Os tempos sombrios que estamos vivendo precisam ser iluminados pela nossa fé no Deus Emanuel, sempre conosco, e com a esperança de que nosso Deus age em nossas vidas. Como cristãos, carregando a memória de Jesus, somos chamados enfrentar qualquer travessia, mesmo no breu das noites escuras.
Como cristãos, não podemos olvidar, acolhemos na pessoa de Jesus, o Mistério da Encarnação – o abaixamento de Deus que vem até nós, assumindo a nossa vida e se fazendo caminho de salvação – e o Mistério da Páscoa – a fidelidade de Jesus até as últimas consequências da cruz, foi acolhido por Deus que ressuscita Jesus dos mortos. Acolhemos os Mistérios da Encarnação e da Páscoa porque, juntos, formam uma unidade que lança luz sobre o amor de Deus por nós e seu projeto salvífico revelado em Jesus.
Como assinalavam os Padres da Igreja: “O que é redimido é o que fora assumido”, ou seja, o Verbo de Deus, pela vida de Jesus, em tudo igual a nós menos no pecado, concretiza a nossa redenção: agora temos clareza do Caminho a seguir: cultivar uma vida na qual procuramos amar e fazer o bem dentro de nossa condição humana. Jesus assumiu em plenitude a nossa condição humana e a redimiu. E a sua ressurreição revelou-nos nosso destino último de amor: a comunhão com Deus. Desse modo, dois mistérios centrais da fé cristã – Encarnação e Ressurreição – se completam e revelam a glória de Deus e de seu projeto de amor: Jesus comunica o amor primeiro e incondicional de Deus por nós e a nossa redenção-salvação pelo cultivo do dinamismo do amor. Nele, em Jesus Cristo, encontramos um caminho de salvação a seguir.
Por meio deste mistério de amor singular que cada a vida de Jesus revela, cada cristão é iniciado na vida da graça, chamado a enraizar, pelo Batismo, a sua vida em Cristo e procurar concretizar o seguimento de Jesus Cristo no contexto de seu viver. Como cristãos somos chamados a celebrar e a testemunhar a fé de forma adulta e responsável. Percebemos como tenaz preocupação da catequese catecumenal dos Primeiros Cristãos, o educar para a conquista da maturidade da fé. No Concílio Vaticano II, a nossa Igreja conduzida pelo Espírito Santo voltou às suas fontes e assumiu, de forma decisiva, a busca de renovação da catequese, tendo como referencial, verdadeiro paradigma, o que era vivido pelos primeiros cristãos na Iniciação à Vida Cristã.
Urge, no contexto em que vivemos, pensarmos e concretizarmos um itinerário de crescimento na caminhada da fé que auxilie os membros de nossas comunidades conquistarem a maturidade na vida cristã na Igreja e na sociedade. Muitos dos entraves e problemas atuais na vida eclesial, poderiam ser superados se conseguirmos garantir a todos o processo de uma catequese mistagógica: que ajude a cada cristão aprofundar a experiência do Mistério da presença amorosa de Deus sempre conosco, em todas as situações da vida. Esse é um dos fatores mais decisivos no crescimento e conquista da fé adulta. Muitos cristãos infelizmente têm uma experiência e compreensão estreita e rasa da fé cristã e de suas ricas possibilidades. Por isso, frequentemente, voltam-se mais para o secundário do que para o primário; permanecem mais no periférico do que no central; mais no acidental do que no essencial.
Não é o que explica esses conflitos em relação à Campanha da Fraternidade Ecumênica? O que estamos vendo nesse jeito imaturo e apequenado de se viver a fé cristã não seria resultante da certa formação do clero e das lideranças, com posturas incoerentes com o Evangelho e pregações incapazes de provocar crescimento na conversão a Deus e ao seu projeto libertador? Não é fruto da falta de investimentos contínuos na catequese e na formação continuada do povo de Deus?
Parecem não contemplar a pessoa de Jesus Cristo e a missão da Igreja em sua totalidade. A julgar pelo que vemos, ficam apenas com o que lhes convém. Certamente não contemplam e nem acolhem, com profundidade, a verdade dos mistérios da fé em sua totalidade e unicidade; mas sim o que convém aos interesses particulares. Não há, em seu agir, uma mística da Encarnação e da Páscoa de Jesus. O jeito de ser de Jesus não é assumido como critério central.
Vejamos do ponto de vista prático. Muitos não querem compromisso com o que é próprio dos valores do Reino de Deus: fraternidade, justiça, partilha, comunhão, compaixão, misericórdia, defesa do direito e da dignidade da vida dos mais pobres e excluídos… O que vemos, ao contrario, prevalecer é o cultivo do individualismo, do indiferentismo social, do consumismo hedonista e não responsável, da felicidade materialista, do pragmatismo imediatista, do virtualismo e de tantos outros. Tudo isso é sinal de uma cultura que nega a igual dignidade do outro, a necessidade da busca da convivência, da partilha e da inclusão de todos.
É triste admitir que o que está emergindo do contexto dessa longa pandemia e das perspectivas que estão se concretizando para o advento da pós-pandemia, ampliará as névoas – desafios e urgências – que tornaram o nosso contexto ainda mais sombrios que os dias atuais. A julgar pelas posturas dos cristãos, perguntemo-nos com seriedade, a fé cristã continuará a perder credibilidade? Deixará de ser luz e fermento na massa? A aposta numa “pastoral de manutenção” e as estruturas de uma “fé acreditada” que vínhamos supondo ou transmitindo, com seus métodos e narrativas próprios serão repensadas? A nossa ação evangelizadora, pela força do Espírito Santo e a presença do Ressuscitado, será reinventada?
Preparemo-nos para os dias que virão e apostemos, confiantes no Deus estradeiro conosco, na formação crítica e autocrítica das juventudes, numa formação libertadora nos nossos seminários, numa catequese comprometida com uma mistagogia que favoreça uma fé adulta e uma vida cristã corresponsável, com mais liberdade e corresponsabilidade, no seguimento de Jesus Cristo, para a sua Igreja e para a vida em sociedade.
Enfim, como a Igreja precisou tomar ares novos no pós-guerra, com o Concílio Vaticano II; oxalá, tenhamos que viver outro, ou outros eventos, no depois desta famigerada pestilência, para que tenhamos cristãos mais amadurecidos na fé e comprometidos na dinâmica própria da vida da Igreja e da vida em sociedade Assim o seja!
(Grifos e adaptação para o Observatório da Evangelização – Edward Guimarães)
Sobre o autor:
Pe. Matias Soares é pároco da Paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, em Mirassol, Natal e é colaborador do Observatório da Evangelização PUC Minas.