Direitos Humanos dos encarcerados. Contra os sentimentos/pensamentos monstruosos da Xuxa, com a palavra o teólogo Francisco de Aquino Júnior

No dia 26 de março a Xuxa participou de uma live promovida pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro sobre defesa dos direitos dos animais. Um tema importante e necessário, sobretudo quando consideramos as condições de criação intensiva, manejo e abate de animais pelas grandes indústrias. Mais uma causa nobre e humanitária defendida pela Xuxa. Ela tem defendido os direitos das crianças e adolescentes, das mulheres e da população LGBTQIA+. E nessa live assume a defesa dos animais.

O estranho e absurdo é que, defendendo os direitos dos animais, ela se volta contra os direitos das pessoas encarceradas, defendendo ideias e propostas monstruosas de fazer dos encarcerados cobaias de experimentos:

– “com remédios e coisas, eu tenho um pensamento que pode parecer muito ruim para as pessoas, que pode parecer desumano”

– “eu acho que existem muitas pessoas que fizeram muitas coisas erradas que estão aí pagando seus erros ad aeternum, para sempre em prisão, que poderiam ajudar nesses casos aí, de pessoas para experimentos”

– “pelo menos serviriam para alguma coisa antes de morrer, para ajudar a salvar vidas com remédios e com tudo. Aí vem o pessoal dos Direitos Humanos e dizer que não podem ser usados… Acho que poderiam usar ao menos um pouco da vida delas para ajudar outras pessoas. Provando remédios, vacinas, provando tudo nessas pessoas para ver se funciona”

Várias pessoas reagiram nas redes sociais contra essas ideias monstruosas defendidas pela Xuxa. Manifestaram indignação por tratar animais com mais dignidade e direitos que seres humanos. Lembraram que isso foi praticado nos campos de concentração nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Falaram da situação carcerária no Brasil: mais de 760 mil pessoas empilhadas, das quais mais de 60% são negras, cerca de 40% sequer foram julgadas, cerca de 30% estão presas por “tráfico” de droga (em geral, os que fazem o delivery dos papelotes, ou entregar do varejo – não os grandes traficantes), pouco mais de 10% são acusadas de crime contra as pessoas. Defenderam que prisão não é para vingar, matar ou torturar, mas para recuperar, humanizar e ressocializar e que, para defender os animais, não é preciso agredir os seres humanos.

Diante de tantas reações, ela gravou um vídeo se desculpando, afirmando que se expressou mal, reconhecendo que há muitas falhas no sistema prisional e que se ela condena essas pessoas está “sendo tão ruim quanto as outras pessoas que maltratam outras vidas”. E diz que, ao se referir aos encarcerados, não pensou em questão social (pobres) ou racial (negros), mas “na pessoa que estupra uma criança”, como se nesse caso não tivesse problema usar pessoas como cobaia. O estupro é uma monstruosidade que não tem desculpa nem perdão. Mas a pessoa que comete esse crime monstruoso deve ser tratada sempre com dignidade. Do contrário, como reconhece a própria Xuxa, nós nos tornamos tão “ruins” quanto elas. Não se combate crime com crime, monstruosidade com monstruosidade. Isso nos desumaniza como pessoas e como sociedade.

Infelizmente é assim que muita gente pensa: “bandido bom é bandido morto”, “direitos humanos é defender crime”. E o mais trágico é isso ter se tornado política de governo no Brasil. Mas o mais absurdo mesmo é pessoas que se dizem cristãs serem contra os direitos humanos e a favor de tortura, pena de morte e terem sentimentos e pensamentos tão monstruosos/nazistas como esse defendido pela Xuxa. A vida é dom de Deus. Atentar contra a vida humana – mesmo de um estuprador – é atentar contra a obra criadora de Deus e contra o Evangelho de fraternidade, justiça e paz de Jesus Cristo.

Estamos com a Xuxa na defesa dos animais. Mas estamos radicalmente contra seus sentimentos/pensamentos monstruosos/nazistas contra os encarcerados – mesmo os que cometeram a monstruosidade do estupro. A defesa dos animais não pode se dar às custas dos direitos humanos. Como bem afirma o papa Francisco na encíclica Laudato Si’ sobre o cuidado da casa comum: “Devemos ter a preocupação de que os outros seres vivos não sejam tratados de forma irresponsável, mas deveriam indignar-nos sobretudo as enormes desigualdades que existem entre nós, porque continuamos a tolerar que alguns se considerem mais dignos do que outros” (LS 90).

Contra os maus tratos de animais!

Pelos direitos humanos de todos os humanos!

Pelos direitos humanos dos encarcerados!

Sobre o autor:

Prof. dr. pe. Francisco de Aquino Júnior (Foto. Camilla Moreira, para o Observatório da Evangelização)

Francisco de Aquino Júnior possui graduação em Teologia e Filosofia, mestrado e doutorado em Teologia. É professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Dentre seus livros merecem destaque: Teologia como intelecção do reinado de Deus (A) – O método da Teologia da Libertação segundo Ignacio Ellacuria. São Paulo: Loyola, 2010; A dimensão socioestrutural do Reinado de Deus, São Paulo: Paulinas, 2011; Teoria Teológica. Práxis Teológica. Sobre o método da Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2012; Viver segundo o espírito de Jesus Cristo. Espiritualidade como seguimento. São Paulo: Paulinas, 2014; Pastoral social. Dimensão socioestrutural da caridade cristã. Brasilia: Edições CNBB, 2016; O caráter práxico-social da teologia. Tópicos fundamentais de epistemologia teológica. São Paulo: Loyola, 2017; Nas Periferias do Mundo. Fé, Igreja, Sociedade. São Paulo: Paulinas, 2017; Organizações populares. São Paulo: Paulinas, 2018; Teologia em saída para as periferias. São Paulo: Paulinas/ Unicap, 2019; com Maurício Abdala e Robson Sávio, é organizador do livro: Papa Francisco com os movimentos populares. São Paulo: Paulinas, 2018; com Agenor Brighenti, é organizador do livro: Pastoral Urbana. Novos caminhos para a Igreja na cidade. Petrópolis: Vozes, 2021.

Fonte:

www.portaldascebs.org.br