Deus, onde estavas naquele momento? Por que não acalmaste o tufão Mathew?

storm-matthew-_carlos_garcia_rawlins_reuters
Haiti devastado pelo tufão Mathew em outubro de 2016, que deixou centenas de mortos.

Quando vemos nas primeiras páginas dos jornais a devastação que o tufão Mathew, agora em outubro, produziu no Haiti e nos EUA destruindo cidades, derrubando árvores, arrastando carros e matando centenas de pessoas, os que cremos, nos perguntamos angustiados:

“Deus, onde estavas naquele momento em que a fúria assassina do tufão Mathew se abateu sobre o Haiti e os EUA? Por que não usaste o teu poder para amainar a virulência destruidora daqueles ventos e daquelas águas inimigas da vida? Por que não intervieste, se podias faze-lo?”

“Sequer permitiste aos haitianos, o tempo suficiente para se recuperarem da devastação que significou o terremoto de 2010 onde milhares e milhares morreram soterrados e viram suas cidades e casas destruídas. Por que agora enviaste outro látego para açoitar e matar?”

“Tu bem sabes, Senhor: o povo haitiano é um dos mais pobres do mundo. Negros, conheceram todo tipo de discriminação. Foram oprimidos por ditadores ferozes que faziam das matanças, política de Estado. Tudo sofreram, tudo suportaram. Não desistiram. Caídos e do meio do pó das ruínas, estavam se levantando. E eis que de novo foram açoitados pela natureza rebelada. Onde está a tua piedade? Não são teus filhos e filhas, especialmente queridos, porque representam o Cristo crucificado?”

Não entendemos os desígnios daquele que se revelou como Pai de infinita bondade. Ele pode ser Pai de uma forma misteriosa que não conseguimos compreender. Bem dizem as Escrituras: “Ele é grande demais para que o possamos conhecer”(Jó 36,26). Muito menos pretendemos ser juízes de Deus. Mas podemos, sim, gritar como Jó, Jeremias, e o Filho do Homem no Jardim das Oliveiras e no alto da cruz. Jesus, queixoso, clamou: “Meu Deus meu Deus, por que me abandonaste (Marcos 15,34)”?

Nossos lamentos não são blasfêmias, mas um grito humilde e insistente a Deus: “Desperta! Não esqueças da paixão daqueles que atualizam a Paixão de teu Filho bem-amado”. Seguramente as invectivas de Jó contra Deus por causa do sofrimento incompreensível e as Lamentações de Jeremias vendo Jerusalém conquistada, o templo, destruído e o povo, marchando escravo para o exílio na Babilônia, foram incluídas no rol das Escrituras judaico-cristãs para que nos servissem de exemplo.

Podemos gritar como Jó e nos lamentar como Jeremias. Mais ainda, podemos, no limite do desespero, bradar como Jesus na cruz, experimentando o inferno da ausência do Deus que sempre o chamava de “Abba”, meu querido paizinho. E Ele silenciou e não o livrou da morte na cruz.

Semelhante lamentação como a nossa, a expressou comovedoramente o Papa Bento XVI quando no dia 28 de maio de 2006 visitou o campo de extermínio nazista de Auschwitz-Birkenau onde mais de um milhão de judeus e outros foram enviados às câmaras de gás: “Quantas perguntas surgem neste lugar. Onde estava Deus naqueles dias? Por que Ele silenciou? Como pôde tolerar esse excesso de destruição, este triunfo do mal? Vem-nos à mente o Salmo 44 que diz: ‘esmagaste-nos na região dos chacais e nos envolveste na mortalha de trevas. Por tua causa somos trucidados todos os dias, tratam-nos como ovelhas de matadouro. Desperta. Sanhor! Por que dormes? Acorda (Sl 44, 20.23-27)’.” Como nunca antes, o Papa Bento XVI se mostrou um finíssimo teólogo que, como homem de fé e sensível, ousou queixar-se diante de Deus.

Embora guardemos um nobre silêncio diante de tamanha dor, perseveramos na fé como Jó, Jeremias e Jesus. Jó chegou a dizer: “Mesmo que me mates, Senhor, ainda assim continuo confiar em ti. Antes Te conhecia só por ouvir dizer, mas agora viram-te meus olhos (42,5)”. A última palavra de Jesus foi: “Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito (Lucas 23,46)”. E Deus o ressuscitou para mostrar que a dor, mesmo misteriosa, não escreve o ultimo capítulo da história, mas a vida em seu esplendor.

Na esperança ansiamos por aquele dia em que ”Deus enxugará as lágrimas de nossos olhos e a morte não existirá nem haverá luto nem pranto, nem fadiga, porque tudo isso já passou” (Apocalipse 21,4). E nunca mais haverá tsunamis, nem Katrinas, nem Mathews, porque surgirá uma nova Terra, onde o ser humano aprendeu a cuidar da natureza e esta nunca mais se rebelará contra ele.

2q0n5z9

Leonardo Boff, renomado teólogo, escritor, conferencista e assessor das CEBs e dos Movimentos Sociais de defesa da Vida. É autor de numerosos livros e artigos.

Fonte: IHU

2 Comentários

  1. Texto muito significativo, nos faz refletir e não nos desesperar diante da grande tragédia provocada pelo o tufão Mathew no Haiti. Mas continuar confiando que o nosso Deus vem ao encontro do nosso grito mais profundo pela vida. Ele é fiel, mas cabe a nós sermos fieis a Deus, nos dedicar ao cuidado da vida, da natureza e da nossa Casa Comum que é o nosso Planeta. Eu sei Senhor que tu estavas ali com eles.

Comentários não permitidos.