Papa Francisco – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Thu, 09 May 2024 22:21:34 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Papa Francisco – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 O estudo da filosofia e da teologia https://observatoriodaevangelizacao.com/o-estudo-da-filosofia-e-da-teologia/ https://observatoriodaevangelizacao.com/o-estudo-da-filosofia-e-da-teologia/#respond Thu, 09 May 2024 22:21:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49879 [Leia mais...]]]> O ESTUDO DA FILOSOFIA E DA TEOLOGIA

 

Por Joaquim Jocélio de Sousa Costa [1]

Nossas sociedades estão cada vez mais envolvidas pela técnica e pela exigência de eficiência e produção. Assim, a própria produção de conhecimento está fundamentalmente ligada a uma visão pragmática do mundo. Quando se confronta uma área do conhecimento, a pergunta é: Para que serve isso? E o que se lucra com isso? Nesse sentido, conhecimentos filosóficos e teológicos são pouco valorizados. Considerados até não científicos ou, ao menos, de segunda categoria. Comecemos pela filosofia, qual seria a sua especificidade e razão de ser?

 

O estudo da filosofia

Todas as ciências trazem questionamentos cujas respostas, embora sempre parciais, geram as transformações que vemos na sociedade. As perguntas filosóficas se diferenciam das demais feitas pelas ciências empíricas, assim como se diferencia das perguntas comuns do cotidiano. As ciências podem se perguntar pela estrutura do DNA, pela fórmula química da água, pelas leis físicas que regem o universo, pela estrutura do cérebro humano, pelo modo como se organiza a sociedade. A filosofia se pergunta: O que é a vida? O que é a realidade e como ela se estrutura? O que é a mente? O que é o poder? O que é a pessoa humana? No dia a dia, podemos perguntar que horas são, se alguém está mentindo, porque aconteceu tal coisa. A filosofia se pergunta: O que é o tempo? O que é a verdade? O que é a razão? Existe a relação de causa e feito? (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 9-12).

Como podemos perceber, as perguntas filosóficas se preocupam com o fundamento último das coisas, com sua essência, é um conhecimento radical (que vai a raiz), isto é, o que as coisas são em si mesmas. Mais que filosofia, se aprende a filosofar. Filosofia não é como se costuma dizer: “aquilo com o qual ou sem o qual, tudo fica tal e qual”. Ou seja, a filosofia não é inútil. Por trás de todas as descobertas e investigações científicas, estão perguntas filosóficas que motivaram as investigações. A filosofia molda a forma de pensar e a própria elaboração teórica dos conhecimentos. A filosofia, portanto, pergunta pela essência das coisas (O QUE É); por sua estrutura e organização (O COMO É); sua causa e razão de ser (POR QUE É); mas também sua finalidade e intenção (PARA QUE É e o PARA QUEM É) (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 13-18). Esses últimos pontos explicitam bem sua dimensão crítica, pois “a filosofia tem, portanto, além de uma função radicalizadora, uma função desmascaradora das ideias e das teorias aparentemente ‘puras’, ‘neutras’ e ‘verdadeiras’” (GONZÁLEZ, 1987, p. 31).

A filosofia trata, desse modo, da totalidade das coisas, as realidades vistas a partir do todo, a partir do seu fundamento último. Ao longo da história, algumas áreas filosóficas se destacaram, como a metafísica (o que a realidade é nela mesma?), a epistemologia (como é possível conhecer as coisas?) e a linguagem (como é possível expressar as coisas?). Estudar filosofia envolve, logicamente, recorrer aos textos e reflexões dos grandes filósofos nos diferentes contextos da história, mas sobretudo, assumir uma atitude filosófica diante do mundo. Aqui, se destaca sua importância e, poderíamos também dizer, sua praticidade; isto é, como ela ajuda em nosso dia a dia. A atitude filosófica nos leva a ir além dos conhecimentos formais e nos ajuda a perceber como o próprio conhecimento é organizado, estruturado e até instrumentalizado. Nos ajuda a perceber como nós também podemos e devemos fazer a diferença no mundo. E a abordagem da teologia, qual a sua contribuição singular?

 

O estudo da teologia

A teologia é um conhecimento que desde muito cedo esteve em profundo diálogo com a filosofia. Contudo, é preciso ter muito claro o que é específico da teologia. Ela é inteligência da fé. Ela “parte do dado da fé, por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele estabelece com o ser humano… Seu ponto de partida é a experiência de fé” (CROATTO, 2001, p. 22. 23). Ou seja, o teólogo é antes de tudo uma pessoa de fé. Sua reflexão não é alheia a sua vida, mas profundamente ligada a ela; não é simplesmente falar de Deus, mas falar a partir da sua relação com Ele. A teologia pressupõe, assim, que Deus revelou seus desígnios de amor com a finalidade de salvar a humanidade, ou seja, fazê-la participar de sua vida divina. Desse modo, todas as questões humanas são tratadas a partir do olhar da fé. Por isso, “para promover a teologia no futuro, não se pode limitar-se a propor de forma abstrata fórmulas e esquemas do passado. Chamada a interpretar profeticamente o presente e a vislumbrar novos itinerários para o futuro, à luz da Revelação, a teologia terá de enfrentar profundas transformações culturais” (FRANCISCO, 2023b, n 1).

Assim, a teologia é sempre ato segundo, pois antes de tudo está a vida de fé. A teologia é uma reflexão sobre esta fé vivida e é feita dentro dela. São momentos distinguíveis, mas não separáveis. A teologia, inclusive, tem um momento chamado de pré-teológico, quando dialoga com diversos conhecimentos para melhor pensar a fé. Aqui entra seu histórico e profundo diálogo com a filosofia. Muito das elaborações doutrinais e da própria reflexão teológica bebeu e bebe de compreensões filosóficas. A teologia não é filosofia, mas a utiliza em sua reflexão sobre a fé; confronta o saber filosófico a partir dos dados da revelação; o mesmo faz com a sociologia, economia, história, direito, psicologia etc. Existem diferentes níveis de elaboração teológica, desde aquele mais complexo elaborado nas universidades (teologia profissional) até níveis mais simples como as elaborações realizada pelos pastores em homilias e formações (teologia pastoral) ou pelos demais fiéis em círculos bíblicos, novenas ou mesmo conversas mais informais (teologia popular) (Cf. BOFF, 2015, p. 597-600).

Contudo, fazer teologia não é o mais importante para o cristão, o mais fundamental é seguir a Jesus Cristo, viver como ele viveu. A teologia é um meio muito importante para isso. A fé é pensada e refletida para ser melhor vivida. Por isso, as diversas realidades cotidianas “exigem uma ‘teologia em saída’, capaz de compreender questões, muitas vezes, situadas nos confins de existências complexas, conturbadas e feridas” (FRANCISCO, 2023a). A teologia deve ser compromisso com um mundo mais justo e fraterno, sinal do Reino de Deus. As universidades, na produção da teologia profissional, devem ter muita clareza sobre isso. “Devemos sempre nos perguntar: para que serve a nossa ciência? Qual o potencial transformador do conhecimento que produzimos? O que e a quem servimos? A neutralidade é uma ilusão. Portanto, uma universidade católica deve tomar decisões, e estas devem ser um reflexo do Evangelho. Ele deve se posicionar e demonstrá-lo com suas ações de forma transparente, ‘sujando as mãos’ evangelicamente na transformação do mundo e no serviço da pessoa humana” (FRANCISCO, 2024).

A teologia é “um conhecimento transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo, portanto, teologia ‘popular’, misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação e nas dobras da história humana, para a qual profetiza a esperança de uma realização final” (FRANCISCO, 2023b, 7). Assim, temos que ter “a coragem de adotar esta teologia que tem cheiro de ‘carne e de povo’” (FRANCISCO, 2023a). Para isso se estuda teologia, para melhor seguirmos a Jesus de Nazaré, amando como ele amou, construindo com ele o Reino.

E você, o que pensa dos estudos de filosofia e teologia?

Referências bibliográficas

BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. 6ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: Uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 22. 23.

FRANCISCO, PP. A Teologia que tem gosto de carne e de povo: Prefácio do Papa no livro “Repensar o pensamento” de dom Antonio Stagliano. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-11/teologia-prefacio-papa-francisco-livro-repensar-pensamento.html, acesso em: 22.11.2023a.

FRANCISCO, PP. Discurso del Santo Padre Francisco a la Delegación e la Federación Internaciónal de las Universidades Católicas. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/es/speeches/2024/january/documents/20240119-fiuc.html, acesso em: 24.01.2024.

FRANCISCO, PP. Motu Proprio Ad theologiam promovendam. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/motu_proprio/documents/20231101-motu-proprio-ad-theologiam-promovendam.html, acesso em: 22.11.2023b.

GONZÁLEZ, Antonio. Introducción a la práctica de la filosofía: Texto de iniciación. San Salvador: UCA Editores, 1987.

Joaquim Jocélio de Souza Costa é graduado em filosofia e teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza; é diácono da Diocese de Limoeiro do Norte-CE.

]]>
https://observatoriodaevangelizacao.com/o-estudo-da-filosofia-e-da-teologia/feed/ 0 49879
O presbítero, homem de coração dilatado https://observatoriodaevangelizacao.com/o-presbitero-homem-de-coracao-dilatado/ Sat, 27 Apr 2024 13:54:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49842 [Leia mais...]]]> Segundo Matias Soares, “os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos… Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação… Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência… Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades… Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados.

Confira o provocante artigo do pe. Matias Soares que nos convida a um outro olhar para os presbíteros, a grande parcela dos ministros ordenados na Igreja Católica. O mesmo olhar pode ser feito para os bispos e diáconos, e também para pastores e pastoras das outras igrejas cristãs.

 

Arquidiocese de Fortaleza volta a celebrar caminhada penitencial; confira  data | Ceará | G1
             Registro da caminhada penitencial em Fortaleza, em 2023.

 

O presbítero, homem de coração dilatado

O papa Francisco, recentemente, num discurso feito aos participantes de um congresso realizado em Roma, sobre a formação permanente dos presbíteros, assim admoestou aos presentes:

A graça pressupõe sempre a natureza, e por isso temos necessidade duma formação humana integral. Na verdade, ser discípulo do Senhor não é um revestimento religioso, mas um estilo de vida e por conseguinte requer o cuidado da nossa humanidade. O contrário disto é o padre ‘mundano’. Quando a mundanidade entra no coração do padre, estraga-se tudo. Peço-vos para investir o melhor das vossas energias e recursos neste aspeto: o cuidado da formação humana. E também o cuidado por viver de maneira humana”.

O presbítero não pode ser alguém que tenha medo de sua humanidade. Sua história, seus afetos, anseios existenciais e sonhos de realização pessoal devem ser cuidados e ordenados por uma capacidade humana e evangélica de amar. A vocação deve estar situada numa condição humana integral e integrativa.

Os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos. A teologia que tinha suas bases no neoplatonismo penetrou na espiritualidade cristã e, ainda mais, no ordenamento formativo dos ministros ordenados. O tratamento dado aos sacerdotes, como homens do sagrado, principalmente depois do Concílio de Trento (1545-1563), mesmo com seus avanços para a época, pouco a pouco foi sendo superado e surgindo novas necessidades e demandas de atualizações. Envolvidos pela mística da ascese e do sacrifício, como sinal da mortificação das pulsões humanas, o sacerdote do antes do Vaticano II é o homem que deve ter como marcas distintivas: a sabedoria, a saúde e a santidade. Essa integração, nem sempre foi tratada com tanta clarividência e contando com as possibilidades ofertadas pelas ciências humanas, especialmente a psicanálise. Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação.

Um novo cenário se nos é posto. Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência. Um novo humanismo pode ser elaborado. Com o neotomismo, tão em voga ainda nas proposições conciliares, a pessoa ainda era tida como realidade integral, que precisava ser integrada. Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades. Com a determinação de ‘ser no tempo e instantaneamente’, com a confirmação dos pressupostos heiddegerianos. Isso está visível nas novas manifestações do ‘Ser’. Esse (Dasein) é o homem contemporâneo, tão simplesmente, com suas escolhas e autodeterminações.

Nessa conjuntura do estilo de ser e estar no tempo, encontra-se a Igreja que ainda não encontrou um método equilibrado de se relacionar com essas subjetividades. Pois sempre foi aquela que, basicamente dos séculos IV ao XIX, impôs, e não propôs o modo de agir da cultura ocidental. Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados. A formação, como os ensina o papa Francisco, também precisa absorver a perspectiva da ‘sinodalidade’. Com menos disciplinamento e mais autoconsciência.

Ouso a dizer que a pedra de toque desse modo de ‘ser Igreja’ é o acolhimento das diferenças, por meio da capacidade de escuta de todos. É o respeito e reconhecimento dos sujeitos que são envolvidos no processo formativo. O que é de interesse de todos deve ser participado por todos. Mais confiança que gera responsabilidade e promove a adesão consciente e personalizada do processo formativo. Basta a percepção dos sinais, que estão aí, na maioria dos que são ordenados atualmente. A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’.

 

A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’

 

O presbítero dos nossos dias, considerando estas manifestações, precisa ser um ‘homem com um coração dilatado para o amor’. E num horizonte de fé, isso só pode acontecer a partir de uma profunda experiência de Deus. Algumas indagações precisam ser respondidas pelos ambientes formativos e demais casas religiosas da Igreja, a saber:

  • Estamos formando homens e mulheres de Deus?
  • Percebemos pessoas performadas segundo o Espírito?
  • Há mais preocupação com o que é mundano nas casas de formação, do que com o que é próprio da ação missionária?
  • Existe desejo de conversão permanente, com a abertura ao que é proposto pelo Evangelho?
  • Quais as motivações que estão levando as pessoas a buscarem as nossas casas de formação?
  • Por que e para que estamos formando padres, religiosos e religiosas?
  • Os formandos e formandas, como também os que já estão ordenados e consagrados, estão inseridos, sendo sal e luz, pastores com cheiro das ovelhas, na vida e na história do povo fiel de Deus?
  • Os nossos métodos formativos estão servindo para que o discernimento evangélico e espiritual aconteça neste processo de maturidade humana e vocacional? Etc…

Os fechamentos ao que pode ser aprofundado é, talvez, a principal dificuldade que temos para avançarmos. Enquanto não nos confrontarmos com a nossa verdade, inclusive enquanto instituição, não conseguiremos falar e agir com ‘parresia’, ou seja, com coragem de encarar a verdade no encontro com nossas fragilidades internas e diferenças externas. Por isso, o fechamento em bolhas e a grande dificuldade de dialogar e agir neste mundo hipermoderno que nos desafia e desacredita constantemente. Na Igreja, ainda temos muito medo da verdade; por isso, não conseguimos ser livres. Com frequência, nos esqueçamos que só ela pode nos dar a liberdade (cf. Jo 8,32). Ou ela é endógena a vida da Igreja e, para isso, precisa ‘acontecer’ na existência de cada um de nós, ou teremos a impressão de que somos uma composição, ou uma simples instituição, na qual muitos ainda não viveram o encontro pessoal com Jesus Cristo e, desta forma, ainda não se tornaram cristãos. A seguinte afirmação do papa Bento XVI sintetiza bem essa reflexão à qual me proponho neste momento:

Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer (…) tenha a vida eterna’” (cf. DCE 1).  

 

Papa Francisco, bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas caminham juntos no Sínodo para a Amazônia.

 

Enfim, instigados a formar um coração dilatado ao amor, sem jaulas e correntes, verdadeiros e sinceros, ternos e misericordiosos, podemos amadurecer. O papa Francisco tem nos provocado positivamente. Para os que ainda vivem no ‘país das maravilhas’, com uma mentalidade pré-moderna e com odor de cristandade, se chega a afirmar que “este Papa não gosta dos ministros ordenados”. Penso que esta não seja a questão! Ele denuncia a mentalidade clericalista e mundana de muitos de nós, que estamos ainda protegidos pela força de uma instituição que vem sendo desafiada a repensar seu modo de ser no mundo de hoje. Numa realidade na qual todos estamos “desnudados”. Numa sociedade do cansaço e do digital (cf. Byung-Chul Han), na qual tudo é visto e todos se veem sem conhecimento profundo e personalizado. Nós estamos inseridos neste tempo e nessa história. Temos que sair das nossas casinhas e construções oníricas. Só conseguiremos ser fortes e perseverantes, como ministros ordenados e consagrados, se tivermos corações dilatados para amar e ser amados. Assim o seja!

 

Pe. Matias Soares

Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, Natal-RN

]]>
49842
O Clericalismo que habita em nós https://observatoriodaevangelizacao.com/o-clericalismo-que-habita-em-nos/ Fri, 26 Apr 2024 18:59:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49838 [Leia mais...]]]>  

O CLERICALISMO QUE HABITA EM NÓS

Por Toninho Kalunga

Francisco é o primeiro Papa a tocar em um tema de fundamental importância para a sobrevivência da Igreja Católica no meio dos pobres. É a chaga do clericalismo. Este mal nasce do entendimento de uma parcela dos padres, de que a fé que eles devotam a Deus, é uma fé mais importante do que a fé das pessoas que não são padres.

O clericalismo nasceu disso. O desenvolvimento desta perspectiva de fé trouxe uma tese de uma certa hierarquia na relação com Deus. Assim, primeiro, vem o Papa, com sua infalibilidade, logo em seguida são os poderosos cardeais, seguidos dos arcebispos, bispos e finalmente a massa sacerdotal. O povo é conduzido e a estes, basta este papel!

Por outro lado, quem cuida, de fato, da fé do povo católico são os padres. Aliás, neste ponto nem há tanta contradição, pois, eles se formam em seminários, num período que vai de 8 à 12 anos, para ajudar na construção e consolidação de uma perspectiva religiosa e sua consequente fé. No decorrer do tempo, infelizmente, ao invés de servir, optaram por ser servidos. E aí é que a coisa degringolou.

Podemos verificar nas lembranças de nossa juventude, “Igrejas que não cabiam gente” de tanta gente que ia às Missas! Era o tempo da Igreja Pastoral, de uma Igreja onde seus pastores tinham “cheiro de suas ovelhas”. Entre o Concílio Vaticano II e o final dos anos 1970, os seminários formaram padres que tinham como perspectiva e sonho, servir ao povo de Deus.

No começo dos anos 1980, com o advento do papado de João Paulo II, essa proposta de Igreja Pastoral, foi perdendo seu vigor e passou a ser combatida ferozmente com incentivo papal do anticomunismo. Se houve erro no papado de João Paulo II, certamente, esse foi o maior deles, pois sua visão de mundo e histórico pessoal, dava a ele a dimensão de que a Polônia era o mundo. E não era!

A Igreja Latino Americana, não era a mesma Igreja Européia. Nem é!! Essa falta de perspectiva cultural e de dimensão social e econômica de João Paulo II, fez com que seu papado passasse a ser de enfrentamento a uma Igreja alegre e popular, uma Igreja de dimensão profética e acolhedora. Uma Igreja gigantesca na dimensão espiritual, eclesial e popular. Foi uma Igreja libertadora e feliz, vocacionada a ser sal na terra e luz no mundo. Por isso, era cheia, vigorosa, devota e encarnada na vida do povo. O resultado é que a vitória dos conservadores, está sendo a derrota de toda a Igreja.

Assim, esta nova proposta ganhou força e os seminários passaram a construir com grande esforço e incentivo do Vaticano, uma formação cada vez mais clericalista, onde a ideia do padre tutor, com pouco interesse na dimensão cotidiana do povo e apegado ao status sacerdotal. A igreja católica passou então a abrir mão do tríplice múnus, que é o múnus sacerdotal, múnus profético e múnus pastoral, para assumir e incentivar apenas o primeiro.

A partir deste momento, começou a crise das ordenações sacerdotais; Diminuindo drasticamente a quantidade de seminaristas e vocações religiosas femininas nos conventos. Jovens que buscavam servir, deixaram de ver na Igreja um atrativo, afinal, para ter poder, melhor seria ser candidato a vereador, prefeito ou deputado e não a padre ou “freira”!!

Assim, fomos apresentados ao orgulhoso Padre de Sacristia, perdendo de vez o líder pastoral. Foi quando começou a surgir a figura dos padres cantores ou o padre popstar, que juntava muita gente em Igrejas enormes e afastavam ao mesmo tempo, o mesmo povo, de suas pequenas comunidades. Esse foi o começo do fim das Comunidades Eclesiais de Base. Enquanto o povo cantava que tinha:

 “anjos voando neste lugar, no meio do povo e em cima do altar, subindo e descendo em todas as direções”, 

O povo na periferia ficava vendo lobos em pele de pastores, engolindo sua fé e arrancando suas esperanças, dizendo que a culpa pelas dificuldades que passavam era em razão de seu pecado e não em razão de um sistema econômico e social que os escravizavam.

Assim, como suspiro de esperança, nas periferias que ainda resistiam, a canção era outra: Ao perceber que lhes faltavam pastores o povo clamava:

“Falta gente pra ir ao povo Descobrir porque o povo se cala Pastores e animadores pra incentivar o teu povo a falar.  Falta luz porque não se acende Não se acende porque faltam sonhos. E falta esse jeito novo de levar luz e falar de Jesus”

Em razão da perda de contato da Igreja Católica com a realidade do povo, surgiu um vácuo, que foi ocupado por uma dimensão religiosa já existente, que se pulverizou: pastores evangélicos oriundos e envolvidos com a realidade de suas comunidades, favelas e periferias em geral levando apoio em nome de Jesus.

Ao destruírem pastorais como a Pastoral Carcerária, os pastores passaram a dar assistência às famílias dos detentos pobres e dos próprios presidiários. Ao impedir a dimensão profética de Pastorais como a Pastoral da Terra, abrimos mão do apoio aos trabalhadores rurais e deixamo-los à própria sorte, sendo estes acolhidos por pequenas comunidades evangélicas nas pequenas cidades e no campo.

O que sobrou aos católicos foi uma elite paroquiana que ao pagar o dízimo e doar um bezerro para a festa da Padroeira, tirava o senso crítico da realidade vivida pelos mais pobres, assim, não fazia diferença participar de uma Igreja onde o padre culpava os pecadores por seus pecados, e o pastor que dizia que o pecado era coisa do demônio. Assim, melhor era falar com o pastor, que ao menos lhes falava que iam sair no tapa com o belzebu!

Nenhum destes, no entanto, se interessava mais em falar sobre a esperança de uma vida melhor aqui, neste lugar. Todos só garantiam isso depois da morte. Assim, a vida vivida, era abafada e o que restava era se adaptar e deixar o tempo passar. Os que não aceitavam essa condição, construíram sua própria fé! Contudo sem formação, sem dimensão filosófica e teológica pastoral. Não demorou para que a falta destas dimensões formativas, fossem adaptadas para o campo da política conservadora e o resultado desta pulverização está aí para que todos possamos ver!

Além dos seminários, outra figura que transforma bons padres, em padres clericalistas, é a própria comunidade de leigos e leigas que exigem destes homens uma postura que muitos não gostariam de ter – nem têm – responsabilizando e exigindo destes uma postura de super humanos. Não é sem razão que existem tantas desistências e frustrações com o sonho da vida sacerdotal.

No campo progressista não é muito diferente, lamentavelmente! O que deveria ser um sopro de alívio para os padres, passa a ser também uma exigência de posicionamentos que cabem aos leigos e não aos padres. E isso também é muito frustrante.

Ao fim, o que se tem é um séquito de religiosos, que chegam numa comunidade e destroem a organização histórica Pastoral dessas comunidades e impõe o seu estilo e ponto de vista, acompanhado de um viés ideológico de extrema direita e hipócrita,  em detrimento da história daquela comunidade. Não servem. Exigem serem servidos.

Tem uma canção que gosto muito, que é bastante cantada na ceb nos atos penitenciais que diz assim:

“Quem não te aceita, quem te rejeita, pode não crer, por ver cristãos que vivem mal…”

Tenho visto cada vez mais pessoas que estão tristes com a Igreja Católica que trazem consigo características em comum: Não participam da vida comunitária, não batem um prego num sabão para ajudar na construção da reflexão e não ajudam na lida cotidiana da comunidade, mas querem espaço de liderança. Não topam estar numa turma de catequese com um grupo de 05 ou 10. Querem ser chamados para fazer palestra nos grupos x ou y, mas não estão dispostos a participar da formação na paróquia. Ou seja. Só aceitam posição de liderança ou de destaque, (igual ao padre) não querem, portanto, fazer parte da massa. O que não entendem é que se não se misturar a esta massa, jamais poderá ter de novo o prazer de se alegrar em uma comunidade.

Não é este o comportamento clericalista?? Não é essa a razão pela qual reclamamos dos Padres que não ouvem, não colocam os pés no barro, não frequentam a casa dos mais pobres?? Aí me pergunto, aos que reclamam daqueles: não estamos imitando e nos comportando da mesma forma??

Não é necessário brigar com o padre. Mas é necessário construir a comunidade junto com ele. Estar à disposição de uma comunidade de fé (E NÃO DO PADRE) significa também ter a humildade e a disposição de amadurecer a fé a partir do exemplo do lavapés e aí, sim, estar pronto para ajudar o padre. Afinal, o ensinamento Evangélico é que se não houver a permissão para que os próprios pés sejam lavados, não se compreenderá que este exemplo não é para usufruir de um serviço mas a ação diária para se fazer imitador de Cristo.

Portanto, esta reflexão não é um chamado de uma guerra contra os padres, muito menos de uma postura que queira lançar culpas a quem quer que seja, antes de mais nada é um apelo para que o clero, enquanto representantes tão privilegiados ( mas não únicos) do amor de Deus, se voltem novamente ao serviço profético de anunciadores do amor de Deus e denunciadores contra as mazelas que os poderosos infligem contra a razão maior das suas existências: os pobres.

Que todos nós, filhos e filhas de Deus e peregrinos por este mundo em busca do conforto espiritual, tenhamos a reciprocidade da acolhida de nossos pontos de vista e não da imposição do ponto de vista ideológico, travestido de teológico por parte do clero e de lideranças leigas fascistas, pois estas, destroem o amor, a fraternidade e a solidariedade entre nós!

Que nosso projeto de religiosidade tenha, na necessidade da dignidade de qualquer vida, o parâmetro da defesa da vida de todos, e que esta dignidade seja aplicada da concepção (e não apenas da concepção à Luz), indo até a morte natural como parâmetro da defesa da vida, conforme proposto pelo próprio Cristo. (João,10-10)

 

Toninho Kalunga é leigo orionita na Comunidade do Pequeno Cotolengo, Santuário São Luis Orione em Cotia e membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld

Fonte: CEBs do Brasil

]]>
49838
Igreja em saída para as periferias. Caminhar juntos na missão https://observatoriodaevangelizacao.com/igreja-em-saida-para-as-periferias-caminhar-juntos-na-missao-2/ Thu, 25 Apr 2024 14:18:18 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49783 [Leia mais...]]]>
IGREJA EM SAÍDA PARA AS PERIFERIAS. CAMINHAR JUNTOS NA MISSÃO
Por Francisco Aquino Júnior
A Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (novembro de 2021), proposta pelo papa Francisco em resposta à solicitação de uma nova Conferência do Episcopado Latino-americano, reuniu as várias expressões e os vários organismos do Povo de Deus. Ela aconteceu no contexto do processo de escuta sinodal em preparação ao próximo sínodo dos bispos em outubro de 2023 (Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação, missão) e no espírito da última conferência do episcopado latino-americano em Aparecida em maio de 2007 (Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida). Essa dupla referência dá o tom e a perspectiva dessa Primeira Assembleia Eclesial: sinodalidade e missão. E aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. São aspectos inseparáveis que se remetem e se implicam mutuamente: a missão é de todos e deve ser assumida por todos (“caminhar justos” do povo de Deus) e a sinodalidade se dá na e em função da missão (“caminhar juntos” na missão). Nunca é demais insistir na natureza sinodal da missão (povo de Deus) e na natureza missionária da sinodalidade (missão).
Mas aqui queremos insistir nesse segundo aspecto: a natureza missionária da sinodalidade. Pode parecer algo simples e evidente, mas na prática é muito mais complexo e problemático do que possa parecer. Primeiro, porque a insistência na participação de todos na Igreja pode acabar relativizando e/ou deixando em segundo plano o “onde” e o “em que” consiste e se dá essa participação e terminar em disputa de poder que não deixa de ser mais uma expressão de clericalismo (disputa de chefia/mando). Segundo, porque a missão pode e comumente costuma ser entendida/realizada de maneira autocentrada ou autorreferencial, relativizando ou mesmo negando seu caráter de “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo e de “serviço” aos pobres e marginalizados desse mundo (crescimento e dinamismo interno da Igreja). Basta ver em que consiste (na prática, não nos textos e documentos) os movimentos de animação missionária em nossas comunidades, paróquias e dioceses…
Não basta dizer que a Igreja é missionária. É preciso compreender bem em que consiste esta missão que não é outra senão a missão de Jesus, tal como está narrada/testemunhada nos Evangelhos: anunciar e tornar presente o reinado de Deus no mundo. Na prática, isso significa/implica socorrer os caídos, curar as feridas, consolar os aflitos e desesperados, acolher os marginalizados/excluídos e fazer comunhão de mesa com eles, afrontar costumes e leis que agridam a dignidade humana, denunciar os poderosos e opressores, viver e desencadear processos de fraternidade (amor, perdão, compaixão, serviço etc.), exercitar o poder como serviço. Numa palavra: viver na lógica do reinado de Deus: filiação divina que se concretiza no amor e na fraternidade entre todos, até com os inimigos. Toda atividade eclesial (catequese, liturgia, encontros de formação, Santas Missões Populares, visitas missionárias etc.) deve ser pensada e realizada em vista da missão fundamental da Igreja que é anunciar e tornar presente no mundo o reinado de Deus que é um reinado de fraternidade, de justiça e de paz.
Francisco não se cansa de insistir na necessidade e urgência de uma “transformação missionária da Igreja” (EG, cap. I), entendida como “saída para as periferias” geográficas, sociais e existenciais (EG, 20, 30, 46, 191). Frente a tendências autorreferenciais da Igreja, insiste sem cessar na necessidade e urgência de “saída para as periferias”. Contra todo comodismo, é preciso sair (Igreja em saída). Mas não se trata de uma saída qualquer para qualquer lugar e/ou qualquer coisa, mas de uma saída em direção à humanidade sofredora para viver a fraternidade, curar suas feridas, socorrer suas necessidades, participar de suas lutas por direitos etc. (saída para as periferias).
E essa perspectiva missionária constitui o coração da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Isso aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. E é melhor explicitado nos desafios pastorais identificados e assumidos pela assembleia. É verdade que a ordem/sequência de apresentação dos desafios (não se sabe bem o critério usado aqui) pode relativizar a até perder de vista esse horizonte da missão cristã, pondo mais ênfase na vida interna da Igreja (participação eclesial, protagonismo dos leigos) que em sua missão no mundo (saída para as periferias). É a tentação permanente à autorreferencialidade e ao clericalismo… Em todo caso, alguns dos desafios identificados e assumidos pela assembleia indicam a perspectiva e o caminho fundamentais da Igreja nesse mundo e, concretamente, em nosso tempo:
“acompanhar as vítimas das injustiças sociais e eclesiais com processos de reconhecimento e reparação”;
“promover e defender a dignidade da vida e da pessoa humana desde sua concepção até sua morte natural”; “escutar o clamor dos pobres, excluídos e descartados”;
“reafirmar e dar prioridade a uma ecologia integral em nossas comunidades, a partir dos quatro sonhos da [Exortação Apostólica] Querida Amazônia”;
“acompanhar os povos originários e afrodescendentes na defesa da vida, da terra e das culturas”.
Certamente, esses não são os únicos desafios de nosso mundo. E certamente não basta identificar os desafios: Eles precisam ser concretizados e enfrentados em cada território e/ou contexto. Precisam ser transformados em projetos pastorais. Precisam ser assumidos como missão fundamental de toda a Igreja. Mas os desafios identificados e assumidos indicam onde deve estar o coração da Igreja de Jesus e para onde ela deve caminhar, se quiser ser fiel a Jesus e seu Evangelho do reinado de Deus que consiste na manifestação do amor de Deus pela humanidade sofredora, por mais que isso seja escandaloso para os “sacerdotes e escribas”, o “filho mais velho” ou os “operários da primeira hora” que somos todos nós. Os pobres e marginalizados desse mundo são, n’Ele, juízes e senhores de nossas vidas, igrejas e teologias (Mt 25, 31-46).
Francisco Junior Aquino é presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE, membro do grupo Emaús, assessor das CEBs e das Pastorais Sociais, ele é professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
]]>
49783
Processos educativos para a sinodalidade https://observatoriodaevangelizacao.com/processos-educativos-para-a-sinodalidade/ Thu, 25 Apr 2024 11:03:50 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46561 [Leia mais...]]]> Neste texto, a teóloga Alzirinha Souza nos mostra a relação estreita fecunda e pedagogicamente decisiva entre sinodalidade e comunidade. Isso porque sinodalidade é “a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus” e a comunidade é “a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história… a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se reflete, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem”.

Alzirinha enfatiza que “é em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação” e “a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos aos mesmos bens (1Cor 13)”. E ao constatar que “muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje”, afirma que “é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo — logo, para a sinodalidade — que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade”.

Este é um texto da iniciativa do Serviço Teológico Pastoral, que publica em diversas mídias católicas textos opinativos que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura!

Processos educativos para a sinodalidade

Em tempos de distanciamentos, secularismos, individualismos e dinâmicas de poder que já entraram em nossas comunidades eclesiais, a sinodalidade — enquanto nova forma de convivência proposta a partir do Evangelho — torna-se “o” caminho por excelência para cristãos e cristãs desejosos de constituir uma Igreja que quer ser sinal do Reino de Deus nesse processo histórico.

Por isso, não se trata apenas de “caminhar juntos”. Isso é o que vimos tentando fazer desde o princípio da Igreja. Sinodalidade é, antes, a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus (EG, 228).

Tal processo de retomada exige que voltemos a nos compreender como comunidade. Elemento central para o cristianismo e, em especial, para a teologia paulina (que a toma como modelo concreto de caminho de transformação humana), a reflexão sobre a comunidade deve ser a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história. Desde o Novo Testamento, elas são em si mesmas a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se refletem, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem. Por isso, desde o cristianismo primitivo, “homens novos” constituem uma realidade social, concreta, visível e palpável que vai sendo afirmada através da expressão revestir-se do homem novo (Ef 4,22-24).

Revestir-se significa entrar na comunidade cristã e adotar seu modo de viver. Dessa forma, a comunidade cristã reafirma o que é a mensagem fundamental do Novo Testamento: o homem novo não é um indivíduo nem é uma humanidade total concebida como grande corpo, em que os indivíduos seriam uma grande engrenagem. A comunidade é mais: “representa o homem novo, frente a todos os individualismos e todos os totalitarismos sociais, eclesiásticos, civis ou militares” (Comblin, 1987, p. 23)[2].. É em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação. Elas são constituídas pela liberdade. Todos tomam a iniciativa e ninguém está obrigado a fazer a vontade do outro — o que não quer dizer uma anarquia, mas, sim, que cada um faz voluntariamente o que é bom para a comunidade. A liberdade sem serviço mútuo leva ao individualismo, e o serviço sem liberdade leva ao totalitarismo (Gal 5,13) (Comblin, 1987, p. 114)[3]. Ser livre é ser com os outros, entrar nas relações novas movidas pelo amor. Nesse sentido, não existe liberdade do homem só. O conteúdo concreto da liberdade é a relação mútua entre homens e mulheres a partir da chave do serviço mútuo (Comblin, 1974, p. 91)[4].

Essas relações são baseadas pelo ágape, que, ao contrário do amor como disposição subjetiva individual, é a alma da comunidade, pois permite estabelecer uma relação de compromisso mútuo entre pessoas, em que todos participam do bem comum. Logo, a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos nos mesmos bens (1Cor 13). Por isso, o papa Francisco nos pede que promovamos uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, que estimule os organismos de participação e outras formas de diálogo pastoral com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns (EG, 31).

Ora, esse processo não é dado por si mesmo. É necessário formar as pessoas para essa dinâmica, conscientizá-las da possibilidade de novas formas de ser Igreja. Estabelecer uma nova dinâmica que nasce do diálogo para nós, não é fácil. Como apresentado anteriormente, à luz do pensamento de Joseph Moingt[5], recordamos as bases históricas da formação eclesial que limitaram o aprendizado para o diálogo. E, apesar de o Concílio Ecumênico Vaticano II ter afirmado que a vida de todo cristão é sacerdotal na medida em que ele se entrega ao poder do amor (encarnado na autodoação salvífica de Jesus Cristo ao nos olharmos hoje), constatamos muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje.

Por isso, é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo — logo, para a sinodalidade — que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade. É preciso que esses processos incluam todos(as) em seu sentido mais lato, ou seja, tanto aqueles(as) que pretendem formar para a sinodalidade (mas que, eventualmente, não percebem que em muitas práticas não o fazem) como os que se formam para uma mudança de atitude, estabelecendo uma dinâmica global na Igreja.

Não é nossa intenção aqui propor métodos ou práticas formativas. Antes, queremos exortar a que eles sejam desenvolvidos, considerando cada contexto concreto, e implementados a partir da chave de ressignificação da comunidade em todos os espaços de nossa comunidade eclesial, desde as comunidades e paróquias até os seminários e casas de formação. A riqueza da Igreja consiste numa diversidade ampla, constituída por cada pessoa que pode contribuir para o estabelecimento de uma nova dinâmica. Isso é apreendido, exercitado e construído à medida que nos colocamos na dinâmica do Espírito que nos impulsiona às transformações de nós mesmos e de nossas realidades.

 

Referências:

Comblin, José. Antropología Cristiana. Madrid: Ediciones Paulinas, 1987

Comblin, José. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.

Souza, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

Notas:

[2] Comblin, J. Antropología Cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 23. (Colección Teología y Liberación).

[3] Comblin, J. Antropología Cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 114. (Colección Teología y Liberación).

[4] Comblin, J. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.

[5] Souza, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

Profª Drª Alzirinha Souza é leiga, doutora em Teologia pela Université catholique de Louvain, na Bélgica, mestre em Teologia pela Universidad San Dámaso (Madri, Espanha), e bacharel em Teologia pela PUC-SP. Membro da Sociedade Internacional de Teologia Prática (SITP); fundadora e colaboradora do Centro de Pesquisa de Documentação José Comblin – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Atualmente, é professora do Mestrado Profissional em Teologia Prática da PUC Minas.

]]>
46561