chamava “estes dias que dão o que pensar”.

É claro que, para quem é como sou, acontecerá o que ocorreu quando, conforme Marcos, Jesus chamou os discípulos para descansarem em um lugar retirado (Mc 6, 30ss). Quando chegaram no tal lugar do retiro, já encontraram a multidão que os esperava. Mas, em minha oração da madrugada de vigília pergunto a Deus por que? E descubro que acordo de manhã com medo de ligar telefone, de ler os e-mails e ver o zap. Quem partiu hoje e quem está para partir amanhã. Quem será o próximo e o que dizer ou como reagir… Ontem foi um amigo querido – Frederico Arruda – Fred – ou o chamávamos de Ferinha – com o qual morei quatro ou cinco anos na Casa da Fraternidade (quando éramos jovens). E todo dia é assim. Até quando, meu Deus?

Nestes dias, tento seguir, à medida que posso, as atividades virtuais do Fórum Social Mundial e dentro deste do Fórum Mundial de Teologia e Libertação. Servem um pouco para nos fazer olhar com esperança para um amanhã no qual não esperaremos o sol nascer. Vamos tentar apressar o amanhecer.

E de repente encontro em alguma das mensagens que me mandam este poema escrito há mais de 200 anos e em um contexto bem diferente e me sinto como se o tivesse escrevendo agora:

Quando a tempestade passar,

as estradas se amansarem,

E formos sobreviventes

de um naufrágio coletivo,

Com o coração choroso

e o destino abençoado

Nós nos sentiremos bem-aventurados

Só por estarmos vivos.

E nós daremos um abraço ao primeiro desconhecido

E elogiaremos a sorte de manter um amigo.

E aí nós vamos lembrar tudo aquilo que perdemos e de uma vez

aprenderemos tudo o que não aprendemos.

Não teremos mais inveja pois todos sofreram.

Não teremos mais o coração endurecido

Seremos todos mais compassivos.

Valerá mais o que é de todos do que aquilo que nunca consegui.

Seremos mais generosos

E muito mais comprometidos

Entenderemos o quão frágeis somos,

e o que significa estarmos vivos!

Vamos sentir empatia por quem está

e também por quem se foi.

Sentiremos falta do velho

que pedia esmola no mercado,

que nós nunca soubemos o nome

e sempre esteve ali ao nosso lado.

E talvez o velho pobre

fosse Deus disfarçado…

Mas você nunca perguntou o nome dele

Porque estava com pressa…

E tudo será milagre!

E tudo será um legado

E a vida que ganhamos será respeitada!

Quando a tempestade passar

Eu te peço Deus, com tristeza,

Que você nos torne melhores,

como você “nos” sonhou.

(K. O ‘ Meara – Poema escrito durante a epidemia de peste em 1800)

Sobre o autor:

Marcelo Barros

Ir. Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo biblista brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É membro da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte. Assim, em seu blog, ele se define: “Sou monge beneditino, chamado a trabalhar pela unidade das Igrejas e das tradições religiosas. Adoro os movimentos populares e especialmente o MST. Gosto de escrever e de me comunicar”.