“A «chave de leitura» do atual contexto cultural é a «mobilidade», ao nível cultural, bem como nos domínios social, religioso e territorial.”
O «contexto cultural» de hoje «é radicalmente diferente de há cinco séculos», pelo que se exige «um novo modo de ser do pároco e das paróquias», considera o Pe. Tiago Freitas na tese de doutoramento que defendeu recentemente em Roma.
Em entrevista publicada no semanário “Igreja Viva”, no dia 07/09/2017, suplemento do “Diário do Minho”, o sacerdote bracarense defende que o modelo atual das paróquias «é inadequado» porque foi desenhado para um tempo dominado por uma «sociedade estática»:
“o modelo que temos hoje não é necessariamente mau. Considero-o antes inadequado. É o clássico “modelo tridentino de paróquia”. Era um modelo excelente para aquela altura e deu resposta às necessidades de então. O contexto cultural era muito mais homogéneo do que o de hoje. Era uma sociedade tipicamente de campesinato, isto é, de aldeia, uma sociedade estática. Não era relevante a questão da mobilidade de transportes, da mobilidade de comunicação e por aí adiante. Vivia segundo o imaginário de um padre para uma paróquia e para um povo. Esse modelo resultava. O que acontece é que hoje, sobretudo pelo contexto cultural que é radicalmente diferente de há cinco séculos, é exigido um novo modo de estar ao pároco e às paróquias. O modelo atual é inadequado porque estamos a pegar num modelo que foi desenhado para um tempo e a tentar forçá-lo a ser válido para os dias de hoje, o que não é.”
A investigação “Colégio de Paróquias – Um proto-modelo crítico para a paróquia da Europa Ocidental em tempo de mobilidade”, que obteve nota máxima na Pontifícia Universidade Lateranense, sustenta que a Igreja está a forçar que o paradigma antigo se torne válido para os dias de hoje, «o que não é».
Segundo Pe. Tiago, a «chave de leitura» do atual contexto cultural é a «mobilidade», ao nível cultural, bem como nos domínios social, religioso e territorial. Ele fale de quatro grandes mobilidades que provocaram e estão ainda a provocar profundas mudanças: a mobilidade cultural, social, religiosa e territorial.
“A paróquia tridentina estava alicerçada no tríptico “liturgia, catequese e caridade”. São três elementos muito interessantes – e não deixam de ser válidos ainda hoje – mas creio que não dão resposta a estas mobilidades. Aquilo que proponho na tese é que se considerem quatro pilares: a hospitalidade, a gestação, a comunicação e a memória.
A hospitalidade é a capacidade de a paróquia criar condições para acolher os novos membros independentemente do seu estilo de vida e do ponto em que estão na sua caminhada de fé. Antigamente, o contexto cultural e a paróquia eram estáticos. Hoje, sob este signo da mobilidade, é preciso estabilidade, por isso é importante haver sempre alguém que acolha e acompanhe as pessoas.
O segundo ponto é o da gestação, isto é, antigamente a fé era algo quase hereditário. Eram os nossos avós e os nossos pais que nos introduziam na fé. Hoje em dia os percursos são muito mais personalizados e individuais. Já não vamos só pelos nossos pais ou pelos nossos avós. Cada um é autor do seu próprio itinerário de fé. Este processo da gestação acontece num contexto de pequenos grupos e de ritmos personalizados.
A terceira, que é a da comunicação, tem a ver com o que o teólogo Karl Rahner dizia, e que alguns documentos do Concílio Vaticano II também dizem, que aquilo que Deus quer é, acima de tudo, comunicar-se a si mesmo, um processo chamado de auto-comunicação. Deus comunica-se para que nós possamos entrar em comunhão com ele, para O conhecer. Daí que faça parte do código genético da comunidade comunicar, ou seja, anunciar, evangelizar, dizer quem é Deus, quem é Jesus, quais são os seus valores e aquilo em que acredita. Se uma comunidade deixar de comunicar será uma comunidade morta.
O quarto elemento, o da memória, entra em correspondência com outro fenômeno cultural que existe, que é o fato de muitos dizerem que vivemos numa sociedade sem memória, onde às vezes nos deparamos com esta loucura de pensarmos que o mundo começa connosco, que somos pioneiros em tudo e colocamos em causa o que está para trás. A comunidade cristã deve fazer a apologia da sua memória, do seu patrimônio, e imortalizar ou potenciar esta memória.
A hospitalidade e a gestação procuram principalmente promover o crescimento dos atuais cristãos, possíveis cristãos, ou simplesmente curiosos, enquanto a comunicação e a memória estão voltadas para a maturidade. As primeiras duas mais num contexto de pequenos grupos, e as outras duas mais voltadas para o grande grupo, que seria a comunidade celebrativa ou a grande comunidade.“
Entre as propostas do “Colégio de Paroquias”, de Tiago de Freitas, merecem destaque:
- a de um maior envolvimento e responsabilidade dos leigos;
- a da criação de novos ministérios;
- a do alargamento do conceito de paróquia;
- a de um itinerário de fé personalizado.
Sobre as duas primeiras, ele diz:
“No modelo tridentino, o pároco era a figura central e tudo convergia para ele. Com o Concílio Vaticano II, nos anos 60, dizia-se que era também responsabilidade dos leigos construir a comunidade, quebrando assim a mentalidade de ‘os padres nas coisas da Igreja e os leigos no mundo, no trabalho e na família’. Chegou-se a essa conclusão, mas a verdade é que pô-la em prática tem sido um processo muito difícil.
Um dos casos mais flagrantes são os ministérios. Os ministérios são funções que os leigos exercem numa lógica de colaboração com o sacerdote ou com a Igreja. Neste momento, só temos dois ministérios: o leitor e o acólito. O cenário é ainda pior se considerarmos que apenas os seminaristas podem ser acólitos ou leitores instituídos. E não há razão nenhuma para que homens ou mulheres não possam ser instituídos nos ministérios. Daí que uma das coisas que eu proponho – e que não carece de autorização do Papa – é ativar um conjunto alargado de ministérios.
Há uma pluralidade de ministérios que podem ser criados e compete aos leigos assumir a liderança do processo. Mas os ministérios têm algumas exigências: formação, um tempo delimitado, estabilidade no tempo e corresponderem a áreas eclesiais estruturantes. Depois, haveria uma formalidade do ato, à semelhança dos sacerdotes, com a instituição, onde o bispo os reconheceria publicamente. Uma coisa é um voluntário, outra coisa é alguém que é enviado pelo bispo. Isso confere-lhe autoridade naquilo que desempenha.”
Em vez de considerar a paróquia como «edifício, espaço ou comunidade onde o pastor e os paroquianos celebram a fé, fazem catequese e uma série de outras ações de evangelização», ela deve ser a realidade «onde, pela densidade da experiência humana, a Igreja deve estar presente», como um hospital, uma escola, ou um centro de culto. Para sintetizar sua proposta de “Colégio de Paróquias”, ele diz:
“Em primeiro lugar, temos de repensar aquilo que entendemos por paróquia. Hoje, consideramos paróquia aquele edifício, espaço ou comunidade onde o pastor e os paroquianos celebram a fé, fazem catequese e uma série de outras ações de evangelização. Indo ao conceito original, paróquia significa “lugar de proximidade”, estar próximo das pessoas. Proponho, neste sentido, que a paróquia seja toda aquela realidade onde, pela densidade da experiência humana, a Igreja deve estar presente… O “Colégio de Paróquias” é o conjunto de todas estas realidades humanas e espirituais (incluindo os centros de culto, ou seja, aquilo a que atualmente chamamos de paróquias). Todas essas realidades concorrem para um todo e são equiparáveis entre si.
A forma de governo do colégio é, também ela, colegial. Esta mudança é enorme. Atualmente, o pároco é a figura máxima da paróquia, aquele que gere e governa. Aquilo que eu digo na tese é que não é específico do pároco a função de governo, porque qualquer cristão, em função do batismo, pode governar. O que eu entendo ser próprio do padre é a presidência. Ele preside à eucaristia, como também poderia presidir a uma forma de governo colegial. Neste governo colegial teriam assento os tais ministros, bem como outros sacerdotes, diáconos e religiosos. Isto faz com que os leigos não só tenham um papel mais ativo, como uma responsabilidade real na construção da comunidade cristã.”
Sobre os maiores desafios para uma conversão pastoral da paróquia o padre português Tiago de Freitas nos diz:
“A grande dificuldade é a mudança de mentalidades, conseguirmos converter o nosso imaginário e operarmos mudanças. As mudanças de mentalidade mais sofridas serão para nós padres. São muitos anos a pensar do mesmo modo e, às vezes, quando estamos de tal modo convencidos e absorvidos no presente achamos que não são possíveis outros caminhos. Ora, dizer que os leigos podem assumir responsabilidades concretas não é um favor que se faz, é um direito e uma necessidade. Mas será “violenta” a mudança para nós padres porque mexe, humanamente falando, com muita coisa do nosso lado: o orgulho, sentir que somos importantes e que agora pode haver outras pessoas que partilham conosco as atenções. Mexe, por exemplo, conosco a partir do momento em que teremos pessoas já formadas e responsáveis ao nosso lado a questionar as nossas decisões, o porquê de agirmos deste ou daquele modo.
Às vezes as mudanças vêm por onde menos se espera e creio que somente através de mecanismos em que se dê voz a toda a gente é que conseguimos uma transformação mais duradoura.”
Para ler a entrevista na íntegra: acesse aqui
(os grifos são nossos)
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