Uma vez mais, ao rezar da janela do palácio apostólico sobre a praça de S. Pedro, apesar da pandemia, o papa centrou-se, na manhã deste domingo, em muitas das suas principais preocupações sociais: paz, vida, migrações e escravidão – tudo em escassos minutos.
Paz e democracia
Francisco declarou que estava a acompanhar com «preocupação» a situação em Myanmar, um pais que traz no «coração» desde a sua visita, em 2017. Os generais derubaram há uma semana um governo eleito, desencadeando protestos nas ruas, num país onde os militares têm uma história de recorrer à violência para subjugar ameaças ao seu poder.
O cardeal Charles Maung Bo, de Myanmar, apelou aos militares para libertar os responsáveis eleitos, incluindo Aung San Suu Kyi, distinguida com o Nobel da Paz, o mais depressa possível.
Os militares acusam o governo de Suu Kyi de não investigar alegações de fraude nas eleições de novembro de 2020 que o seu partido venceu de maneira esmagadora. Observadores dizem os militares temem que Suu Kyi use esta maioria no parlamento para mudar a Constituição do país, que o exército concebeu de maneira a reservar vários poderes para si.
O cardeal Bo denominou o golpe de estado de «inesperado» e «chocante», e afirmou que rezava pelo fim definitivo da «obscuridade que periodicamente» envolve a nação.
No domingo, Francisco apoiou implicitamente o cardeal ao orar para que «quantos têm responsabilidades no país se coloquem com sincera disponibilidade ao serviço do bem comum, promovendo a justiça social e a estabilidade nacional, para uma harmoniosa convivência democrática».
Migrações
As migrações nunca estão distantes do pensamento do papa , que frequentemente voltm aos seus discursos e orações. No domingo, Francisco centrou-se nas milhares de crianças que fogem dos seus países à procura de melhores oportunidades, ou para escapar à guerra, violência e fome: «Desejo dirigir um apelo a favor dos menores migrantes desacompanhados. São numerosos!».
O papa foi informado sobre a «situação dramática» dos menores na “Rota dos Balcãs”. Relatórios referem a existência de centenas de menores ao longo da fronteira entre a Bósnia e a Croácia, a viver em campos temporários com temperaturas gélidas e sem acesso a água ou eletricidade. Estima-se que cerca de 200 pessoas por dia chegam à fronteira, partindo, na maioria, para a Turquia e Grécia, depois de fugirem do norte de África, Iraque ou Síria. O seu itinerário passa pela Bulgária, Kosovo, Sérvia, Bósnia-Herzegovina e Croácia, antes de chegar a Itália ou Áustria através da Eslovénia.
É uma longa e extenuante viagem, que atravessa montanhas e florestas cobertas pela neve, sem instalações para migrantes. Muitas das crianças desta crise nasceram ao longo da “Rota dos Balcãs”, que, para muitas famílias, começou há muitos anos.
Poucas famílias conseguem chegar à cada vez mais inóspita Europa Central, com muitas a serem paradas e procuradas pela polícia croata, alegadamente roubadas e enviadas de volta para a Bósnia, onde passam meses desamparadas. Em dezembro, um incêndio destruiu um campo de migrantes na Bósnia, tornando uma situação extrema ainda pior para mais de duas mil pessoas que perderam tudo do pouco que tinham.
Vida
Celebrada sob o tema “Liberdade e vida”, o dia de oração organizado pela Conferência Episcopal Italiana para domingo foi destacado pelo papa, para quem a sociedade deve ser ajudada «a curar-se de todos os atentados contra a vida, a fim de ser tutelada em todas as fases».
Francisco referiu-se ao «inverno demográfico», que afeta não só a Itália, como muitos países ocidentais, entre os quais ocupa um triste lugar de destaque: «Os nascimentos diminuíram e o futuro está em perigo. Assumamos esta preocupação e procuremos assegurar que este inverno demográfico acabe e que floresça uma nova primavera de meninos e meninas».
Em 2019, durante a visita à Bulgária, o papa acentuou que este inverno «desceu como uma cortina de gelo em grande parte da Europa, como consequência de uma diminuta confiança no futuro».
Escravidão
Na sua intervenção após a oração do Angelus, Francisco recordou o Dia de oração e reflexão sobre o tráfico de pessoas, que se assinala hoje, oito de fevereiro, data em que a Igreja católica assinala a memória litúrgica de Santa Josefina Bakhita, «religiosa sudanesa que conheceu as humilhações e os sofrimentos da escravatura».
Nascida em 1868 no Darfur, Sudão, foi raptada aos nove anos e vendida, primeiro no seu país e depois em Itália. Morreu em 1947, e foi declarada santa pelo papa S. João Paulo II no ano 2000.
O tráfico é uma maiores indústrias ilegais, envolvendo, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho, mais de quarenta milhões de pessoas, obrigadas a trabalhar em condições semelhantes à escravatura, sendo compradas e vendidas como propriedade, ou forçadas à prostituição. Uma em quatro pessoas nestas condições, nas quais se incluem casamentos forçados, são crianças.
O dia de oração deste ano, que decorre sob o lema “Economia sem tráfico de pessoas”, decorre pela internet, devido à pandemia: «O objetivo é trabalhar por uma economia que não favoreça, nem sequer indiretamente, estes tráficos ignóbeis, ou seja, uma economia que nunca faça do homem e da mulher uma mercadoria, um objeto, mas sempre a finalidade», afirmou Francisco, que frisou: «O serviço ao homem, à mulher, mas sem os utilizar como mercadoria».
Durante as oito horas de oração ao vivo, será transmitida uma mensagem do papa Francisco, que instituiu este dia de oração em 2015, mas a escravatura dos tempos modernos foi uma preocupação que remonta pelo menos ao tempo em que foi arcebispo de Buenos Aires.
Reprodução: www.snpcultura.org