CNBB 70 anos: Campanha da Fraternidade e Perspectivas Pastorais

Seminário 70 anos da CNBB, 3º dia.

O Seminário 70 anos da CNBB, depois de trabalhar o enfoque histórico recuperando o nascimento da CNBB e sua contribuição ao Brasil, no contexto da realização do Vaticano II, em um regime de exceção – 1º dia –, buscou a contribuição da CNBB à democracia em nosso país – 2º dia –, ficando para o 3º dia a tarefa de levantar perspectivas pastorais a partir da Campanha da Fraternidade e da missão da CNBB no contexto atual. O que se deu, logo após à oração inicial e acolhida dos conferencistas e demais participantes.

“Ser um remédio diferente para o mundo cheio de tanta injustiça”

Dom Walmor, Arcebispo de Belo Horizonte e atual presidente da CNBB, abriu a sequência das falas com premissas e eixos importantes para o horizonte de ação da CNBB e da Igreja do Brasil. Ele iniciou apontando três premissas:

1ª A CNBB não é um órgão de governo da Igreja do Brasil, mas uma instituição de comunhão eclesial que reúne os bispos, os primeiros servidores do povo de Deus, com força profética e presença atuante na sociedade. Não se trata de simples afinidade entre as pessoas, mas de um ideal de comunhão evangélica e de compromisso profético, de efetivação de uma Igreja promotora da vida e servidora do Reino de Deus;

2ª A fé como experiência, como princípio fundante. Somos Igreja não porque somos uma ONG, mas porque somos seguidores de Cristo. Nosso ponto de partida é a fé, somente pela fé é possível, por exemplo, fazer desabrochar o martírio;

Espírito Sinodal. É preciso recuperar nossas raízes: a sinodalidade. Pensar a Igreja não a partir dos bispos, mas em comunhão com todos os cristãos, leigos e leigas em busca de respostas adequadas. Não puramente organização e eficácia, mas experiência mística que gere comunhão, participação e fortaleça a missão.

Depois de destacar estas premissas, Dom Walmor trabalhou três eixos importantes para pensar a ação evangelizadora da Igreja do Brasil, o que não é um receituário, mas um anseio de comunhão:

1º Formação integral. Estamos acostumados à formação acadêmica, à conscientização, mas é preciso considerar o cuidado com a saúde, superando todo tabu. Olhar como o nosso povo vive e nos debruçar sobre os seus problemas, em busca de novas respostas. A pastoral deve ser pensada não como um calendário de eventos, mas voltada para a integralidade da vida do povo. Uma pastoral que toque o nosso jeito de ser, de agir e de conviver;

2º Comunicação e diálogo com a sociedade. O que não diz respeito apenas aos meios, trata-se de pensar as redes sociais como o universo para uma ação evangelizadora eficaz. Um mundo de possibilidades e desafios que exigem novas respostas. É preciso superar o “analfabetismo digital” para que surja um novo dinamismo na evangelização. Em uma sociedade plural, injusta, na “contramão” do Reino, somos desafiados a anunciar o Evangelho fecundado por um “novo humanismo” (Papa Francisco). O mundo não é o mundo da Igreja, ele não se reduz a ela. Mas o mundo precisa da Igreja, precisa da CNBB, para que seja mais justo e solidário, para consolidar a construção da democracia, neste momento extremamente difícil, para a promoção da paz e do bem.

3º Gestão Pastoral. Não reduzida às questões de organização, mas de sustentabilidade, tudo o que se desdobra no horizonte da Ecologia Integral, sobre o nosso modo de viver em nossa “Casa Comum”, que implica nossa vida no dia a dia, no uso dos bens etc. Aprender técnicas novas e novos modos de planejamento para superar a atual sociedade injusta e corrupta.

Essas premisas, afirmou Dom Walmor, são fundamentais, precisamos nos deixar desafiar, em solidariedade com todos os que sofrem, que passam fome e vivem na penúria. Firmar o diálogo com sociedade nesse tempo novo, a partir do Evangelho de Jesus Cristo. Ser um remédio diferente para o mundo cheio de tanta injustiça e de modo rápido, incisivo, urgente, a serviço do Reino definitivo.

Uma sinodalidade a partir de baixo, a partir das comunidades

Na sequência, Dom Joel Portela Amado, Secretário Geral da CNBB, apontou três aspectos ad intra, indispensáveis para a Igreja do Brasil nos próximos anos: o desaparecimento da cristandade para outra forma sociocultural de Igreja; a prioridade única das Comunidades Eclesiais Missionárias e a Sinodalidade.

1º A Pós Cristandade. Já não podemos pensar o cristianismo como uma religião única, hegemônica – pesquisas revelam uma enorme mobilidade religiosa –. Vivemos outro contexto que exige discernimento sobre a forma de presença da Igreja na atualidade. A fé já não pode ser dada como pressuposta, por isso não basta uma pastoral de preservação e a sacramentalização. A Iniciação à Vida Cristã constitui uma primeira e principal preocupação, sem a qual, o agir evangelizador é mutilado. Na Pós Cristandade, é exigida outra forma de presença e/ou mediação da Igreja, outra forma de apresentar a pessoa de Jesus Cristo e de levar as pessoas a fazerem a sua experiência de fé na comunidade eclesial.

2º Comunidades Eclesiais Missionárias (CEMs). Estas são a única prioridade das últimas Diretrizes Gerais de Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil. Expressão objetiva que nos leva a preservar a característica de toda a Igreja. Elas não foram criadas para substituir as CEBs, nem representam uma estratégia para o esvaziamento delas. Trata-se de uma nova forma de organização, um salto necessário para o contexto de Pós Cristandade. Também não são uma forma de organização ao lado dos novos movimentos eclesiais e das novas comunidades, ressaltando que “nenhuma comunidade detém o monopólio do Espírito”. Há incompreensões semânticas que precisam ser aprofundadas e para isso é preciso voltar às afirmações das últimas Diretrizes de Ação Evangelizadora. Uma visão não centrípeda onde tudo conflui para a matriz, mas centrífuga, em um número grande de comunidades de todos os tipos, como “Igreja em saída”, não excluindo as CEBs nem subjugando-as, mas como comunhão, como “rede de comunidades”. Estas CEMs remetem e contribuem à sinodalidade, por sua vez, carregada de desafios.

3º Sinodalidade. A relação entre sinodalidade, CEMs e Pós Cristandade é marcada pelo convívio e pela partilha de vida. Pequenas comunidades geram escuta e participação, geram busca de um “novo humanismo”, não é sinodalidade de cima para baixo, mas de baixo para cima, que favorece o processo sinodal em toda a Igreja. “As CEMs podem ser a grande contribuição da Igreja ao momento contemporâneo sinodal”.

Dom Joel concluiu sua fala sinalizando a necessidade de assumir esses três aspectos, pois, se um mundo acabou e outro começou, é necessário buscar outras alternativas: “não dá para continuar maquiando defuntos”.

Campanhas da Fraternidade e o diálogo com a sociedade

A terceira a usar da palavra foi a  Dra. Nísia Trindade Lima, presidente da FIOCRUZ. Ela enfatizou que pensar as Campanhas da Fraternidade (CFs) é pensar o papel da Igreja católica diante das grandes questões sociais do Brasil. A CF teve seu início no bojo de uma transformação eclesial na América Latina num cenário de profundos desafios, desigualdade e pobreza. Neste sentido, recuperar a história é fundamental para situar os desafios e captar aqueles que permanecem atuais. E, é impossível pensar os desafios contemporâneos sem o diálogo com outras igrejas e religiões. Não é possível sobreviver sem a ciência, a tecnologia e a democracia. E ressaltou: a CNBB tem dado uma importante contribuição.

A CF lançada nacionalmente em 1964, com o tema: “Você também é Igreja” e a CF 2022, “Fraternidade e Educação” são de uma pertinência atual. Com a Pandemia de 2019, verificamos retrocesso na agenda da ONU para 2030 e, no Brasil, esse retrocesso tem maior intensidade. A CF 1975 “Repartir o Pão” e a CF 1985 “Pão para quem tem fome” voltam em 2023 com o tema: “A Fraternidade e a Fome”. Tema da maior pertinência diante da gravidade da insegurança alimentar de milhões de brasileiros. A expressão de Josué de Castro em seu livro “A Geografia da Fome” é atual: “Metade da humanidade não come; e a outra metade não dorme, com medo da que não come.” E essa fome tem gênero, tem raça, tem classe social. Temos a necessidade de unir todos aqueles/as que se orientam na busca de caminhos de esperança para a segurança alimentar. Esse é o papel da Igreja a serviço da vida diante dos desafios da sociedade, caminhar juntos, procurando envolver toda a sociedade.

Remédio que cura os corações e ilumina o olhar

Irmã Márian, ex presidente da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB – em uma comunicação testemunhal, destacou como os religiosos/as acompanham os processos históricos da CNBB e o fez resumindo na palavra “Aliança”. Citou várias ações de comunhão e de parceria entre a CNBB e os/as religiosos/as, com destaque especial para os Projetos: “Timor Leste”; “Haiti” e “Igrejas Irmãs”. E salientou que a mudança da sede da CRB para a Capital Federal como uma forma de maior proximidade para reforçar a Aliança nas prioridades afirmadas. E concluiu numa prece: “Que Deus nos conduza numa mesma direção”.

Depois destas participações, aconteceram várias manifestações dos participantes com perguntas e destaques relativos aos assuntos tratados, e depois retomados pelos conferencistas em suas falas conclusivas, mas cujo relato estenderia por demais estas linhas.

Por fim, Dom Antônio Luis Castelan Ferreira da PUC-Rio, instituiu uma mesa de convidados para o encerramento do Seminário dos 70 anos da CNBB: comunhão, participação e missão:

Cardeal Dom Paulo Costa, na mesa formada para encerramento dos trabalhos, salientou que a memória nos compromete (Metz), os tempos mudaram, são muitas as contradições, faz-se necessário “ler os sinais dos tempos” (GS 4), este é o grande desafio da CNBB. O Papa Francisco nos encoraja a não ter medo de entrar no tempo escuro de nossa história. O caminho da sinodalidade é o nosso grande desafio nesta sociedade pluralista. Escutar o que o Espírito diz hoje à Igreja do Brasil.

Cardeal Dom Orani João Tempesta, Grão Chanceler da PUC-Rio retomou a celebração da primeira Conferência do CELAM no Rio de Janeiro em 1955, ressaltou a vitalidade da Igreja na América Latina após o fim do Padroado e destacou que, com o nascimento da CNBB, a Igreja vai assumindo a sua responsabilidade diante das situações adversas ao Evangelho, como por exemplo o trabalho análogo à escravidão. E destacou a importância da CNBB para a Igreja.

Dom Walmor de Oliveira Azevedo, Presidente da CNBB, concluiu sinalizando Gratidão, o remédio que cura os corações e nos ilumina para olhar a história para sermos fieis ao projeto de Jesus. Há homens e mulheres nos instando à profecia, à cidadania eclesial e civil. E finalizou o Seminário dos 70 anos da CNBB pedindo a bênção e proteção da Mãe Aparecida, padroeira do Brasil.

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* Doutor em teologia, membro do grupo de pesquisa de Teologia Pastoral (FAJE) e da SOTER- Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. Redator da Revista O Lutador, Integrante do MOBON – Movimento da Boa Nova. Membro do Observatório de Evangelização – PUC Minas.