A convivência fraterna, pautada pelo cultivo do respeito mútuo e o do diálogo, em contexto de pluralismo cultural e religioso ainda não é uma conquista de nosso tempo. Ao contrário, as manifestações violentas de intolerância religiosa continuam a fazer inúmeras vítimas em nosso contexto cada vez mais urbanizado e conectado. No Brasil, a necessidade premente de forjarmos juntos outra realidade possível deve ser acolhida por todos e despertar em nós o compromisso ético de empenharmos juntos na concretização de processos educativos libertadores para a convivência fraterna-sororal em contexto de pluralismo cultural e religioso. Nesse sentido, vale a pena ler o artigo do pe. Matias Soares, colaborador do Observatório da Evangelização:
A intolerância religiosa
Por Pe. Matias Soares
O tema da intolerância voltou a ganhar ênfase nas discussões das ciências sociais da contemporaneidade. Depois do onze de setembro de dois mil e um, a atenção global acerca do tema ganhou mais pungência. O que é tido como fundamentalismo religioso nas análises mundiais, é tratado como intolerância religiosa nas situações circunstantes. Essa constatação é consequência do que é analisado cientificamente e do como observamos na experiência cotidiana. A dimensão religiosa da humanidade ganhou mais força e suas manifestações na contemporaneidade contrapõe-se ao que era dado como certo por muitos pensadores iluministas, que ela se retrairia ao que é individual e privado, sem grandes ressonâncias para a vida pública.
Com a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), no seu art. 18, que preceitua que “toda a pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, assim como a liberdade de manifestar a religião ou convicção, sozinho ou em comum, tanto em público como em privado, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pelos ritos”, a perspectiva mudou. Essa prerrogativa fundante dos Direitos Humanos Universais foi assumida por tantos países, inclusive o nosso em sua Carta Magna de mil novecentos e oitenta e oito (CF, Art. 5, VI). A Intolerância Religiosa passou a ser, reconhecidamente, algo que fere o espírito humano e cidadão.
A constatação de que há fenômenos novos e pós-humanos, que elevam os anseios individuais, ou seja, manifestações pessoais, institucionais ou sociais que negam as possibilidades subjetivas dos outros, levou à necessidade de haver o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa (Lei, 11. 635/07), já aqui, em nosso País. A questão é mais de ordem cultural do que legal. Há um retorno, causado pela negação da racionalidade, aos anseios volitivos da condição humana. Uma das características da pós-modernidade é a elevação das emoções. Mas estas nem sempre são manifestações de afetos integrados e, por isso, causam confusões fundamentalistas e irracionais na experiência religiosa. O mais interessante é que tanto os que abominam a religião, quanto os que a elevam, estão tendo atitudes semelhantes; o que torna a questão muito mais complexa. A negação da alteridade, da diferença, da verdade, que acontece no respeito à dignidade do outro, está fazendo da experiência religiosa uma oportunidade para negar a inclusão dos que pensam e têm religiões diferentes. É a universalização do particular, que exclui a possibilidade de elementos de uma verdade que pode incluir a todos.
A Igreja Católica, em três dos seus documentos do Concílio Vaticano II (A declaração Nostra Aetate, sobre a Igreja e as Religiões Não-Cristãs; a Dignitatis Humanae, sobre a Liberdade Religiosa; e o decreto Unitatis Redintegratio, sobre o Ecumenismo), confirma sua visão contemporânea sobre o estado da questão. Para o Concílio, a liberdade religiosa consiste no seguinte: “todos os homens devem estar livres de coação, quer por parte dos indivíduos, quer dos grupos sociais ou qualquer autoridade humana; e de tal modo que, em matéria religiosa, ninguém seja forçado a agir contra a consciência, nem impedido de proceder segundo a mesma, em privado e em público, só ou associado com outros, dentro dos devidos limites” (DH, 2). Na relação com as demais religiões o Concílio afirma que “a Igreja reprova como contrária ao espírito de Cristo, toda e qualquer discriminação ou violência praticada por motivos de raça ou cor, condição ou religião” (NE, 5). Desta forma, a partir do que é eclesialmente ensinado, pode-se deduzir que estamos vivendo grandes retrocessos globais e individuais.
Por fim, trabalhemos para que exista o comprometimento pessoal, social e institucional a formar a cultura de respeito entre as religiões. Como meio de ligação com o transcendente, que todas as religiões sejam promotoras da vida e da paz entre todos os seres humanos. Assim o seja!
Pe. Matias Soares
Pároco da paróquia de Santo Afonso
Natal-RN.