Esse Sínodo exige respostas imediatamente implementáveis, decisões concretas… Com suas necessidades emergentes, a Amazônia pode indicar novos e mais amplos horizontes para a Igreja

Eu diria que a relevância do Sínodo dedicado à Amazônia deriva de dois fatores: o primeiro é a relação com uma “periferia integral”, diferentemente dos Sínodos da Família e dos jovens, que abordaram um tema universal, do qual depois sondaram elementos periféricos. Agora no centro está a “periferia amazônica”, como plenitude de expressão eclesial com um “rosto” peculiar. Por esse motivo, e este é o segundo elemento, esse Sínodo exige respostas imediatamente implementáveis: como não é dirigido a uma Igreja universal, exige decisões concretas sobre liturgia, ministério, anunciação, sujeitos de autoridade e formas eclesiais verdadeiramente credíveis… Com suas “necessidades emergentes”, a Amazônia pode indicar a Roma novos e mais amplos horizontes, céus mais azuis. A Amazônia não é uma floresta sombria, na qual a Igreja pode se perder. Pelo contrário, é uma história particular, ou melhor, um conjunto de histórias muito particulares, nas quais pode-se reencontrar o sabor de uma fidelidade criativa e dinâmica ao Evangelho.

Andrea Grillo

“O Magistério da Amazônia pode vencer o ceticismo”. Entrevista com o teólogo Andrea Grillo

(A entrevista é de Paolo Mele, publicada por Confini, 05/10/2019. A tradução é de Luisa Rabolini. Publicada no IHU)

Iniciou no domingo, no Vaticano, o importante Sínodo dos Bispos sobre a Amazônia. Um Sínodo, de certa forma, de contornos “explosivos”. Um sínodo estratégico para o pontificado do papa Francisco. Conversamos sobre isso com o teólogo Andrea Grillo, professor titular de Teologia na Universidade Pontifícia “Sant’Anselmo” de Roma. 

Confira a entrevista:

1. Professor, domingo, no Vaticano, se abre o importante Sínodo para a Amazônia. Um Sínodo, definido como “especial”, estratégico para o pontificado de Jorge Mario Bergoglio. Por que é tão importante para Francisco? 

Eu diria que a relevância do Sínodo dedicado à Amazônia deriva de dois fatores: o primeiro é a relação com uma “periferia integral”, diferentemente dos Sínodos da Família e dos jovens, que abordaram um tema universal, do qual depois sondaram elementos periféricos. Agora no centro está a “periferia amazônica”, como plenitude de expressão eclesial com um “rosto” peculiar. Por esse motivo, e este é o segundo elemento, esse Sínodo exige respostas imediatamente implementáveis: como não é dirigido a uma Igreja universal, exige decisões concretas sobre liturgia, ministério, anunciação, sujeitos de autoridade e formas eclesiais verdadeiramente credíveis. 

2. Sabemos que é um Sínodo, como já mencionado “especial”, que tem um duplo nível, um geopolítico, a defesa do bioma pan-amazônico, e outro, a busca de um caminho para uma Igreja com rosto amazônico. O contorno é explosivo: apenas uma igreja não colonial pode preservar o bioma Amazônia. Bioma visto como “lugar teológico” fundamental para o testemunho evangélico. É assim professor? 

Eu diria que precisamente esse entrelaçamento, que você indicou perfeitamente, requer do Sínodo uma visão profunda e de longo alcance. Defender uma “forma de vida”, sem qualquer concessão ao tradicionalismo, e “jogar o jogo linguístico eclesial” com regras mais simples e ao mesmo tempo mais articuladas torna-se um desafio para o pensamento e a prática eclesial. Basicamente, é uma questão de repetir o que Dante dizia quando distinguia entre “o que não morre e o que pode morrer”. E isso deve ser feito, de maneira entrelaçada, entre formas de vida local e jogo linguístico eclesial. Será uma experiência de crescimento e amadurecimento, para a Amazônia e para toda a Igreja. 

3. Vamos deixar de lado o lado “político” do Sínodo, que, no entanto, deve ser lembrado, inevitavelmente terá. Vamos analisar o lado eclesial. O Sínodo foi objeto de fortes ataques da facção conservadora. Estes últimos estão preocupados com algumas afirmações do Instrumentum laboris, incluindo a proposta de ordenar “viri probati” ao sacerdócio e sobre o papel das mulheres. Em suma, para eles o Sínodo é uma espécie de “Cavalo de Tróia” para minar a Igreja Católica. Parece-me um exagero … e para você? 

Este Sínodo, como todos os anteriores conduzidos por Francisco, não tendo conclusões “predeterminadas” – como costumava acontecer nos Sínodos anteriores – preocupa os burocratas e os preguiçosos. Francisco sempre disse que um confronto sincero e sereno pode fazer a Igreja caminhar, mudar a disciplina, aprofundar a doutrina. Este Sínodo, em particular, é uma ocasião preciosa para uma reflexão precisa e exigente sobre o ministério e a liturgia. Esses são dois temas nos quais toda transformação evoca facilmente desastres, traições, perdas, apostasias, heresias… Na realidade, está em jogo a capacidade da Igreja de responder com autoridade aos sinais dos tempos. A Igreja pode fazê-lo e, portanto, deve fazê-lo. Tem autoridade para tanto e não pode escapar. Caso contrário, seria infiel à sua própria função. Os tradicionalistas querem uma Igreja infiel por covardia. Mudar não é ceder, mas crescer. 

4. Pode-se dizer, na sua opinião, que o Sínodo e a “Laudato si’” são filhos de uma lógica diferente da relação entre tradição e atualização (ou modernidade)? 

Definitivamente. Este Sínodo, ainda mais que os anteriores, coloca-se como “mediação da tradição”, que exige uma nova tradução, nesse caso para anunciar a Palavra e celebrar o Sacramento no contexto de um complexo de culturas particulares, para as quais a aplicação das “lógicas romanas”- assim como são – resulta ineficaz há séculos. Com suas “necessidades emergentes”, a Amazônia pode indicar a Roma novos e mais amplos horizontes, céus mais azuis. A Amazônia não é uma floresta sombria, na qual a Igreja pode se perder. Pelo contrário, é uma história particular, ou melhor, um conjunto de histórias muito particulares, nas quais pode-se reencontrar o sabor de uma fidelidade criativa e dinâmica ao Evangelho. 

5. Como é delineado o “rosto amazônico” da Igreja e o que leva à Igreja universal? 

Eu gostaria de dizer isso essencialmente em dois níveis. O primeiro é o dos “sujeitos de autoridade”. A Igreja, para ser fiel ao seu Senhor, sempre emprestou os modelos de “autoridade” das culturas em que vivia. Imaginários gregos, romanos, francos, saxões ou moçárabes deram forma e carne à história do ministério cristão. Também a Amazônia, com suas peculiaridades históricas e geográficas, tem o direito de encarnar a única tradição que vem de Cristo com as formas masculinas e femininas de exercício da autoridade, conforme se desenvolveram in loco. Esse é um canteiro de obras promissor, no qual podemos trabalhar frutuosamente. E não haverá necessidade de criar nada “ex-nihilo“. Antes, deveremos reconhecer e dar força ao que já existe, na realidade vital e institucional daquelas culturas nas quais se faz o ato de fé e se vive em Cristo. O segundo ponto é, precisamente, permitir que a correlação entre ato de fé e vida cristã seja dita e ouvida ritualmente de acordo com as linguagens que aquelas culturas elaboraram na sabedoria secular de suas tradições. Uma liturgia que leva em consideração essas riquezas não é de modo algum um empobrecimento do “rito romano”. Pelo contrário, é o rito romano que sabe emigrar e se enraizar alhures. Descobrir a qualidade “migrante” do rito romano poderia ser um dos pontos-chave do Sínodo. 

6. O papa Francisco fez uma declaração há alguns dias: “Sinto-me sitiado”. Ou seja, as críticas de seus adversários são muito pesadas. Sabemos que alguns altos prelados também esperam sua demissão. A ameaça de um cisma condicionará o Sínodo? 

Se um papa fala com as palavras do Concílio Vaticano II, vive de acordo com o imaginário conciliar e não renuncia à profecia, é inevitável que seja, em muitos casos, “sitiado” por um aparato eclesial que frequentemente usa padrões de expressão e experiência muito diferentes. Por outro lado, é preciso reconhecer que Francisco mostra tal superioridade, não apenas de caráter, mas eu diria de cultura e de experiência, em comparação com seus críticos, que pode encontrar facilmente os recursos pessoais e institucionais para resistir ao cerco. Basta ler os textos dos críticos, para entender que a linguagem antiga, as representações obsoletas e os imaginários distorcidos não lhes dão nenhuma esperança. Se der certo, eles defendem ideais de 200 anos atrás. Se der errado, defendem sua pequena horta de influência. Francisco quer uma igreja a caminho e em saída, que não olhe para si mesma. Aqueles outros passam o dia inteiro na frente do espelho. Até a Amazônia pode ser para eles simplesmente uma “desagradável perturbação” para uma agenda composta de cerimoniais renascentistas com fim em si mesmos. 

7. Última pergunta: você está otimista com o Sínodo? 

Sim. Sou otimista. Não nego que haverá obstáculos, dificuldades, tentativas de esvaziamento ou de diversão. Acima de tudo, não tenho motivos para ceticismo. Creio que este é, para Francisco, o maior obstáculo, mesmo neste Sínodo. Ele pode contar com um grande consenso do povo de Deus, e certamente conta com alguns que lhe dizem aberta e até honestamente que ele está errado. Mas ele deve especialmente se precaver contra aqueles que sorriem e depois dizem que são céticos. Eu prefiro muito mais os críticos que os céticos. Na cúria romana, e também nas cúrias não romanas, o verdadeiro problema de Francisco são os céticos. De minha parte, sou otimista porque a realidade é superior à ideia, inclusive das ideias dos céticos. A Amazônia é um micro-macrocosmo no qual a hipocrisia dos céticos pode apenas justificar o status quo e impedir qualquer mudança. A esperança da fé possibilita um grande avanço com o qual Roma reconhece a Amazônia em sua especificidade, e a Amazônia restitui a Roma o seu “ritmo de corrida” e sua “autoridade em traduzir a tradição”. Se queremos correr em direção ao sepulcro vazio, não podemos ficar em casa, mudar a fechadura, obcecados apenas pelo medo de perder alguma coisa. É por isso que tenho motivos de esperança e confiança.

Andrea Grillo é pai de Margherita e Giovanni Battista. Doutor em Teologia (1994) e Mestre em Teologia (1990) pelo Instituto Liturgia Pastorale, Padova. Graduado em Teologia pela Scuola di Teologia “Ut unum sint” ligada ao Seminario di Savona. Graduado em Filosofia (1993) pela Università di Genova. Professor de Teologia, com ênfase em Sacramentos e Liturgia no Pontificio Ateneo Sant’Anselmo, Roma. Membro do Conselho Científico dos periódicos Studium e La Maison-Dieu.

Fonte:

IHU