A contribuição da Comunidade de Taizé
Nossa conversa sobre o Oficio Divino das Comunidades vai agora focar a atenção sobre a experiência de Taizé, comunidade ecumênica que tem participação fundamental na sua elaboração. As primeiras experiências de um ofício popular, realizadas no Brasil, pelo Pe. Geraldo Leite, teve nela sua inspiração. Pe. Geraldo passou nove meses convivendo com a simplicidade e a beleza dos ofícios na comunidade de Taizé (França), e foi esta experiência que o animou a começar, no Brasil, precisamente em Ponte dos Carvalhos, um Ofício Divino com o povo.
O Irmão Michel da Comunidade de Taizé, que viveu no Brasil e fundou uma comunidade, em Alagoinhas (BA), com sua longa trajetória de celebrar o ofício com o povo, participou do processo de elaboração do Ofício Divino das Comunidades, dando sua colaboração bem precisa e muito valiosa. Ambos já fizeram sua páscoa e participam do incessante louvor na casa do Pai, mas suas contribuições continuam vivas no Ofício Divino das Comunidades e são transmitidas, agora, pelo Irmão Bruno, da mesma comunidade de Alagoinhas. De modo muito sincero, ele diz: “não falo muito”. Mas suas respostas curtas dão o que pensar… Ousamos, comentá-las, para aprofundarmos a contribuição que ele oferece neste bate-papo. Em nossos comentários não queremos repetir simplesmente o que ele diz em suas breves respostas, mas refletir com ele alguns aspectos importantes sobre a prática do Ofício Divino das Comunidades.
(Para fins de distinção, transcrevemos as respostas de Irmão Bruno, seguida pelo comentário, em itálico).
1. Qual a contribuição da liturgia de Taizé na elaboração do Ofício Divino das Comunidades (ODC)?
Irmão Bruno: Como toda liturgia, o Ofício Divino é um corpo vivo. Veicula verdades perenes e circunstanciais. Necessita adaptar gênero literário e vocabulário para que as mentalidades do tempo presente possam se situar como realidade viva, corpo orante. Ir. Michel passou esta intuição.
— A intuição do Irmão Michel, segundo as palavras de Irmão Bruno, não se refere a um livro apenas, e ao que ele contém. Está falando da celebração, dos cantos, dos gestos, dos símbolos como o incenso, a música e o espaço com todos os elementos. Está falando das pessoas: as histórias que elas carregam, as situações que vivem, os sonhos que nutrem. O Ofício Divino das Comunidades como corpo vivo tem a ver com a Igreja, que é Corpo orante de Cristo ressuscitado, o vivente, que continua o seu louvor nas expressões particulares do Brasil com sua diversidade regional e traz para a celebração as suas feições mais próprias. Por sua qualidade de corpo, está ligado ao restante dos membros (ao nosso país com toda sua riqueza humana e à Igreja universal que abraça tudo o que traduz a fé).
2. Os refrãos meditativos no Ofício Divino das Comunidades são amplamente utilizados. Como você avalia esta utilização?
Irmão Bruno: O Ofício Divino das Comunidades existe em várias versões: há a edição básica e edições menores também para jovens, adolescentes e crianças, nas quais os mantras são muito valorizados… Estes refrãos meditativos cantados são da ordem da oração do coração. A contribuição de Taizé virou patrimônio de toda a Igreja. Taizé escolheu letras da Bíblia ou dos santos. Taizé não tem primazia, porém tem grande aceitação.
— “A ordem do coração” sobressai no texto do Irmão Bruno… Os mantras talvez exprimam esse segredo da comunidade de Taizé: pequenos textos cantados repetidamente, sem o muito falar das nossas celebrações. A circularidade do canto, a cadência, a palavra ressoada e o clima orante que se estabelece, conduz o corpo-Igreja para o coração do Mistério e para o íntimo das pessoas, fazendo todos e cada um experimentar a verdade da fé, na comunhão dos irmãos e irmãs e na própria experiência de Deus. Taizé aponta a direção do coração, lá onde os segredos se escondem e o mistério faz livre e gratuita morada. A ordem do coração supera as lógicas do raciocínio, da presunção, da oração orgulhosa que não agrada a Deus. A ordem do coração permanece na soleira do templo, onde o humilde se esvazia de si mesmo diante do mistério (Lc 18,9-14). A lógica do coração admite a ritualidade dos humildes, as palavras dos santos, pequenos trechos da Bíblia, em busca da “serena alegria”… É patrimônio da Igreja! Taizé deu ao Ofício Divino das Comunidades o que tinha de melhor: mais que os mantras e os seus cantos, deu o espírito de gratuidade na oração.
3. Quais as semelhanças e diferenças entre os ofícios de Taizé e as celebrações do Ofício Divino das Comunidades?
Irmão Bruno: Pela sua natureza ecumênica, ladainhas e introduções, os dois ofícios são reflexo de catolicidade. Embora a estrutura seja, grosso modo, a mesma, Taizé não coloca a memória do dia, porque salienta mais o lado da contemplação. Taizé privilegia o silêncio após a Palavra.
— Irmão Bruno indica outra maneira de entender a catolicidade: universalidade. O que é universal é de todos e não é propriedade de ninguém. No Ofício Divino das Comunidades, assim como nos ofícios de Taizé, o componente ecumênico da oração abraça o que é universal e o que escapa dos rótulos e partidarismos. As ladainhas e introduções (aberturas), por sua repetição e popularidade são acessíveis e encantam muito! O silêncio após a Palavra tem a primazia: espaço para deixar falar Aquele que é inominável. A memória do dia cede lugar à contemplação, com ênfase na oração pessoal dentro da oração comunitária. Não nega a importância da recordação da vida, tão valorizada no Ofício Divino das Comunidades, mas talvez mostra um lado desconhecido e temido pela nossa mentalidade religiosa ocidental. Em tempos de pós-modernidade, que tanto valoriza o sentir e o experimentar, é preciso redescobrir o caminho certo da experiência subjetiva como oportunidade de conduzir ao mistério de Cristo, enquanto experiência objetiva da fé.
4. Qual a contribuição do ODC para a Igreja do Brasil
Irmão Bruno: Após o Concílio Vaticano II e a redescoberta da participação ativa do povo de Deus na liturgia, vejo o Ofício Divino das Comunidades como a resposta mais ajustada, principalmente pelos salmos e músicas (mérito de Jocy Rodrigues, Geraldo Leite, Reginaldo Veloso e outros).
— A participação dos fiéis, fruto do Movimento litúrgico que se afirma no Concílio, rompeu com séculos de separação e distanciamento entre o povo e a liturgia da Igreja. Embora estejamos longe de mensurar o seu alcance, poder participar das ações litúrgicas, ativamente e com conhecimento de causa, representa grande avanço. No Ofício Divino das Comunidades todos(as) cantam, todos(as) se elevam a Deus, todos(as) têm acesso à liturgia, o que faz dele uma resposta mais ajustada ao nosso mundo plural e com tanta diversidade…
5. Quais elementos ecumênicos você destaca no ODC?
Irmão Bruno: O Ofício Divino das Comunidades não cuidou apenas dos aspectos ecumênicos, mas incorporou elementos que se referem ao macro-ecumenismo, como por exemplo, preces de outras tradições e religiões.
— De fato, no Ofício Divino das Comunidades os elementos ecumênicos se fazem presentes: a oração do Senhor em versão ecumênica, o sentido cristológico, trinitário e bíblico da oração, a inclusão de hinos de outras tradições cristãs e denominações, o cuidado e a opção pela linguagem inclusiva e popular. O Irmão Bruno volta a atenção para o aspecto macro-ecumênico, também chamado hoje de “inter-religioso”. O Ofício Divino das Comunidades incorpora elementos religiosos de outras tradições; basta tomarmos como exemplo os ofícios para circunstâncias especiais, quando, diante de situações de fronteira e de limite, falam menos as diferenças e mais a busca pela vida, pela paz e pela sobrevivência. Tudo isso depõe a favor do Ofício Divino das Comunidades como oração de todos(as) e aberta a todos(as).
6. A tradição monástica contribuiu para a liturgia do Ofício Divino das Comunidades? Como?
Irmão Bruno: As comunidades monásticas foram guardiãs desta tradição da Igreja ao longo dos séculos e mantiveram a forma mais primitiva da oração comunitária. O Ofício Divino das Comunidades não propõe ao povo todos os ofícios dos monges, mas as duas horas principais, como acontecia nas comunidades eclesiais dos primeiros séculos.
— O Irmão Bruno nos remete aos primórdios dos ofícios da Igreja: os ofícios monásticos e os ofícios de catedral. Os primeiros, com suas diversas horas, organizados para as comunidades de homens e mulheres com a vida dedicada e consagrada à oração. A segunda forma, os ofícios de catedral ou de paróquia, eram especialmente marcada pela oração da manhã e da tarde, com a presença de todo o povo de Deus: famílias, jovens e crianças, também os monges e monjas, presbíteros e bispo… Infelizmente, o segundo modelo praticamente se perdeu na Igreja ocidental, mas está renascendo com iniciativas como as de Taizé, desde o movimento litúrgico, e a Liturgia das Horas do Concílio Vaticano II, que em nossas comunidades chega na forma do Ofício Divino das Comunidades, onde o povo toma parte na oração em momentos especiais do dia, do ano litúrgico e de circunstâncias especiais.
Fonte: Revista de Liturgia – 220 – Ano 37, entrevista organizada e publicada pelo Pe. Renato, SJ, em seu blog Caminhos de Formação.
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