As novas Diretrizes da Ação Evangelizadora para a Igreja no Brasil, da CNBB, trouxeram a aguda e candente questão da pastoral no mundo urbano como um tema transversal. A cultura urbana é o nosso lugar teológico-pastoral. É nosso objeto de observação, estudo, interpelação e o horizonte prático a ser focado.
A Igreja tem um grande terreno a ser explorado. A constatação de que suas estruturas já não respondem aos desafios de nosso tempo e que, portanto, precisam de urgente transformação e de revitalização evangelizadora se tornou recorrente. Como ficou claro no processo de escuta e na realização do Sínodo para a Amazônia, poderíamos aqui elencar: uma dinâmica mais partipativa e corresponsável entre clero e laicato na vida da Igreja; novos ministérios pastorais com atenção ao papel singular da mulher na vida eclesial longe ainda de ser valorizado e reconhecido; uma ação evangelizadora de presença e não de visita, que promova pequenas comunidades de fé com pessoas que acolhem de fato a vida cristã; o conhecimento crítico e um bom uso das novas mídias, das redes sociais, da Internet e da realidade virtual; a defesa da dignidade dos povos tradicionais, indígenas e quilombolas; a centralidade da causa e da dignidade cidadã dos pobres na ação evangelizadora; as linguagens eclesiais inculturadas e atentas às juventudes, de modo especial na liturgia; a nova sensibilidade ecológica e os cuidados com a nossa Casa comum, dentre tantos outros.
Há muita dificuldade em partirmos das atuais estruturas. Elas em quase tudo se mostram obsoletas e passaram a ser praticamente uma realidade funcional que visa uma pastoral de manutenção; isso graças ao estilo de evangelização que demarcou o nosso DNA eclesial a partir do IV século da Era Cristã. A nossa organização e referência pastorais ainda é muito sacramentalista. Ofertamos sacramentos, e geralmente sem evangelização que promova conversão ao seguimento de Jesus, à vida em comunidade de fé e partilha fraterna de vida, bem como a busca contínua de uma dupla fidelidade: à Tradição da experiência cristã e aos desafios e urgências de nosso contexto. Nosso estilo infelizmente não é querigmático e nem iniciático e missionário, atento à dimensão social e ao testemunho profética de toda evangelização. Na Alegria do Evangelho, o papa Francisco retoma essa base; mas, ao que parece, ainda necessitaremos de muitos anos para eclesialmente “cairmos na real e deixarmos de ser iludidos”. E isso, claro, contando que, de fato, nos converteremos pastoralmente.
Enquanto isso, a nova tentação é o lançamento de uma Pastoral urbana da superficialidade e dos imediatismos pastorais. A preocupação é tão somente alimentar o “subjetivismo pós-moderno”. Muitas ações que não formam para a vida eclesial e comunitária; nem muito menos, que promovam conversão ao Evangelho. Essas posturas caracterizam-se por um “dinamismo epidérmico”. Sinal clarividente de mediocridade teológico-pastoral e, em alguns casos, também de ganância e preenchimento de egos vazios e doentes psicologicamente, que são sinais de problemas humanos, espirituais e teológicos, existentes nos vários agrupamentos eclesiais.
A Igreja tem grandes questões a ser enfrentadas, não só fora; mas, antes de tudo, no interior de suas estruturas pessoais. Vejamos como alguns cristãos católicos estão recebendo as impostações pastorais do papa Francisco. Eles não conseguem ter o alcance do que este homem de Deus, autêntico profeta de nosso tempo, representa para o mundo. Quem está fora da Igreja se mostra mais sensível, aberto e racional do que muitos que estão dentro da Igreja. Em outra reflexão, escrevi que o papa Francisco é um cristão e que a Igreja não estava preparada para ele; e confesso que o tempo está deixando-me mais convicto disto.
A Igreja não preparou-se para viver essa mudança de época, ou seja, época de profundas mudanças. Isso é próprio dela, principalmente depois que deixou de ser a condutora dos poderes no Ocidente. Muitos dos seus filhos sempre procuraram, e ainda o fazem, atacar o moderno. Existe uma infantilidade a ser superada. Muitos ainda, com mentalidade tridentina, não entenderam a mensagem do Concílio Vaticano II com abertura dialogal às inúmeras positividades trazidas pela Modernidade. Fixam-se, ao contrário, apenas em aspectos julgados negativos ou que trazem ameaças à segurança da sólida tradição cristã; não discerniram, nem acolheram e nem se deixaram interpelar pelos sinais do tempo, pelos muitos pontos positivos. Falam sobre fé e razão; contudo, não as reconhecem e nem as acolhem, conjuntamente, como as duas asas para o acolhimento da verdade.
Por trás das construções pastorais, orientadas pelas Diretrizes, há esses dramas antropológicos e históricos. Tem que, de fato, investir não só no conhecimento intelectivo, este a Internet já oferece; mas também na sabedoria, que é fruto do “discernimento”. O papa Francisco pede essa prática espiritual para a formação dos futuros presbíteros e, sem dúvida, para a Igreja como um todo. Temos que sair desta superficialidade desgovernada, superada e desconfigurada. Necessitamos aprofundar o significado do que somos e do que queremos como Igreja, na nossa vida pessoal e para fecundidade da nossa ação missionária e pastoral. Vamos enfrentar desafios.
Façamos juntos o caminho da conversão à sinodalidade. Isso não deve ser acolhido como um chavão. Trata-se de algo exigente, que implica conversão à centralidade da Palavra e do batismo, à concepcão de corresponsabilidade de todos na dinâmica eclesial. Este é o caminho que nos tornará mais fortes. Abertos ao Espírito Santo, sigamos juntos em frente. Assim o seja! Amém!
Sobre o autor:
Pe. Matias Soares é pároco da paróquia de Santo Afonso/Natal-RN e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.
Um texto rico e realista sobre as imensas dificuldades das estruturas pastorais atuais no processo de evangelização, e que clama por mudanças urgentes no agir do clero e dos leigos.