Debate sobre Brumadinho no Ministério das Relações Exteriores da Alemanha

O crime da Vale e da empresa alemã  TÜV SÜD, em Brumadinho, bem como  a questão dos impactos da mineração no Brasil, foi debatido em evento promovido pela Sociedade Alemã – Brasileira (“Deutsch-Brasilianische Gesellschaft”)*, no Ministério das Relações Exteriores da Alemanha (Auswärtiges Amt), em Berlim, no dia 9 de março. Essa atividade contou com o apoio e articulação da MISEREOR, uma organização católica de solidariedade e ajuda.


Dom Vicente Ferreira e Frei Rodrigo Péret, da Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração da CNBB foram os convidados do evento.


Dom Vicente de Paula Ferreira, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belo Horizonte e responsável pela região de Brumadinho, descreveu o crime/tragédia, que ocasionou a morte de 272 pessoas, naquele município, e a destruição ambiental do vale do rio Paraopeba. “Não há condições de se medir os impactos desse crime, no tecido social da região. O que ocorreu em Brumadinho não é uma questão local. Em Brumadinho vivemos o resultado de um sistema predatório de extrativismo. Brumadinho deve ser visto como resultado de um sistema econômico em que vivemos globalmente”, disse o bispo. 


Para Dom Vicente a agenda de incidência internacional, da qual ele está participando, juntamente com Frei Rodrigo se justifica a partir do fato de que tudo está interligado no mundo globalizado de hoje. “Não podemos continuar com um modelo que acumula lucros e deixa miséria, morte e destruição nos territórios”, afirmou o bispo, a partir de sua experiência em Brumadinho.


Frei Rodrigo Péret, frade franciscano da Rede Igrejas e Mineração, descreveu o processo criminoso de negligência e falsidade ideológica perpetrado pela Vale e a empresa alemã TÜV SÜD. “Falsidade ideológica e uso de documentos falsos, para atestar a segurança e a estabilidade da barragem, estão no cerne da questão. A empresa Vale usou documentos falsos para obter licenças ambientais. Soma-se a isso o fato de que conhecendo o risco manteve as instalações administrativas, inclusive o refeitório, abaixo da barragem. Importante lembrar também que a Vale é reincidente neste tipo de crime, basta lembrar o de Mariana, em 2015”, afirmou o frade franciscano. Frei Rodrigo, ressaltou ainda que “Estes crimes revelam características do modelo minerário, bem como os desafios relacionados ao acesso à justiça, a questão da impunidade e a falta de responsabilidade das empresas e do Estado brasileiro”.


“Desde o dia 25 de janeiro de 2019, quando do crime/tragédia comecei a viver uma conversão de vida. Incluí a pauta da ecologia integral. Tivemos de nos lançar a Igreja de corpo e alma para alcançar os caminhos dos atingidos. Assumir com amor e compaixão a dor e articular, dar as mãos, para exigir justiça e buscar caminhos novos. Somos uma rede de comunidades cristãs, grupos e movimentos. Criamos um trabalho de articulação social”, compartilhou Dom Vicente ao descrever o papel e o trabalho da Igreja, na região de Brumadinho.


A Conferencia dos Bispos do Brasil, em face dos impactos da mineração, violações de direitos humanos do setor minerário e em sintonia com a Encíclia Laudato Si, do Papa Francisco, instituiu, em 2018, uma Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração. Além dessa Comissão, juntamente com a Rede Igrejas e Mineração, de âmbito continental, o trabalho é o de acompanhar as comunidades atingidas pela mineração e buscar junto a elas e organizações da sociedade, saídas para modelos de vida que respeitem a natureza, promovam a justiça ambiental e o cuidado de nosso planeta, a nossa “Casa Comum”.


Frei Rodrigo ressaltou que é urgente superar o modelo extrativista predatório. “As mineradoras reconfiguram de forma negativa os territórios onde seus empreendimentos ocorrem, destroem a diversificação das economias locais e regionais, gerando o que se chama de minero dependência e zonas de sacrifício. A lógica dos lucros rege o setor da mineração e prevalece sobre a segurança das pessoas e da natureza.”

  Em relação ao governo brasileiro, ressaltou que “a impunidade, resultado da captura corporativa do estado, se agrava com as políticas de flexibilização da legislação de proteção ambiental e de direitos humanos, do governo Bolsonaro”.


Seguiu-se um debate sobre questões mais amplas, como a do Fundo Amazônia, do qual a Alemanha (R$ 200 milhões) é o segundo maior doar. A Noruega é o principal doador do fundo (R$ 3,2 bilhões). A política anti-meio ambiente do governo Bolsonaro, as leis que tramitam no Congresso – mineração em terras indígenas, perdão a desmatadores, intenção de diminuir unidades de conservação, por exemplo -, além da inação diante da explosão de garimpos na Amazônia e do desrespeito aos direitos indígenas e comunidades tradicionais, são muito mal recebidas na Europa.. Tudo isso somado às tentativas de modificar a composição do Comitê Orientador do Fundo Amazônia (Cofa), que define sua aplicação e goza da confiança dos países doadores, compromete a continuidade das doações. O Fundo foi criado em 2008 para financiar projetos de redução do desmatamento, e est ameaçado também pelo desejo do governo de usar a verba para pagar indenizações a proprietários rurais com terras em unidades de conservação.


A agenda de incidência, na Europa, de Dom Vicente e Frei Rodrigo se encerra no dia 11 de março. A razão era dar visibilidade aos impactos advindos do Crime da Vale em Brumadinho, bem como ao trabalho da Igreja. Essa agenda foi organizada no âmbito da Comissão Episcopal de Ecologia Integral e Mineração da CNBB, em parceria com a Rede Igrejas e Mineração, tendo em vista conjuntura na região e no Brasil e a necessidade de dar visibilidade à questão. Apoiadores: Franziskaner Mission, Franciscans International, CIDSE, DKA, Adveniat e Misereor. Eles estiveram em Roma, com o papa Francisco; em Genebra, na 43a Sessão de Direitos Humanos da ONU, em Viena, Bruxelas, Essen, Dortmund e Berlim. Foram uma série de reuniões com parlamentares desses países e com deputados do Parlamento Europeu, bem como encontros com organizações da sociedade civil.


* A Sociedade Alemanha – Brasil “Deutsch-Brasilianische Gesellschaft” (DBG) é uma instituição privada, sem fins lucrativos e suprapartidária. Ela foi fundada em 1960 por importantes personalidades da economia, da política e da cultura de ambos os países como uma das maiores associações bilaterais. 

Fonte: Fala Chico