Escutar, estar junto, comunhão, empatia, acolhimento. Eis os anseios dos tempos de Francisco!

Vivemos em um mundo onde tudo está conectado: afetos, pensamentos, amores, ódios, conhecimentos… Também vivemos em um mundo onde tudo está distante: pessoas, sentimentos, vidas reais… Uma época de contradições é a nossa. Temos a chance de mudar o rumo. Pela experiência clínica, vejo que cada vez mais as pessoas correm sem direção, se enganam e se apegam em muletas provisórias, estão ansiosas e próximas à depressão.

Um bom caminho e necessário ao nosso tempo é o da prática da empatia. Precisamos buscar entender o outro. Parece algo fácil e um clichê, mas como devemos iniciar esse processo e por que temos dificuldade de realizá-lo?

Uma resposta possível é que nos apegamos a um modelo único de vida e de mundo, normalmente o nosso mundo. Temos características constitutivas da nossa personalidade que tendem ao narcisismo, então acreditamos que o que é nosso, em diversos âmbitos, é melhor. O contrário também é verdadeiro: muitas vezes achamos que não temos nada de bom e que não podemos assumir nada dos outros, não temos essa condição. Em ambas as situações, o outro e seu mundo estão distantes, como colocados diante de um muro.

Uma atitude que deve ser levada a sério é a da escuta. Parece algo fácil e banal, não é mesmo? Contudo, é algo extremamente raro hoje em dia. Será que a maioria das pessoas hoje consegue escutar o outro (pais e filhos, colegas de trabalho, cônjuges, amigos) durante 10 minutos, atentamente e sem dar alguma opinião direcionando o problema ou a conversa para uma resolução? Escutar implica em silêncio e o mundo em que vivemos tem muito ruído. Somos incapazes de escutar o outro em uma cultura da indiferença. Escutar é um gesto coletivo. Somente a partir da escuta podemos entender a diferença e é pela diferença que avançamos em nossa dimensão humana.

Uma armadilha da escuta é sua característica colonizadora, a partir da ideia de que um sabe e o outro irá aprender.

A escuta é tão necessária e, por vez, complexa, que alguns autores chamam a atenção para sua importância, como o escritor alemão Goethe (1749-1832): “Falar é uma necessidade, escutar é uma arte”. Também Zenão (334-263 a.C.), antes de Cristo afirmou: “A natureza deu-nos somente uma boca, mas duas orelhas, de modo que nós devemos falar menos e escutar mais”.

Uma armadilha da escuta é sua característica colonizadora, a partir da ideia de que um sabe e o outro irá aprender. Nada mais arcaico em nosso meio, apesar de ser extremamente comum. Em um mundo complexo, é preciso fugir às pré-concepções ou compreensões rasas e apressadas.

Não entendemos tudo, não entendemos o outro. Nos resta escutar, pois a fala do outro é o único caminho para mostrar elementos que estavam escondidos e eram estranhos à nossa subjetividade. A ideia de que um está com a razão deve ser superada. Em um diálogo, os dois podem estar equivocados. Não devemos cair em dois monólogos. A essência da comunicação são os resquícios, o que não foi concluído, os mal-entendidos. Uma boa escuta é aquela que consegue suportar a incerteza, que produz, em algum grau, angústia e uma nova experiência, aberta. Escutar o outro é renunciar a si mesmo e perceber que o mundo é maior que nós mesmos. Somente assim, podemos evoluir e alcançarmos um estado de empatia, verdadeiramente.

Grandes violências na história se deram pelo fato do ser humano não saber escutar o outro: culturas, religiões, comportamentos, artes, ciências. A origem da violência está em um mecanismo mimético cultural, no sufocamento do outro em sua subjetividade e consequente existência.

Grandes violências na história se deram pelo fato do ser humano não saber escutar o outro: culturas, religiões, comportamentos, artes, ciências. A origem da violência está em um mecanismo mimético cultural, no sufocamento do outro em sua subjetividade e consequente existência.

O papa Francisco vem insistindo na importância da escuta. No seu documentário recente (“A Sabedoria do Tempo”), enfatiza que não devemos dizer palavras de consolo para que a pessoa saia de uma situação trágica, difícil, como em um passe de mágica. Muitas vezes, não há o que fazer, nem o que dizer, apenas escutar. Escutar é um gesto de estar junto, de dar as mãos. É o ato mais urgente e necessário em momentos desérticos. Entender o outro, descolonizando discursos, é um passo fundamental às nossas atividades pastorais. Uma igreja em saída, em escuta às dores do mundo, aos seus sentidos e seus abismos, uma igreja com o espírito sinodal:

Temos a oportunidade de nos tornarmos uma Igreja da proximidade, que estabeleça, não só por palavras, mas com a presença, maiores laços de amizade com a sociedade e o mundo: uma Igreja que não se alheie da vida, mas cuide das fragilidades e pobrezas do nosso tempo, curando as feridas e sarando os corações dilacerados com o bálsamo de Deus”.

FRANCISCO, outubro de 2021

Antes, em 2020, no início da pandemia, em uma missa matutina na Santa Marta, disse o pontífice: “Neste tempo há tanto silêncio. O silêncio também pode ser ouvido. Que este silêncio, que é um pouco novo em nossos hábitos, nos ensine a escutar, nos faça crescer na capacidade de ouvir”.

Escutar, estar junto, comunhão, empatia, acolhimento. Eis os anseios dos tempos de Francisco!

Prof. René Dentz

René Dentz é leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.