“Esquecimento Global”, com a palavra Chico Machado

Túmulo de dom Pedro Casaldáliga.

Segunda feira da 32ª semana do tempo comum. Estamos iniciando mais uma semana. Já estamos em novembro, com o final do ano se avizinhando cada vez mais. A vida corre veloz, apesar de todas as dificuldades que estamos passando. Uns mais e outros menos. Por mais pessimistas que pudessem ser, não imaginaríamos que os desafios fossem tão difíceis de serem suplantados. Desafios de todas as ordens e maneiras. Só Jesus na causa, dizem alguns por aqui. Ainda bem que Ele é conosco: “Eis que estarei convosco todos os dias até o fim dos tempos”. (Mt 28, 20)

Rezei esta manhã no silêncio abrasador de meu quintal. A abóboda celeste nem prenunciava o dia e me pus a contemplar o Deus da vida que se manifesta através de suas criaturas na natureza. Cada uma delas a seu jeito, mostrando a que veio. Ainda ontem, tive que dissuadir uma enorme serpente de transitar livremente pelo meu quintal. Devolvi-a para a mata, para que não encontrasse alguém, disposto a tirar-lhe a vida. Apesar de toda a sua beleza e imponência, trazia em si um poderoso veneno. A natureza e as suas minucias. Nunca me cansarei de contemplar cada um destes seres.

Contemplando a natureza a minha volta, numa manhã em que fiquei matutando sobre uma das falas de uma das lideranças indígenas, acerca da COP26 em Glasgow.

“Com exceção de algumas poucas pessoas que lá estiveram, a grande maioria foi para lá falar muito, e fazer pouco, para mudar a situação em que estamos vivendo. Eles só pensam em dinheiro e riqueza, e não querem que mude esta situação, pois eles veem a natureza apenas como fonte de riqueza e exploração. Deviam aprender conosco e com os nossos ancestrais. Todos vamos morrer por causa de gente como esta”.

Cacique Damião Paridzané (A’uwé Uptabi – Xavante)

Esta fala do cacique Damião Paridzané (A’uwé Uptabi – Xavante) resume bem o que representou para a humanidade, os resultados de uma Conferência que se reuniu para tratar de assuntos climáticos. Estamos numa grande encruzilhada de nossas vidas. Ou paramos de agredir sistematicamente o meio ambiente, ou estaremos preparando uma corda que nos enforcará a todos. Não há saída possível para a humanidade, sem que mudemos as nossas atitudes, a começar pelas menores e aparentemente insignificantes que pareçam. Até a forma como lidamos com o nosso lixo doméstico, diz respeito de quem nós somos, de fato, em relação ao meio em que vivemos.

Aqui, não se trata apenas do fogo que consome grande parte de nossos biomas (florestas, cerrado, caatinga, manguezais), mas também no desmatamento criminoso, destes últimos anos; a poluição dos riachos, com os nossos esgotos (domésticos, industriais); a contaminação do solo, ar e lenções freáticos, com o consumo exagerado de agrotóxicos, cada dia mais agressivos e mortais, levando o veneno para as nossas próprias mesas. O espírito destruidor que prevalece no meio dos latifundiários atuais, é altamente pernicioso para a humanidade. Visam e tão somente o acúmulo de riquezas, às custas da devastação e destruição de tudo a seu redor. Uma conta que todos nós pagaremos com as nossas próprias vidas, ou a ausência dela por aqui. A título de produzirem “alimentos para o mundo”, produzem isto sim, a morte cada dia mais próxima de cada um de nós, que convivemos neste contexto.

A indígena Txai Surui (24), deu o seu recado aos homens e mulheres que comandam as grandes nações do mundo. Numa linguagem simples e direta, disse alto e bom som o que precisa ser feito. Falou daquilo que conhece, pois se tem alguém que conhece bem deste assunto, são os povos originários, que convivem de perto com a Mãe Natureza e sabem de tudo aquilo que ela nos provê. Se bem que, ao invés de se aterem a fala desta jovem, alguns destes néscios “líderes mundiais”, preocuparam apenas em criticá-la, dizendo que a moça, a mando do Cacique Raoni Caiapó, foi irresponsável pois depôs contra o seu próprio país de origem.

Tudo o que temos e somos nos advém da Mãe Natureza. Ela é sábia e nos provê do necessário para vivermos e bem. Sem ela, nada somos. Sem ela pereceremos todos. Desde o ar que respiramos e a água que sacia a nossa sede, até a mínimas coisas que dela desfrutamos, são dádivas de Deus à humanidade toda. Privar alguns dos nossos irmãos e irmãs das benesses que Deus nos criou, se transforma num pecado mortal, cometido contra o próprio Deus que nos criou. Apropriar destas dádivas, se transformou neste pecado terrível que clama aos céus. Um pecado sem perdão, pois é contra o Espirito de Deus que está presente nestas pessoas pobres, e desvalidas, por quem Deus tem um carinho de predileção. Não nos esqueçamos de que a mãe natureza possui uma harmonia divina. Ela é não somente a manifestação de Deus em si, mas a presença constante do próprio Deus em cada uma de suas dádivas e criaturas. O aquecimento global não pode se transformar num esquecimento global. É na diversidade da natureza que iremos poder vivenciar cada uma de nossas especificidades. O aquecimento global que nos ameaça a todos e todas, só terá o seu fim quando houver entre nós um crescimento global de mentalidade responsável, de saber que estamos todos irmanados e interligados nesta “Casa Comum”, pela “Ecologia Integral”, como nos propõe o papa Francisco.


https://www.youtube.com/watch?v=PLsAtfUGcHU

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.