Diante do “não quero nem saber” de Bolsonaro, papa Francisco propõe a cultura do cuidado

Um verdadeiro construtor de pontes, um pontífice. Assim poderíamos definir o papa Francisco, algo que ele mais uma vez expressa na mensagem para a celebração do 54º Dia Mundial da Paz, a ser realizado em 1º de janeiro de 2021, que se intitula “A cultura do cuidado como percurso de paz”. Para começar, o Papa deseja “progredir no caminho da fraternidade, da justiça e da paz entre as pessoas, as comunidades, os povos e os Estados”.

Ele o faz em um momento em que o mundo está passando “pela grande crise sanitária da Covid-19, que se transformou num fenômeno plurissetorial e global, agravando fortemente outras crises inter-relacionadas como a climática, alimentar, econômica e migratória, e provocando grandes sofrimentos e incômodos”. Em suas palavras ele diz que pensa “em primeiro lugar, naqueles que perderam um familiar ou uma pessoa querida, mas também em quem ficou sem trabalho”. Ele lembra aqueles que fizeram um esforço especial neste tempo de pandemia e pede garantia de acesso às vacinas, denunciando que “ao lado de numerosos testemunhos de caridade e solidariedade, infelizmente ganham novo impulso várias formas de nacionalismo, racismo, xenofobia e também guerras e conflitos que semeiam morte e destruição”.

Diante das palavras de alguém que se tornou um dos grandes líderes mundiais, dedicando-se de corpo e alma a encontrar formas de resolver uma das maiores crises da história moderna, nos encontramos com a atitude de outros líderes que, desde o início, ignoraram o sofrimento do povo. Os exemplos mais claros desta atitude podem ser encontrados em Donald Trump e seu fiel lacaio Jair Bolsonaro. O primeiro já está arrumando sua mala para deixar a Casa Branca, enquanto o segundo, se nada mudar, continuará por pelo menos mais dois anos como presidente do Brasil.

O presidente brasileiro desde o primeiro momento foi contra o isolamento social, dizendo abertamente que nada tinha a ver com as mortes, que todos nós temos que morrer um dia, ele fez todo o possível para reduzir a ajuda emergencial aos mais pobres, que eles não vão receber mais a partir de janeiro, o que vai provocar uma grave crise social em um país onde o trabalho informal, dificultado neste tempo de pandemia, é a principal fonte de renda para uma boa parte da população.

A mesma posição está sendo mostrada em relação à vacina, algo em cuja universalidade o papa Francisco tem insistido. Há várias semanas, a vacina tem sido objeto de uma disputa política entre o presidente brasileiro e os governadores de vários estados, incluindo o Supremo Tribunal Federal, que decidiu que ela é obrigatória. Bolsonaro se recusa a ser vacinado e disse não entender a pressa com a vacina, pois no Brasil a pandemia já está chegando ao fim, o que é negado pelos números, que ameaçam uma segunda onda mais letal. O Brasil é o país com o terceiro maior número de contágios, com mais de 7,2 milhões, e o segundo maior número de mortes, com previsões de mais de 200.000 falecidos nos primeiros dias de 2021.

Em sua mensagem, o papa Francisco enfatiza “a importância de cuidarmos uns dos outros e da criação a fim de se construir uma sociedade alicerçada em relações de fraternidade”, um caminho totalmente diferente do presidente brasileiro, expoente claro da “cultura da indiferença, do descarte e do conflito, que hoje muitas vezes parece prevalecer”. De fato, desde sua chegada ao poder em 1º de janeiro de 2019, o Brasil se tornou um país fortemente polarizado, criando um clima social de confronto, o que complica ainda mais a grave crise que o país está atravessando.

Apesar de existirem grupos católicos claramente alinhados com o atual presidente, a posição da Igreja é de oposição às políticas que aumentaram a divisão social tradicionalmente presente na sociedade brasileira. A carta ao Povo de Deus, assinada por 152 bispos, publicada em agosto e que mais tarde recebeu grande apoio de outros grupos da igreja, critica abertamente as políticas do governo atual, a serviço de uma economia que mata.

Na semana passada, o presidente da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Dom Walmor Oliveira de Azevedo, denunciou que, diante da pandemia, “a seriedade foi subestimada e as medidas adotadas pelos órgãos governamentais ignoraram as preciosas contribuições do campo científico”, algo que pode ser visto como um julgamento da posição adotada pelo presidente do país, que também deveria assumir “a necessidade de um programa de vacinação consistente, exigindo a superação de desgovernos e politizações abomináveis”.

A mensagem do papa Francisco enfatiza a necessidade de cuidar da criação e dos irmãos, algo que foi quebrado por Caim, pois, como ele afirma em Laudato Si’, “o cuidado autêntico da nossa própria vida e das nossas relações com a natureza é inseparável da fraternidade, da justiça e da fidelidade aos outros”. A destruição da Amazônia atingiu limites inaceitáveis nos últimos dois anos, ao que se soma a perseguição aberta aos povos indígenas, aos quais o presidente brasileiro quer impor o modelo capitalista ocidental. Alguém que usou “Deus acima de tudo” como seu slogan de campanha deveria retomar a tradição profética, lembrada pelo Papa em sua mensagem, que promove “justiça para os pobres, que, pela sua vulnerabilidade e falta de poder, são ouvidos só por Deus, que cuida deles”.

Cuidar dos outros é algo que sustenta o ministério de Jesus e deve estar presente na vida de seus seguidores, recorda-nos Francisco. Em sua reflexão, que tem como ponto de partida a doutrina social da Igreja como fundamento da cultura do cuidado, ele destaca a necessidade da promoção dos direitos humanos, algo que é constantemente atacado por Bolsonaro, do bem comum, o que contrasta com a destruição do aparelho do Estado e das políticas públicas, especialmente no campo da educação e da saúde, que está sendo instaurado no Brasil.

O mesmo pode ser dito sobre a solidariedade, que “ajuda-nos a ver o outro – quer como pessoa quer, em sentido lato, como povo ou nação – não como um dado estatístico, nem como meio a usar e depois descartar quando já não for útil, mas como nosso próximo, companheiro de viagem”, nas palavras do papa Francisco. A indiferença do atual presidente brasileiro em relação às vítimas da pandemia é um claro exemplo de atitude contrária ao que é defendido pelo pontífice. O mesmo pode ser dito em relação ao cuidado e proteção da criação, já que as queimadas na Amazônia, o desmatamento ou a mineração legal e ilegal são situações em que o governo brasileiro nada faz, para não dizer que apoia e incentiva.

Diante desta situação, o Papa fala de “a bússola para um rumo comum”, que permite “estimar o valor e a dignidade de cada pessoa, agir conjunta e solidariamente em prol do bem comum”, com o objetivo de “superar tantas desigualdades sociais”, uma necessidade mais que urgente em um Brasil cada vez mais desigual. Portanto, a necessidade de “educar em ordem à cultura do cuidado”, na família, nas religiões, algo que contrasta com a denúncia que os 152 bispos fizeram em sua carta, pois no Brasil, “a religião também é usada para manipular sentimentos e crenças, para provocar divisões, espalhar o ódio, criar tensões entre as igrejas e seus líderes”. Não esqueçamos que “não há paz sem a cultura do cuidado”, que exige “percursos de paz que levem a cicatrizar as feridas”, cada vez mais abertas no Brasil, onde os sentimentos de ” fraternidade e solidariedade, de apoio mútuo e acolhimento recíproco” foram abandonados.

(Os grifos são nossos)

Sobre o autor:

Luis Miguel Modino

Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manaus – AM. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador do Observatório da Evangelização e em diferentes sites e revistas.

A seguir, a versão do texto em espanhol:

La cultura del cuidado de Francisco frente al búscate la vida de Bolsonaro

Un verdadero constructor de puentes, un pontífice. Así podríamos definir al Papa Francisco, algo que una vez más expresa en el mensaje para la celebración de la LIV Jornada Mundial de la Paz, a celebrarse el 1 de enero de 2021, que tiene como título “La cultura del cuidado como camino de paz”. De entrada, el Papa desea “progresar en este año por el camino de la fraternidad, la justicia y la paz entre las personas, las comunidades, los pueblos y los Estados”.

Lo hace en un momento en que el mundo vive “la gran crisis sanitaria de COVID-19… que agrava las crisis fuertemente interrelacionadas, como la climática, alimentaria, económica y migratoria, y causa grandes sufrimientos y penurias”. En sus palabras dice pensar “en primer lugar en los que han perdido a un familiar o un ser querido, pero también en los que se han quedado sin trabajo”. Se acuerda de quienes se han esforzado especialmente en este tiempo de pandemia y llama a garantizar el acceso a las vacunas, denunciando que “lamentablemente, junto a numerosos testimonios de caridad y solidaridad, están cobrando un nuevo impulso diversas formas de nacionalismo, racismo, xenofobia e incluso guerras y conflictos que siembran muerte y destrucción”.

Frente a las palabras de alguien que se ha convertido en uno de los grandes líderes mundiales, dedicándose en cuerpo y alma a encontrar caminos de solución a una de las mayores crisis de la historia moderna, nos encontramos con la actitud de otros líderes que desde el principio se han desentendido ante el sufrimiento de la gente. Los ejemplos más claros de esta actitud los encontramos en Donald Trump y su fiel lacayo Jair Bolsonaro. El primero ya está recogiendo sus cosas para irse de la Casa Blanca, en cuanto el segundo, si nada lo impide, continuará al menos durante dos años como presidente de Brasil.

El presidente brasileño desde un primer momento fue contrario al aislamiento social, diciendo abiertamente que no tenía nada que ver con las muertes, que todos tenemos que morir algún día, hizo todo lo posible por reducir la cuantía del auxilio a los más pobres, que no van a recibir a partir de enero, vislumbrándose una grave crisis social en un país donde el trabajo informal, dificultado en este tiempo de pandemia, es la principal fuente de ingresos de buena parte de la población.

La misma postura está mostrando en relación a la vacuna, algo en cuya universalidad ha insistido el Papa Francisco. Desde hace varias semanas, la vacuna ha sido motivo de disputa política entre el presidente brasileño y gobernadores de diversos estados del país, también con el Supremo Tribunal Federal, que ha decidido su obligatoriedad. Ante la postura de Bolsonaro, que se niega a vacunarse y ha dicho que no entiende las prisas con la vacuna, pues en Brasil la pandemia ya está llegando a su fin, lo que niegan los números, que amenazan con una segunda ola más letal. Brasil es el país con el tercer número mayor de contagios, con más de 7,2 millones, y el segundo en muertos, con previsión de superar los 200 mil en los primeros días de 2021.

El Papa Francisco destaca en su mensaje, “la importancia de hacernos cargo los unos de los otros y también de la creación, para construir una sociedad basada en relaciones de fraternidad”, un camino totalmente diferente a la del presidente brasileño, claro exponente de “la cultura de la indiferencia, del rechazo y de la confrontación, que suele prevalecer hoy en día”. De hecho, desde su llegada al poder el 1de enero de 2019, Brasil se ha convertido en un país fuertemente polarizado, creando un clima social de enfrentamiento, que complica todavía más la grave crisis por la que pasa el gigante sudamericano.

A pesar de que existen grupos católicos claramente alineados con el actual presidente, la postura de la Iglesia es de oposición a las políticas que han aumentado la brecha social tradicionalmente presente en la sociedad brasileña. En agosto fui publicada una carta, firmada por 152 obispos, que posteriormente recibió un gran apoyo de otros grupos eclesiales, en la que se criticaba abiertamente las políticas del actual gobierno, al servicio de una economía que mata.

La semana pasada, el presidente de la Conferencia Nacional de los Obispos de Brasil – CNBB, Monseñor Walmor Oliveira de Azevedo, denunciaba que, ante la pandemia, “la gravedad fue subestimada, y las medidas adoptadas por las instancias gubernamentales ignoraron las preciosas contribuciones del campo científico”, algo que puede ser visto como un juicio ante la postura adoptada por el presidente del país, a quien también le hacía ver “la necesidad de un consistente programa de vacunación, exigiendo la superación de desgobiernos y politizaciones abominables”.

El mensaje del Papa Francisco destaca la necesidad del cuidado de la Creación y de los hermanos, algo que fue quebrado por Caín, pues, como afirma en Laudato Si, “el auténtico cuidado de nuestra propia vida y de nuestras relaciones con la naturaleza es inseparable de la fraternidad, la justicia y la fidelidad a los demás”. La destrucción de la Amazonía ha llegado a límites inaceptables en los dos últimos años, a lo que se une la persecución abierta a los pueblos indígenas, a quienes el presidente brasileño quiere imponer el modelo occidental capitalista. Alguien que usó como lema de campaña “Dios por encima de todo”, debería asumir la tradición profética, recordada por el Papa en su mensaje, que promueve “la justicia para los pobres, quienes, por su vulnerabilidad y falta de poder, eran escuchados sólo por Dios, que los cuidaba”.

Cuidar del otro es algo que fundamenta el ministerio de Jesús y que tiene que estar presente en la vida de sus seguidores, nos recuerda Francisco. En su reflexión, que tiene como punto de partida la doctrina social de la Iglesia como fundamento de la cultura del cuidado, destaca la necesidad de la promoción de los derechos humanos, algo que es constantemente atacado por Bolsonaro, del bien común, lo que contrasta con la destrucción del aparato del Estado y de las políticas públicas, especialmente en el campo de la educación y de la sanidad, que se está queriendo instaurar en Brasil.

Lo mismo se puede decir sobre la solidaridad, que “nos ayuda a ver al otro —entendido como persona o, en sentido más amplio, como pueblo o nación— no como una estadística, o un medio para ser explotado y luego desechado cuando ya no es útil, sino como nuestro prójimo, compañero de camino”, en palabras del Papa Francisco. La indiferencia del actual presidente brasileño ante las víctimas de la pandemia es un claro ejemplo de una actitud contraria a lo que es defendido por el pontífice. Lo mismo se puede decir en referencia al cuidado y la protección de la creación, pues los incendios de la Amazonía, la deforestación o la minería legal e ilegal, son situaciones ante las que el gobierno brasileño no hace nada, por no decir que apoya e incentiva.

Ante esa situación, el Papa habla de “la brújula para un rumbo común”, que permita “apreciar el valor y la dignidad de cada persona, actuar juntos y en solidaridad por el bien común”, con el objetivo de “superar tantas desigualdades sociales”, una necesidad más que urgente en un Brasil cada vez más desigual. Por eso, la necesidad de “educar a la cultura del cuidado”, en la familia, en las religiones, algo que contrasta con la denuncia que los 152 obispos hacían en su carta, pues en Brasil, “la religión también se usa para manipular sentimientos y creencias, provocar divisiones, difundir el odio, crear tensiones entre las iglesias y sus líderes”. No olvidemos que “no hay paz sin la cultura del cuidado”, lo que demanda “caminos de paz que lleven a cicatrizar las heridas”, cada vez más abiertas en Brasil, donde se han ido abandonando los sentimientos “de fraternidad y solidaridad, de apoyo mutuo y acogida”.