A impressão que tenho do Instrumentum Laboris do Sínodo da Amazônia é positiva. Fiz uma primeira leitura e tenho que voltar com calma para aprofundar alguns pontos ali presentes. Posso elencar alguns passos que considerei importantes:
- Em primeiro lugar o tom do documento, de ESCUTA, de abertura e acolhida. Isso achei essencial. Em vários números isso aparece evidenciado. Já na introdução fala-se em “dom da escuta”.
- A percepção da Amazônia como “um novo sujeito” (1)
- A visão alerta da situação da Amazônia, que gera um clamor contra o desflorestamento, a destruição extrativista etc (5)
- Tudo isto gera a necessidade de uma “conversão pastoral”, de uma “conversão ecológica” e de uma “conversão à sinodalidade eclesial” (5)
- O rumo para a “conversão ecológica”, para nós aqui essencial, vem nutrido pela Laudato si de papa Francisco (5)
- No início da primeira parte do documento, em torno da VOZ DA AMAZÔNIA, volta-se a falar em escuta: ouvir “os povos amazônicos para poder exercer com transparência” o papel profético da igreja (7)
- Ao tratar da VIDA, o documento sublinha a importância da ÁGUA, do Rio Amazonas (8). Assinala-se que “o rio Amazonas lança sozinho todos os anos no oceano Atlântico 15% do total de água doce do planeta” (9)
- Daí a preocupação expressa, de cuidado com a vida da Amazônia, ela é “a segunda área mais vulnerável do planeta, depois do Ártico” (9)
- Estamos diante de um imenso território, que “abrange uma parte do Brasil, da Bolívia, do Peru, do Equador, da Colômbia, da Venezuela, da Guiana, do Suriname e da Guiana Francesa, em uma extensão de 7,8 milhões de quilômetros quadrados” (19)
- Isto, no “coração da América do Sul”. Só as florestas amazônicas “cobrem aproximadamente 5,3 milhões de quilômetros quadrados, o que representa 40% da área de florestas tropicais do globo” (10)
- A Amazônia é portadora de “abundante biodiversidade”, também no campo cultural (11)
- A busca de vida em abundância vem expressa com um termo que a cada dia ganha mais cidadania: “bem viver” (12)
- Trata-se de “viver em ´harmonia consigo mesmo, com a natureza, com os seres humanos e com o Ser supremo`” (12)
- O documento, por diversas vezes, vai falar da conectividade que liga tudo a tudo: a “conectividade e harmonia das relações entre a água, o território e a natureza, a vida comunitária e a cultura” (13)
- Isto tem a ver com o “Bem Viver”, que expressa “a centralidade do caráter relacional-transcendente dos seres humanos e da criação, e supõe ´bem fazer`” (13)
- A vida na Amazônia encontra-se AMEAÇADA. Isto “pela destruição e exploração ambiental, pela violação sistemática dos direitos humanos elementares da população amazônica” (14). Eu acrescentaria aqui um outro dado: a violação sistemática contra todas as outras espécies companheiras ali presentes.
- O documento denuncia de forma especial as “empresas extrativistas”, que atuam “muitas vezes em conivência ou com a permissividade dos governos locais, nacionais e das autoridades tradicionais (dos próprios indígenas)” (14)
- Elenca-se então uma série de ameaças que incluem: a criminalização e assassinato de líderes e defensores do território; a apropriação e privatização de bens da natureza; a concessão feita a madeireiras legais ou permissão de entrada das ilegais; a caça e pesca predatória; os mega projetos hidrelétricos; as concessões florestais e o desmatamento realizado em favor da monocultura; a contaminação resultante do trabalho das indústrias extrativistas, causando problemas e enfermidades; a presença do narcotráfico; os inúmeros problemas sociais associados às ameaças; o alcoolismo, a violência contra a mulher, o trabalho sexual e o tráfico de pessoas (15)
- O grande risco que se anuncia, ligado à mudança climática e ao aumento da intervenção humana (chamo aqui de fenômenos do Antropoceno), é aquele de se chegar “a um ponto de não-retorno”, sobretudo se o aquecimento global alcançar um nível de 4% ou o desmatamento atingir o âmbito de 40% (16)
- Daí a importância da defesa da vida e da resistência contra a exploração. A oposição reiterada “a uma visão insaciável do crescimento ilimitado, da idolatria do dinheiro, a um mundo desvinculado (de suas raízes, de seu contorno), a uma cultura de morte” (17)
- Essas ameaças e agressões geram clamores que são dos povos, mas também da Terra (18)
- Nos novos caminhos buscados, a preocupação de estabelecer “relações interculturais onde a diversidade não significa ameaça”. Aliás, esta é uma preocupação constante do papa Francisco, de louvar a diversidade.
- Na segunda parte do documento, a atenção volta-se para o TERRITÓRIO. A Amazônia, assinala-se “não é somente um ubi, (um espaço geográfico), mas também um quid, ou seja, um lugar de sentido para a fé ou a experiência de Deus na história” (19)
- A Amazônia é o local onde “manifestam-se as ´carícias de Deus` que se encarna na história (19)
- É um território onde “tudo está interligado”; onde “o mistério da beleza de Deus” revela-se em cada criatura (20)
- É um território onde as partes não subsistem por si, mas encontram-se constitutivamente interligadas, relacionadas, “formando um todo vital” (21)
- Essa beleza encontra-se hoje, infelizmente, “ferida e deformada”, compondo um lugar de “dor e violência”, como apontam os relatórios das igrejas locais (23)
- Um território que assiste à irrupção do caos: A destruição da natureza, da selva, da vida, dos povos; a contaminação dos rios e terras (23)
- O que se percebe, com gravidade, é a “perda maciça da biodiversidade, o “desaparecimento de espécies (mais de um milhão dos oito milhões de animais e vegetais estão em perigo) (23)
- É nesse território, apesar de todas as ameaças, que se delineia a proposta do “bem viver”, com uma “esperança para novos caminhos de vida” (24)
- Ainda vibra a vida das comunidades amazônicas, entoadas pelo “mantra” de Francisco: “Tudo está interligado” (25)
- Toda esta vida deve ser objeto de escuta atenta, de percepção de sua “sabedoria ancestral, reserva viva da espiritualidade e da cultura indígena” (26)
- A terceira parte do documento vem dedicada ao TEMPO (Kairós). Afirma-se que a Amazônia vive “um momento de graça”, e a presença do Sínodo é um “sinal dos tempos” (28)
- O Sínodo vai ser uma ocasião especial de escuta dos povos originários da Amazônia, que têm muito o que ensinar. São milhares de anos de cuidado com a terra, com a água, com a floresta, de práticas de preservação (29)
- Para a igreja coloca-se o desafio da inculturação e interculturalidade. Experiências significativas já aconteceram neste campo (30)
- São tempos de responder a desafios graves e urgentes (31), e também tempo de esperança (32)
- Trata-se também de um tempo de aprendizagem: “uma grande oportunidade para que a igreja possa descobrir a presença encarnada e ativa de Deus: nas mais diferentes manifestações da criação; na espiritualidade dos povos originários; nas expressões da religiosidade popular, nas diferentes organizações populares que resistem aos grandes projetos” (33).
- Animada com a força do Espírito, a igreja “quer aprender, dialogar e responder com esperança e alegria aos sinais dos tempos juntos aos povos da Amazônia (34)
- Na quarta parte, apresenta-se o tema do DIÁLOGO, dos novos caminhos de diálogo, de reposicionamento da missão (35-36)
- Um diálogo que é sobretudo aprendizagem, um diálogo de “espiritualidades, crenças e religiões amazônicas”. Um diálogo “que exige uma abordagem cordial das diferentes culturas (39)
- Um respeito que não significa relativização das convicções, mas envolve o reconhecimento “de outros caminhos que procuram desvendar o mistério insondável de Deus (39)
- O diálogo requerido rechaça uma “abertura não sincera ao outro, assim como uma atitude corporativista, que reserva a salvação exclusivamente ao próprio cres”. Estamos aqui num ponto fulcral do documento, que nos faz lembrar o espírito de Assis e a abertura captada em documentos como Diálogo e Anúncio.
- O documento se encerra falando do diálogo e resistência, das resistências que a dinâmica dialogal há de encontrar no caminho (41)
- Na Conclusão, um toque de esperança no “renovado sentido da missão da igreja na Amazônia”, envolvendo também o desafio da recriação de ministérios adequados para este período histórico” (43)
Fonte:
http://www.sinodoamazonico.va/content/sinodoamazonico/pt/sinodo-pan-amazonico.html