Artigos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 31 May 2024 00:14:40 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Artigos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Corpus Christi: outra compreensão necessária a partir dos sinais dos tempos https://observatoriodaevangelizacao.com/corpus-christi-outra-compreensao-necessaria-a-partir-dos-sinais-dos-tempos/ https://observatoriodaevangelizacao.com/corpus-christi-outra-compreensao-necessaria-a-partir-dos-sinais-dos-tempos/#respond Thu, 30 May 2024 13:50:13 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49889 [Leia mais...]]]> A Eucaristia, na experiência cristã católica, é o sacramento do Corpo de Cristo. Jesus de Nazaré, o enviado no Pai, pela luz e força do Espírito Santo, revelou-nos o Amor de Deus por nós e abriu-nos um caminho de salvação, um caminho a ser trilhado: transformados pela força da experiência do amor gratuito de Deus por nós, somos chamados a cultivar o amar, cuidar e servir. Na Eucaristia celebramos este Mistério de Amor que vem até nós e, com claridade solar, nos revela que somos filhos e filhas, amados de Deus, que somos irmãos e irmãs e que o caminho da salvação é amar como Jesus nos amou. Os cristãos batizados, que enraizaram as suas vidas em Jesus, são chamados a uma missão: serem o “Corpo de Cristo” hoje. Continuarem, portanto, a missão de Jesus. Em pequenas comunidades de fé e partilha de vida, os cristãos são chamados a ser fermento, sal e luz de outra sociedade possível e necessária. Sociedade firmada na mesa da irmandade, na prática da justiça divina, da misericórdia e da compaixão pelos sofredores, pela partilha solidária com os pobres, pela defesa da dignidade da vida de quem está excluído.

Jesus, em sua última ceia, depois de lavar os pés de seus discípulos, na véspera de sua paixão-morte-ressurreição, sintetizou, num gesto profundamente simbólico, o sentido maior que deu à sua vida: uma entrega, com fidelidade ao Projeto salvífico de Deus! Jesus fez de sua vida um serviço a Deus, concretamente como serviço ao próximo. A práxis acolhedora-libertadora de Jesus, desde os desfigurados da dignidade humana: escravizados, explorados, empobrecidos, marginalizados, encarcerados, por serem considerados impuros desprezados, doentes, sofredores. Em nome de Deus, pela força da Ruah divina, Jesus, o Filho amado, libertou da cegueira, da surdez, da paralisia, da exclusão do amor social, das garras do mal… Após a sua traição, prisão, condenação, tortura e execução na cruz, Jesus, por sua fidelidade a missão, foi ressuscitado pelo Pai. A Ressurreicão de Jesus confirma, aos olhos da nossa fé, que o Caminho aberto por Jesus, é o nosso caminho de salvação. A vida de Jesus, para a fé cristã, é sim: o nosso caminho de salvação, a verdade do Projeto de Deus e a fonte geradora de vida, de vida nova com a consciência de nossa filiação divina e de compromisso fratersororal. Como nos diz o papa Francisco, “somos todos irmãos e irmãs” (Fratelli Tutti).

 

Um pouco da história da festa de Corpus Christi

Tapete de Corpus Christi 002Tapete para a festa de Corpus Christi

A festa de Corpus Christi, tradicionalmente, teve como objetivo maior o testemunho público da fé e da devoção católica na adoração ao Corpo de Cristo presente na hóstia consagrada. Segundo antiga tradição, a festa de Corpus Christi teve origem em torno do ano de 1243, em Liège, na Bélgica, quando uma freira, Ir. Juliana de Cornion, teve visões nas quais o próprio Jesus Cristo pede que o mistério celebrado na Eucaristia tivesse maior destaque e reconhecimento público. Ela compartilha as suas experiências espirituais com aquele que, mais tarde, viria a se tornar o papa Urbano IV. Este, no ano de 1264, decide instituir esta festa litúrgica para toda a Igreja.

Procissão de Corpus ChristiProcissão de Corpus Christi

O Papa pediu, então, que Tomás de Aquino preparasse textos litúrgicos específicos para esta data. A procissão com a hóstia consagrada, como um cortejo público de ação de graças a Deus, teve início no ano de 1274. No Brasil, como em Portugal, tornou-se popular a tradição de enfeitar as ruas com lindos tapetes com imagens e símbolos religiosos. Na liturgia, a celebração de Corpus Christi inclui missa, procissão e adoração ao Santíssimo Sacramento.

Tapete para a festa de Corpus Christi Confecção dos tapetes com símbolos cristãos para a festa de Corpus Christi

Um contexto cultural de insensibilidade ecumênica e de pouca atenção à necessidade de diálogo inter-religioso favoreceu deturpações e muitos conflitos religiosos. A festa de Corpus Christi, em muitos lugares, tornou-se mais que uma celebração da liturgia cristã católica. Passou a ser encarada ou utilizada, por muitos infelizmente, como momento oportuno para explicitar, publicamente, a supremacia do catolicismo, em relação às outras igrejas cristãs, bem como às outras tradições religiosas.

 

Outra compreensão se faz necessária a partir dos sinais dos tempos

Hoje, nós cristãos somos chamados a agir na Igreja e na sociedade, com a consciência de sermos desafiados a ser o Corpo de Cristo, ou seja, a continuar a missão de Jesus em nosso contexto. Somos interpelados pela vida de Jesus, a testemunhar o amor universal de Deus e o amor fratersororal entre nós. Pelo diálogo fraterno, somos chamados a melhor cuidar da Casa comum e defender, irmanando-se nas lutas dos movimentos populares, a igual dignidade de todos os filhos e filhas amados de Deus. O amor de Deus nos irmana e nos compromete com a unidade da família de Deus: a humanidade.

Para os cristãos, não deveria haver fronteiras culturais ou religiosas para irradiar, cultivar e praticar o amor, pois, pela vida de Jesus, todo ser humano, independente de qualquer critério, é acolhido como filho e filha amado de Deus. Ser cristão, portanto, é um desafio que se faz compromisso sociopolítico, econômico, ecológico e religioso – em todas as dimensões da vida – de testemunhar-anunciar a boa notícia da universalidade, gratuidade e incondicionalidade do Amor de Deus, desde os últimos, Amor que nos transforma em cuidadores da inclusão de todos na grande mesa da irmandade e da igual dignidade dos filhos e filhas amados de Deus.

Grito dos excluídos - 2014Caminhada ecumênica de 7 de setembro – Grito dos excluídos organizado pelas Igrejas cristãs em defesa da dignidade da vida.

Aconteceram muitas mudanças culturais em nosso meio que se tornam autênticos sinais dos tempos, como nos ensinou o papa João XXIII, nos albores do Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Dentre outras, merecem destaque:

  • cresce a consciência planetária e que a humanidade compartilha uma mesma “aldeia global”;
  • cresce a percepção de dois gritos: dos pobres e da Terra. Nossos modelos de desenvolvimento e busca do progresso e da felicidade, nem inclui a todos – parcela significativa de irmãos e irmãs ficam de fora, é excluída da mesa -, nem cuida do equilibrio e do futuro da vida na Terra;
  • com as novas tecnologias de transporte e comunicação passamos a reconhecer a beleza enriquecedora do pluralismo cultural e religioso;
  • em muitos países, o Estado se tornou laico e democrático, defensor dos direitos fundamentais, entre estes o da liberdade de crença, de culto e também de convicções areligiosas;
  • em vista da paz entre os povos, nações, grupos, pessoas, cresceu a consciência da importância de desenvolvermos e cultivarmos o espírito ecumênico entre as igrejas cristãs e posturas de diálogo inter-religioso, diante, sobretudo, da conquista da legitimidade cultural da diversidade religiosa.

Tais sinais clamam por outras posturas sociopolíticas e religiosas possíveis e necessárias. A Igreja católica, há 60 anos, no Concílio Ecumênico Vaticano II, reconheceu essas mudanças culturais, legitimou e convocou os cristãos católicos, a  assumirem o movimento ecumênico com as outras igrejas cristãs e posturas dialógicas para com as outras tradições religiosas. Alguns passos já foram dados, mas ainda temos muito que aprender e caminhar.

Mutirão pela moradia para todos!Mutirão ecumênico por moradia para todos!

A festa de Corpus Christi – como todas as festas valorizadas pelo cristianismo católico, tais como Natal, Semana Santa, Páscoa, Pentecostes, festividades de Nossa Senhora e todos os santos e santas da devoção popular – é chamada a deixar-se fecundar e transformar pelos sinais dos tempos. Em toda ação evangelizadora da Igreja, por fidelidade a Jesus Cristo e a tradição apostólica, não deve conter qualquer resquício de espírito apologético agressivo ou mentalidade eclesiocêntrica ou religiocêntrica arrogante e que provoca beligerância religiosa em nome de Deus. Importa dizer não a qualquer compreensão de guerra santa!

Mutirão pelos desabrigadosMutirão pelos desabrigados promovido por iniciativa da Caritas.

A festa de Corpus Christi, balizada pelos valores do Evangelho do Reino, tem como objetivo favorecer aos fiéis oportunidades criativas de encontro com o Jesus Ressuscitado, de crescimento na vida cristã e aprofundamento da identidade cristã católica, mas sem qualquer pretensão de agredir ou diminuir outras igrejas cristãs e/ou tradições religiosas.

O fundamento bíblico deve prevalecer na ação evangelizadora: cada cristão, enquanto seguidor ou seguidora de Jesus e alguém que se alimenta da vida do Mestre do Caminho, do Verbo de Deus ressuscitado e sempre estradeiro conosco, é chamado pelo batismo a concretizar em suas ações, no contexto em que vive, a vontade de Deus. Ele se nutre da memória dos feitos de Jesus para, juntamente com seus irmãos e irmãs de fé, agir e atuar na Igreja e na sociedade, em vista do bem comum, com a consciência de ser membro vivo do Corpo de Cristo hoje.

Para refletirmos: que significa celebrar a festa de Corpus Christi no contexto em que vivemos?

Sobre o autor:

Edward  Guimarães é doutor em Ciências da Religião pela PUC Minas e mestre em Teologia pela FAJE.  Professor do Mestrado Profissional em Teologia Prática e de Cultura Religiosa da PUC Minas.
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O estudo da filosofia e da teologia https://observatoriodaevangelizacao.com/o-estudo-da-filosofia-e-da-teologia/ https://observatoriodaevangelizacao.com/o-estudo-da-filosofia-e-da-teologia/#respond Thu, 09 May 2024 22:21:34 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49879 [Leia mais...]]]> O ESTUDO DA FILOSOFIA E DA TEOLOGIA

 

Por Joaquim Jocélio de Sousa Costa [1]

Nossas sociedades estão cada vez mais envolvidas pela técnica e pela exigência de eficiência e produção. Assim, a própria produção de conhecimento está fundamentalmente ligada a uma visão pragmática do mundo. Quando se confronta uma área do conhecimento, a pergunta é: Para que serve isso? E o que se lucra com isso? Nesse sentido, conhecimentos filosóficos e teológicos são pouco valorizados. Considerados até não científicos ou, ao menos, de segunda categoria. Comecemos pela filosofia, qual seria a sua especificidade e razão de ser?

 

O estudo da filosofia

Todas as ciências trazem questionamentos cujas respostas, embora sempre parciais, geram as transformações que vemos na sociedade. As perguntas filosóficas se diferenciam das demais feitas pelas ciências empíricas, assim como se diferencia das perguntas comuns do cotidiano. As ciências podem se perguntar pela estrutura do DNA, pela fórmula química da água, pelas leis físicas que regem o universo, pela estrutura do cérebro humano, pelo modo como se organiza a sociedade. A filosofia se pergunta: O que é a vida? O que é a realidade e como ela se estrutura? O que é a mente? O que é o poder? O que é a pessoa humana? No dia a dia, podemos perguntar que horas são, se alguém está mentindo, porque aconteceu tal coisa. A filosofia se pergunta: O que é o tempo? O que é a verdade? O que é a razão? Existe a relação de causa e feito? (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 9-12).

Como podemos perceber, as perguntas filosóficas se preocupam com o fundamento último das coisas, com sua essência, é um conhecimento radical (que vai a raiz), isto é, o que as coisas são em si mesmas. Mais que filosofia, se aprende a filosofar. Filosofia não é como se costuma dizer: “aquilo com o qual ou sem o qual, tudo fica tal e qual”. Ou seja, a filosofia não é inútil. Por trás de todas as descobertas e investigações científicas, estão perguntas filosóficas que motivaram as investigações. A filosofia molda a forma de pensar e a própria elaboração teórica dos conhecimentos. A filosofia, portanto, pergunta pela essência das coisas (O QUE É); por sua estrutura e organização (O COMO É); sua causa e razão de ser (POR QUE É); mas também sua finalidade e intenção (PARA QUE É e o PARA QUEM É) (Cf. CHAUÍ, 1995, p. 13-18). Esses últimos pontos explicitam bem sua dimensão crítica, pois “a filosofia tem, portanto, além de uma função radicalizadora, uma função desmascaradora das ideias e das teorias aparentemente ‘puras’, ‘neutras’ e ‘verdadeiras’” (GONZÁLEZ, 1987, p. 31).

A filosofia trata, desse modo, da totalidade das coisas, as realidades vistas a partir do todo, a partir do seu fundamento último. Ao longo da história, algumas áreas filosóficas se destacaram, como a metafísica (o que a realidade é nela mesma?), a epistemologia (como é possível conhecer as coisas?) e a linguagem (como é possível expressar as coisas?). Estudar filosofia envolve, logicamente, recorrer aos textos e reflexões dos grandes filósofos nos diferentes contextos da história, mas sobretudo, assumir uma atitude filosófica diante do mundo. Aqui, se destaca sua importância e, poderíamos também dizer, sua praticidade; isto é, como ela ajuda em nosso dia a dia. A atitude filosófica nos leva a ir além dos conhecimentos formais e nos ajuda a perceber como o próprio conhecimento é organizado, estruturado e até instrumentalizado. Nos ajuda a perceber como nós também podemos e devemos fazer a diferença no mundo. E a abordagem da teologia, qual a sua contribuição singular?

 

O estudo da teologia

A teologia é um conhecimento que desde muito cedo esteve em profundo diálogo com a filosofia. Contudo, é preciso ter muito claro o que é específico da teologia. Ela é inteligência da fé. Ela “parte do dado da fé, por isso, pretende falar a partir de Deus, a partir da relação que ele estabelece com o ser humano… Seu ponto de partida é a experiência de fé” (CROATTO, 2001, p. 22. 23). Ou seja, o teólogo é antes de tudo uma pessoa de fé. Sua reflexão não é alheia a sua vida, mas profundamente ligada a ela; não é simplesmente falar de Deus, mas falar a partir da sua relação com Ele. A teologia pressupõe, assim, que Deus revelou seus desígnios de amor com a finalidade de salvar a humanidade, ou seja, fazê-la participar de sua vida divina. Desse modo, todas as questões humanas são tratadas a partir do olhar da fé. Por isso, “para promover a teologia no futuro, não se pode limitar-se a propor de forma abstrata fórmulas e esquemas do passado. Chamada a interpretar profeticamente o presente e a vislumbrar novos itinerários para o futuro, à luz da Revelação, a teologia terá de enfrentar profundas transformações culturais” (FRANCISCO, 2023b, n 1).

Assim, a teologia é sempre ato segundo, pois antes de tudo está a vida de fé. A teologia é uma reflexão sobre esta fé vivida e é feita dentro dela. São momentos distinguíveis, mas não separáveis. A teologia, inclusive, tem um momento chamado de pré-teológico, quando dialoga com diversos conhecimentos para melhor pensar a fé. Aqui entra seu histórico e profundo diálogo com a filosofia. Muito das elaborações doutrinais e da própria reflexão teológica bebeu e bebe de compreensões filosóficas. A teologia não é filosofia, mas a utiliza em sua reflexão sobre a fé; confronta o saber filosófico a partir dos dados da revelação; o mesmo faz com a sociologia, economia, história, direito, psicologia etc. Existem diferentes níveis de elaboração teológica, desde aquele mais complexo elaborado nas universidades (teologia profissional) até níveis mais simples como as elaborações realizada pelos pastores em homilias e formações (teologia pastoral) ou pelos demais fiéis em círculos bíblicos, novenas ou mesmo conversas mais informais (teologia popular) (Cf. BOFF, 2015, p. 597-600).

Contudo, fazer teologia não é o mais importante para o cristão, o mais fundamental é seguir a Jesus Cristo, viver como ele viveu. A teologia é um meio muito importante para isso. A fé é pensada e refletida para ser melhor vivida. Por isso, as diversas realidades cotidianas “exigem uma ‘teologia em saída’, capaz de compreender questões, muitas vezes, situadas nos confins de existências complexas, conturbadas e feridas” (FRANCISCO, 2023a). A teologia deve ser compromisso com um mundo mais justo e fraterno, sinal do Reino de Deus. As universidades, na produção da teologia profissional, devem ter muita clareza sobre isso. “Devemos sempre nos perguntar: para que serve a nossa ciência? Qual o potencial transformador do conhecimento que produzimos? O que e a quem servimos? A neutralidade é uma ilusão. Portanto, uma universidade católica deve tomar decisões, e estas devem ser um reflexo do Evangelho. Ele deve se posicionar e demonstrá-lo com suas ações de forma transparente, ‘sujando as mãos’ evangelicamente na transformação do mundo e no serviço da pessoa humana” (FRANCISCO, 2024).

A teologia é “um conhecimento transcendente e, ao mesmo tempo, atento à voz do povo, portanto, teologia ‘popular’, misericordiosamente dirigida às feridas abertas da humanidade e da criação e nas dobras da história humana, para a qual profetiza a esperança de uma realização final” (FRANCISCO, 2023b, 7). Assim, temos que ter “a coragem de adotar esta teologia que tem cheiro de ‘carne e de povo’” (FRANCISCO, 2023a). Para isso se estuda teologia, para melhor seguirmos a Jesus de Nazaré, amando como ele amou, construindo com ele o Reino.

E você, o que pensa dos estudos de filosofia e teologia?

Referências bibliográficas

BOFF, Clodovis. Teoria do Método Teológico. 6ª Ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 1995.

CROATTO, José Severino. As linguagens da experiência religiosa: Uma introdução à fenomenologia da religião. São Paulo: Paulinas, 2001. p. 22. 23.

FRANCISCO, PP. A Teologia que tem gosto de carne e de povo: Prefácio do Papa no livro “Repensar o pensamento” de dom Antonio Stagliano. Disponível em: https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-11/teologia-prefacio-papa-francisco-livro-repensar-pensamento.html, acesso em: 22.11.2023a.

FRANCISCO, PP. Discurso del Santo Padre Francisco a la Delegación e la Federación Internaciónal de las Universidades Católicas. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/es/speeches/2024/january/documents/20240119-fiuc.html, acesso em: 24.01.2024.

FRANCISCO, PP. Motu Proprio Ad theologiam promovendam. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/it/motu_proprio/documents/20231101-motu-proprio-ad-theologiam-promovendam.html, acesso em: 22.11.2023b.

GONZÁLEZ, Antonio. Introducción a la práctica de la filosofía: Texto de iniciación. San Salvador: UCA Editores, 1987.

Joaquim Jocélio de Souza Costa é graduado em filosofia e teologia pela Faculdade Católica de Fortaleza; é diácono da Diocese de Limoeiro do Norte-CE.

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Tragédia anunciada (mais uma)! Chuva demais, inteligência e responsabilidade de menos https://observatoriodaevangelizacao.com/tragedia-anunciada-mais-uma-chuva-demais-inteligencia-e-responsabilidade-de-menos/ https://observatoriodaevangelizacao.com/tragedia-anunciada-mais-uma-chuva-demais-inteligencia-e-responsabilidade-de-menos/#respond Thu, 09 May 2024 20:56:31 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49866 [Leia mais...]]]> Será que desta vez vamos aceitar que a ameaça é real? Entraremos em pânico ao perceber que o que está ruim pode piorar? O futuro será pior que o presente. O aquecimento global está apenas em seu começo. Poucos meses após a passagem de um ciclone extratropical que trouxe devastação e morte ao Rio Grande do Sul, enchentes ainda maiores estão castigando os gaúchos. 80% dos municípios devastados, milhares de desabrigados e desalojados, centenas de feridos, mortos e desaparecidos.

A tragédia é mais um sinal gravíssimo da crise ambiental. Desmatamento, mineração ilegal, queimadas, destruição dos biomas, desertificação. Enxurrada, enchentes, inundações, causando desmoronamentos, destruindo casas, matando gente e arruinando meios de subsistência. O ambiente mudou tanto que o que antes era uma possibilidade, agora é um fenômeno real.

Eventos extremos se tornaram frequentes. Embora esteja acontecendo no Sul, impacta diretamente todo o Brasil. Não são fatalidades naturais, mas um fenômeno resultante das mudanças climáticas. Há muito a ciência alerta sobre o agravamento do aquecimento global. Um crescimento econômico continuado num planeta finito e sobrecarregado só pode terminar em tragédia. Uma catástrofe ambiental é prenúncio de flagelo social: migração, desemprego, fome, doenças, pobreza.

Fingir surpresa diante dos fatos é cinismo e canalhice. O negacionismo das alterações climáticas foi fomentado por muitos anos. A falta de bom senso e o desprezo pela ciência é prenúncio de desastre. Não faltam alertas científicos! O último relatório do IPCC de 2023, após 15 anos de pesquisas realizadas por centenas de cientistas, apontou a América do Sul como área de eventos climáticos extremos, como inundações.

Em 2015, o relatório “Brasil 2040”, da Presidência da República, indicou o aumento de chuvas acentuadas no Sul em decorrência das mudanças climáticas. O documento apresentava medidas para minimizar os impactos das mudanças inevitáveis. O estudo foi arquivado. Previsões ignoradas. Essa é a quarta ocorrência de fortes chuvas em terras gaúchas em menos de um ano.

Registro da tragédia do Ciclone extratropical no Rio Grande do Sul em 2021.

Não há como negar tantas evidências científicas, mas…

Eduardo Leite (PSDB), governador desde 2018, e Sebastião Melo (MDB) prefeito de Porto Alegre desde 2020, não só desprezaram as advertências, como também destruíram o Estado, privatizaram a infraestrutura e sucatearam a secretaria de meio ambiente. A prefeitura de Porto Alegre não investiu um centavo em prevenção contra enchentes em 2023. Tudo em nome da austeridade fiscal.

O governo estadual aumentou o orçamento da defesa civil em apenas 50 mil reais, alterou 480 artigos do Código do Meio Ambiente, mudou o conceito de Área de Preservação Permanente (APP) favorecendo a intervenção do agronegócio em áreas sem autorização de órgão ambiental, retirou os artigos que versavam sobre Unidades de Conservação e sua proteção. Menos de um mês atrás, o governador sancionou uma lei que flexibiliza regras ambientais para construção de barragens em APPs.“A crise já chegou, ela não é no futuro.

 

A crise já chegou, ela não é no futuro. Não há mais como evitar os eventos extremos.

Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima.

 

A crise já chegou, ela não é no futuro. Não há mais como evitar os eventos extremos” (Suely Araújo, coordenadora do Observatório do Clima). A mudança climática é uma realidade, mas a legislação e as políticas públicas ainda são pensadas como se ela não existisse. A flexibilização da legislação ambiental pode gerar muitas outras tragédias. Tramita no Congresso um “pacote da destruição”: mais de 20 projetos de lei que fragilizam a legislação ambiental. Em meio ao desastre climático, a bancada ruralista quer reduzir reservas na Amazônia.

Catástrofes causadas pela crise climática podem ser evitadas? Quem poderá frear a ganância predatória dos poderosos que sacrificam um país inteiro em benefício próprio? É um desastre após outro. É preciso pôr fim à tamanha insanidade. “Continuaremos sonâmbulos para as catástrofes climáticas?” (António Guterres, secretário-geral da ONU).

 

Continuaremos sonâmbulos para as catástrofes climáticas?

António Guterres, secretário-geral da ONU.

 

As vidas perdidas logo serão esquecidas? Continuaremos elegendo governantes e políticos negacionistas patrocinados por empresas e seus interesses escusos? Uma hora a conta chega. A fatura chegou no Rio Grande do Sul!

Não basta maquiar mudanças na economia. Sem visão de futuro, pode ser tarde demais. A crise climática é expressão de uma crise muito maior: a crise civilizatória. São urgentes mudanças “nos estilos de vida, nos modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder que hoje regem as sociedades” (Laudato Si’, 5).

A crise climática-humanitária revela um profundo abandono dos mais pobres. Diante desse desamparo, o povo se enche de compaixão e se organiza por meio de doações e voluntariado. A ação coletiva mostra que pode fazer a diferença na reconstrução de uma sociedade. Solidariedade é essencial, mas a mobilização por justiça climática também é urgente. Não se pode enfrentar um problema tão grave apenas com medidas pontuais. Respostas emergenciais e provisórias são insuficientes.Eventos extremos como esse não podem ser tratados como imprevistos. Um problema sistêmico gerador de tragédias humano-ambientais só será realmente enfrentado com a mudança do modelo socioeconômico. Prevenir é melhor que remediar.

(Os grifos são nossos!)

Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.

Fonte: Portal FAJE

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O presbítero, homem de coração dilatado https://observatoriodaevangelizacao.com/o-presbitero-homem-de-coracao-dilatado/ Sat, 27 Apr 2024 13:54:33 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49842 [Leia mais...]]]> Segundo Matias Soares, “os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos… Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação… Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência… Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades… Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados.

Confira o provocante artigo do pe. Matias Soares que nos convida a um outro olhar para os presbíteros, a grande parcela dos ministros ordenados na Igreja Católica. O mesmo olhar pode ser feito para os bispos e diáconos, e também para pastores e pastoras das outras igrejas cristãs.

 

Arquidiocese de Fortaleza volta a celebrar caminhada penitencial; confira  data | Ceará | G1
             Registro da caminhada penitencial em Fortaleza, em 2023.

 

O presbítero, homem de coração dilatado

O papa Francisco, recentemente, num discurso feito aos participantes de um congresso realizado em Roma, sobre a formação permanente dos presbíteros, assim admoestou aos presentes:

A graça pressupõe sempre a natureza, e por isso temos necessidade duma formação humana integral. Na verdade, ser discípulo do Senhor não é um revestimento religioso, mas um estilo de vida e por conseguinte requer o cuidado da nossa humanidade. O contrário disto é o padre ‘mundano’. Quando a mundanidade entra no coração do padre, estraga-se tudo. Peço-vos para investir o melhor das vossas energias e recursos neste aspeto: o cuidado da formação humana. E também o cuidado por viver de maneira humana”.

O presbítero não pode ser alguém que tenha medo de sua humanidade. Sua história, seus afetos, anseios existenciais e sonhos de realização pessoal devem ser cuidados e ordenados por uma capacidade humana e evangélica de amar. A vocação deve estar situada numa condição humana integral e integrativa.

Os desafios que estão sendo postos à Igreja, que precisam ser enfrentados, têm sido causa de escândalo e muita tristeza, principalmente na dimensão humano-afetiva dos ministros ordenados. A atenção dada à formação humana é mais do que indispensável. É urgente. Essa dimensão da existência sacerdotal foi tratada com desconfiança por séculos. A teologia que tinha suas bases no neoplatonismo penetrou na espiritualidade cristã e, ainda mais, no ordenamento formativo dos ministros ordenados. O tratamento dado aos sacerdotes, como homens do sagrado, principalmente depois do Concílio de Trento (1545-1563), mesmo com seus avanços para a época, pouco a pouco foi sendo superado e surgindo novas necessidades e demandas de atualizações. Envolvidos pela mística da ascese e do sacrifício, como sinal da mortificação das pulsões humanas, o sacerdote do antes do Vaticano II é o homem que deve ter como marcas distintivas: a sabedoria, a saúde e a santidade. Essa integração, nem sempre foi tratada com tanta clarividência e contando com as possibilidades ofertadas pelas ciências humanas, especialmente a psicanálise. Depois de Sigmund Freud (1856-1939), Carl Gustav Jung (1875-1961) e outros mestres da psicologia do profundo, novos questionamentos surgem acerca dos dramas existentes na formação da identidade da pessoa, marcada na sua história por alegrias e tristezas. A Igreja tentará assumir caminhos novos. O humanismo integral e o personalismo serão a base antropológica do Concílio Vaticano II e, com estes, a atenção que será dada à subjetividade humana, colocando a pessoa no centro, como protagonista da própria formação.

Um novo cenário se nos é posto. Na atualidade, estamos a falar de pós-humanismo, inteligência artificial, pós-secularismo e, depois da pandemia, questões na área de doenças mentais, que colocam desafios novos à própria formação permanente dos presbíteros. A Igreja volta o seu olhar para esta urgência. Um novo humanismo pode ser elaborado. Com o neotomismo, tão em voga ainda nas proposições conciliares, a pessoa ainda era tida como realidade integral, que precisava ser integrada. Na nossa hipermodernidade, o humano é definitivamente apresentado como fragmentado e com possibilidades de ser transumanizado, buscando novas formas de ser e agir, a partir de suas subjetividades. Com a determinação de ‘ser no tempo e instantaneamente’, com a confirmação dos pressupostos heiddegerianos. Isso está visível nas novas manifestações do ‘Ser’. Esse (Dasein) é o homem contemporâneo, tão simplesmente, com suas escolhas e autodeterminações.

Nessa conjuntura do estilo de ser e estar no tempo, encontra-se a Igreja que ainda não encontrou um método equilibrado de se relacionar com essas subjetividades. Pois sempre foi aquela que, basicamente dos séculos IV ao XIX, impôs, e não propôs o modo de agir da cultura ocidental. Na formação dos futuros presbíteros e para a formação permanente dos atuais, como nos encontramos numa mudança de época e numa época de mudanças, os métodos precisam ser ressignificados e mudados. A formação, como os ensina o papa Francisco, também precisa absorver a perspectiva da ‘sinodalidade’. Com menos disciplinamento e mais autoconsciência.

Ouso a dizer que a pedra de toque desse modo de ‘ser Igreja’ é o acolhimento das diferenças, por meio da capacidade de escuta de todos. É o respeito e reconhecimento dos sujeitos que são envolvidos no processo formativo. O que é de interesse de todos deve ser participado por todos. Mais confiança que gera responsabilidade e promove a adesão consciente e personalizada do processo formativo. Basta a percepção dos sinais, que estão aí, na maioria dos que são ordenados atualmente. A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’.

 

A vida de oração está sendo substituída pelas mídias, os livros estão sendo trocados pelos smartphones e vaidades nas vestimentas, que refletem mais o anseio de autoafirmação, na maioria dos casos, a comunhão presbiteral é distorcida pelos lobbies e, ainda, a proximidade ao povo fiel de Deus, especialmente com os que estão nas periferias geográficas e existenciais, que é trocada pelas relações de conveniências. Esses sinais são fenômenos que dizem muito das motivações e problemáticas humanas dos ministros ordenados e de como as nossas estruturas formativas não estão preenchendo os hiatos existentes nos variados perfis individuais. Está faltando paixão presbiteral e missionária. Uma grande parcela está se tornando despreparada e agindo como simples ‘funcionários do sagrado’

 

O presbítero dos nossos dias, considerando estas manifestações, precisa ser um ‘homem com um coração dilatado para o amor’. E num horizonte de fé, isso só pode acontecer a partir de uma profunda experiência de Deus. Algumas indagações precisam ser respondidas pelos ambientes formativos e demais casas religiosas da Igreja, a saber:

  • Estamos formando homens e mulheres de Deus?
  • Percebemos pessoas performadas segundo o Espírito?
  • Há mais preocupação com o que é mundano nas casas de formação, do que com o que é próprio da ação missionária?
  • Existe desejo de conversão permanente, com a abertura ao que é proposto pelo Evangelho?
  • Quais as motivações que estão levando as pessoas a buscarem as nossas casas de formação?
  • Por que e para que estamos formando padres, religiosos e religiosas?
  • Os formandos e formandas, como também os que já estão ordenados e consagrados, estão inseridos, sendo sal e luz, pastores com cheiro das ovelhas, na vida e na história do povo fiel de Deus?
  • Os nossos métodos formativos estão servindo para que o discernimento evangélico e espiritual aconteça neste processo de maturidade humana e vocacional? Etc…

Os fechamentos ao que pode ser aprofundado é, talvez, a principal dificuldade que temos para avançarmos. Enquanto não nos confrontarmos com a nossa verdade, inclusive enquanto instituição, não conseguiremos falar e agir com ‘parresia’, ou seja, com coragem de encarar a verdade no encontro com nossas fragilidades internas e diferenças externas. Por isso, o fechamento em bolhas e a grande dificuldade de dialogar e agir neste mundo hipermoderno que nos desafia e desacredita constantemente. Na Igreja, ainda temos muito medo da verdade; por isso, não conseguimos ser livres. Com frequência, nos esqueçamos que só ela pode nos dar a liberdade (cf. Jo 8,32). Ou ela é endógena a vida da Igreja e, para isso, precisa ‘acontecer’ na existência de cada um de nós, ou teremos a impressão de que somos uma composição, ou uma simples instituição, na qual muitos ainda não viveram o encontro pessoal com Jesus Cristo e, desta forma, ainda não se tornaram cristãos. A seguinte afirmação do papa Bento XVI sintetiza bem essa reflexão à qual me proponho neste momento:

Nós cremos no amor de Deus — deste modo pode o cristão exprimir a opção fundamental da sua vida. ‘Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo’. No seu Evangelho, João tinha expressado este acontecimento com as palavras seguintes: ‘Deus amou de tal modo o mundo que lhe deu o seu Filho único para que todo o que n’Ele crer (…) tenha a vida eterna’” (cf. DCE 1).  

 

Papa Francisco, bispos, padres, religiosos e religiosas, leigos e leigas caminham juntos no Sínodo para a Amazônia.

 

Enfim, instigados a formar um coração dilatado ao amor, sem jaulas e correntes, verdadeiros e sinceros, ternos e misericordiosos, podemos amadurecer. O papa Francisco tem nos provocado positivamente. Para os que ainda vivem no ‘país das maravilhas’, com uma mentalidade pré-moderna e com odor de cristandade, se chega a afirmar que “este Papa não gosta dos ministros ordenados”. Penso que esta não seja a questão! Ele denuncia a mentalidade clericalista e mundana de muitos de nós, que estamos ainda protegidos pela força de uma instituição que vem sendo desafiada a repensar seu modo de ser no mundo de hoje. Numa realidade na qual todos estamos “desnudados”. Numa sociedade do cansaço e do digital (cf. Byung-Chul Han), na qual tudo é visto e todos se veem sem conhecimento profundo e personalizado. Nós estamos inseridos neste tempo e nessa história. Temos que sair das nossas casinhas e construções oníricas. Só conseguiremos ser fortes e perseverantes, como ministros ordenados e consagrados, se tivermos corações dilatados para amar e ser amados. Assim o seja!

 

Pe. Matias Soares

Pároco da paróquia de Santo Afonso Maria de Ligório, Natal-RN

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O Clericalismo que habita em nós https://observatoriodaevangelizacao.com/o-clericalismo-que-habita-em-nos/ Fri, 26 Apr 2024 18:59:30 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49838 [Leia mais...]]]>  

O CLERICALISMO QUE HABITA EM NÓS

Por Toninho Kalunga

Francisco é o primeiro Papa a tocar em um tema de fundamental importância para a sobrevivência da Igreja Católica no meio dos pobres. É a chaga do clericalismo. Este mal nasce do entendimento de uma parcela dos padres, de que a fé que eles devotam a Deus, é uma fé mais importante do que a fé das pessoas que não são padres.

O clericalismo nasceu disso. O desenvolvimento desta perspectiva de fé trouxe uma tese de uma certa hierarquia na relação com Deus. Assim, primeiro, vem o Papa, com sua infalibilidade, logo em seguida são os poderosos cardeais, seguidos dos arcebispos, bispos e finalmente a massa sacerdotal. O povo é conduzido e a estes, basta este papel!

Por outro lado, quem cuida, de fato, da fé do povo católico são os padres. Aliás, neste ponto nem há tanta contradição, pois, eles se formam em seminários, num período que vai de 8 à 12 anos, para ajudar na construção e consolidação de uma perspectiva religiosa e sua consequente fé. No decorrer do tempo, infelizmente, ao invés de servir, optaram por ser servidos. E aí é que a coisa degringolou.

Podemos verificar nas lembranças de nossa juventude, “Igrejas que não cabiam gente” de tanta gente que ia às Missas! Era o tempo da Igreja Pastoral, de uma Igreja onde seus pastores tinham “cheiro de suas ovelhas”. Entre o Concílio Vaticano II e o final dos anos 1970, os seminários formaram padres que tinham como perspectiva e sonho, servir ao povo de Deus.

No começo dos anos 1980, com o advento do papado de João Paulo II, essa proposta de Igreja Pastoral, foi perdendo seu vigor e passou a ser combatida ferozmente com incentivo papal do anticomunismo. Se houve erro no papado de João Paulo II, certamente, esse foi o maior deles, pois sua visão de mundo e histórico pessoal, dava a ele a dimensão de que a Polônia era o mundo. E não era!

A Igreja Latino Americana, não era a mesma Igreja Européia. Nem é!! Essa falta de perspectiva cultural e de dimensão social e econômica de João Paulo II, fez com que seu papado passasse a ser de enfrentamento a uma Igreja alegre e popular, uma Igreja de dimensão profética e acolhedora. Uma Igreja gigantesca na dimensão espiritual, eclesial e popular. Foi uma Igreja libertadora e feliz, vocacionada a ser sal na terra e luz no mundo. Por isso, era cheia, vigorosa, devota e encarnada na vida do povo. O resultado é que a vitória dos conservadores, está sendo a derrota de toda a Igreja.

Assim, esta nova proposta ganhou força e os seminários passaram a construir com grande esforço e incentivo do Vaticano, uma formação cada vez mais clericalista, onde a ideia do padre tutor, com pouco interesse na dimensão cotidiana do povo e apegado ao status sacerdotal. A igreja católica passou então a abrir mão do tríplice múnus, que é o múnus sacerdotal, múnus profético e múnus pastoral, para assumir e incentivar apenas o primeiro.

A partir deste momento, começou a crise das ordenações sacerdotais; Diminuindo drasticamente a quantidade de seminaristas e vocações religiosas femininas nos conventos. Jovens que buscavam servir, deixaram de ver na Igreja um atrativo, afinal, para ter poder, melhor seria ser candidato a vereador, prefeito ou deputado e não a padre ou “freira”!!

Assim, fomos apresentados ao orgulhoso Padre de Sacristia, perdendo de vez o líder pastoral. Foi quando começou a surgir a figura dos padres cantores ou o padre popstar, que juntava muita gente em Igrejas enormes e afastavam ao mesmo tempo, o mesmo povo, de suas pequenas comunidades. Esse foi o começo do fim das Comunidades Eclesiais de Base. Enquanto o povo cantava que tinha:

 “anjos voando neste lugar, no meio do povo e em cima do altar, subindo e descendo em todas as direções”, 

O povo na periferia ficava vendo lobos em pele de pastores, engolindo sua fé e arrancando suas esperanças, dizendo que a culpa pelas dificuldades que passavam era em razão de seu pecado e não em razão de um sistema econômico e social que os escravizavam.

Assim, como suspiro de esperança, nas periferias que ainda resistiam, a canção era outra: Ao perceber que lhes faltavam pastores o povo clamava:

“Falta gente pra ir ao povo Descobrir porque o povo se cala Pastores e animadores pra incentivar o teu povo a falar.  Falta luz porque não se acende Não se acende porque faltam sonhos. E falta esse jeito novo de levar luz e falar de Jesus”

Em razão da perda de contato da Igreja Católica com a realidade do povo, surgiu um vácuo, que foi ocupado por uma dimensão religiosa já existente, que se pulverizou: pastores evangélicos oriundos e envolvidos com a realidade de suas comunidades, favelas e periferias em geral levando apoio em nome de Jesus.

Ao destruírem pastorais como a Pastoral Carcerária, os pastores passaram a dar assistência às famílias dos detentos pobres e dos próprios presidiários. Ao impedir a dimensão profética de Pastorais como a Pastoral da Terra, abrimos mão do apoio aos trabalhadores rurais e deixamo-los à própria sorte, sendo estes acolhidos por pequenas comunidades evangélicas nas pequenas cidades e no campo.

O que sobrou aos católicos foi uma elite paroquiana que ao pagar o dízimo e doar um bezerro para a festa da Padroeira, tirava o senso crítico da realidade vivida pelos mais pobres, assim, não fazia diferença participar de uma Igreja onde o padre culpava os pecadores por seus pecados, e o pastor que dizia que o pecado era coisa do demônio. Assim, melhor era falar com o pastor, que ao menos lhes falava que iam sair no tapa com o belzebu!

Nenhum destes, no entanto, se interessava mais em falar sobre a esperança de uma vida melhor aqui, neste lugar. Todos só garantiam isso depois da morte. Assim, a vida vivida, era abafada e o que restava era se adaptar e deixar o tempo passar. Os que não aceitavam essa condição, construíram sua própria fé! Contudo sem formação, sem dimensão filosófica e teológica pastoral. Não demorou para que a falta destas dimensões formativas, fossem adaptadas para o campo da política conservadora e o resultado desta pulverização está aí para que todos possamos ver!

Além dos seminários, outra figura que transforma bons padres, em padres clericalistas, é a própria comunidade de leigos e leigas que exigem destes homens uma postura que muitos não gostariam de ter – nem têm – responsabilizando e exigindo destes uma postura de super humanos. Não é sem razão que existem tantas desistências e frustrações com o sonho da vida sacerdotal.

No campo progressista não é muito diferente, lamentavelmente! O que deveria ser um sopro de alívio para os padres, passa a ser também uma exigência de posicionamentos que cabem aos leigos e não aos padres. E isso também é muito frustrante.

Ao fim, o que se tem é um séquito de religiosos, que chegam numa comunidade e destroem a organização histórica Pastoral dessas comunidades e impõe o seu estilo e ponto de vista, acompanhado de um viés ideológico de extrema direita e hipócrita,  em detrimento da história daquela comunidade. Não servem. Exigem serem servidos.

Tem uma canção que gosto muito, que é bastante cantada na ceb nos atos penitenciais que diz assim:

“Quem não te aceita, quem te rejeita, pode não crer, por ver cristãos que vivem mal…”

Tenho visto cada vez mais pessoas que estão tristes com a Igreja Católica que trazem consigo características em comum: Não participam da vida comunitária, não batem um prego num sabão para ajudar na construção da reflexão e não ajudam na lida cotidiana da comunidade, mas querem espaço de liderança. Não topam estar numa turma de catequese com um grupo de 05 ou 10. Querem ser chamados para fazer palestra nos grupos x ou y, mas não estão dispostos a participar da formação na paróquia. Ou seja. Só aceitam posição de liderança ou de destaque, (igual ao padre) não querem, portanto, fazer parte da massa. O que não entendem é que se não se misturar a esta massa, jamais poderá ter de novo o prazer de se alegrar em uma comunidade.

Não é este o comportamento clericalista?? Não é essa a razão pela qual reclamamos dos Padres que não ouvem, não colocam os pés no barro, não frequentam a casa dos mais pobres?? Aí me pergunto, aos que reclamam daqueles: não estamos imitando e nos comportando da mesma forma??

Não é necessário brigar com o padre. Mas é necessário construir a comunidade junto com ele. Estar à disposição de uma comunidade de fé (E NÃO DO PADRE) significa também ter a humildade e a disposição de amadurecer a fé a partir do exemplo do lavapés e aí, sim, estar pronto para ajudar o padre. Afinal, o ensinamento Evangélico é que se não houver a permissão para que os próprios pés sejam lavados, não se compreenderá que este exemplo não é para usufruir de um serviço mas a ação diária para se fazer imitador de Cristo.

Portanto, esta reflexão não é um chamado de uma guerra contra os padres, muito menos de uma postura que queira lançar culpas a quem quer que seja, antes de mais nada é um apelo para que o clero, enquanto representantes tão privilegiados ( mas não únicos) do amor de Deus, se voltem novamente ao serviço profético de anunciadores do amor de Deus e denunciadores contra as mazelas que os poderosos infligem contra a razão maior das suas existências: os pobres.

Que todos nós, filhos e filhas de Deus e peregrinos por este mundo em busca do conforto espiritual, tenhamos a reciprocidade da acolhida de nossos pontos de vista e não da imposição do ponto de vista ideológico, travestido de teológico por parte do clero e de lideranças leigas fascistas, pois estas, destroem o amor, a fraternidade e a solidariedade entre nós!

Que nosso projeto de religiosidade tenha, na necessidade da dignidade de qualquer vida, o parâmetro da defesa da vida de todos, e que esta dignidade seja aplicada da concepção (e não apenas da concepção à Luz), indo até a morte natural como parâmetro da defesa da vida, conforme proposto pelo próprio Cristo. (João,10-10)

 

Toninho Kalunga é leigo orionita na Comunidade do Pequeno Cotolengo, Santuário São Luis Orione em Cotia e membro da Fraternidade Leiga Charles de Foucauld

Fonte: CEBs do Brasil

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Uma experiência sinodal na Igreja do Brasil https://observatoriodaevangelizacao.com/uma-experiencia-sinodal-na-igreja-do-brasil-2/ Thu, 25 Apr 2024 18:10:29 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49792 [Leia mais...]]]> Neste texto, Neuza Mafra nos apresenta “Uma experiência sinodal na Igreja do Brasil”. Trata-se do Sínodo da Diocese de Tubarão, que foi uma proposta “gestada aos poucos no Conselho Diocesano de Pastoral, amparada pelas comarcas (regiões pastorais), paróquias, comunidades e pastorais, através de consultas, sendo assumida concretamente por todos numa Assembleia Diocesana de Pastoral”, com a missão de transformar a realidade social/eclesial à luz do Concílio Vaticano II”. Não é exatamente isso que o papa Francisco vem impulsionando com o seu projeto de reforma da Igreja, de modo especial, com o Sínodo sobre a sinodalidade? 

Este é um texto da iniciativa do Serviço Teológico-Pastoral, que publica quinzenalmente em diversas mídias católicas textos opinativos que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura!

 

UMA EXPERIÊNCIA SINODAL NA IGREJA DO BRASIL

 “O caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja do Terceiro milênio!” 

Papa Francisco

Por Neuza Mafra

Capa do Documento de Trabalho do Sínodo da Diocese de Tubarão.

O papa Francisco tem afirmado que a sinodalidade é uma dimensão constitutiva na vida da Igreja. Ou seja, é da sua natureza, o “caminhar juntos” dos irmãos e irmãs que acolhem o chamado de fazer parte do Povo de Deus e participar de sua missão. Daí a necessidade de realizar “sínodos” ao longo da caminhada, através de Assembleias Eclesiais para discernir, à luz da Palavra de Deus, questões pastorais, litúrgicas, doutrinais, que expressem o “modus vivendi et operandi da Igreja povo de Deus”. Esses são momentos específicos para tratar de determinados assuntos significativos para a caminhada, para tomadas de decisões conjuntamente. Evidencia, portanto, que a prática sinodal é recorrente na caminhada histórica da Igreja, inspirada na vivência das Primeiras Comunidades Cristãs, manifestações significativas inspiradas e referenciais da vida eclesial dos primeiros séculos. Não é uma invenção do papado de Francisco. Ele apenas deseja recuperar o que o próprio Concílio Vaticano II propôs.

Na caminhada recente da Igreja do Brasil, inúmeros eventos sinalizam essa prática: as Assembleias do Povo de Deus, as Conferências Episcopais, os Sínodos Diocesanos…

Voltemos em meados dos anos de 1984-1986, na Diocese de Tubarão, sul de Santa Catarina, onde se realizou o Sínodo Diocesano de Planejamento Participativo. Ele nasceu sob as inspirações do Concílio Vaticano II (1962-1965), das Conferências de Medellín (1968), Puebla (1979) e da organização da CNBB, no contexto da busca de uma pastoral de conjunto, como resposta ao cenário que naquele momento se apresentava na esfera eclesial. Uma experiência sinodal muito significativa que pode servir de inspiração profética para o nosso tempo. Vejamos.

 

Cenário eclesial da Diocese de Tubarão

O Sínodo da Diocese de Tubarão está situado no contexto histórico, social e eclesial dos anos de 1980. Passados vinte anos do Concílio Vaticano II, discernia-se que era chegado o momento da Igreja de Tubarão alinhar-se às perspectivas do grande Concílio. Isso porque, até então, as suas propostas e definições pastorais para a Igreja haviam chegado muito pouco à Diocese de Tubarão.

Mesmo com a reforma litúrgica e a catequese renovada, e embora já houvesse uma estrutura organizativa na Diocese de Tubarão, como o Secretariado Diocesano de Pastoral, a elaboração de planos de pastoral de conjunto, uma coordenação diocesana colegiada e também muitos setores de pastoral, a atividade eclesial ainda era desenvolvida numa perspectiva ad intra, a pastoral continuava centralizada nos padres e nas paróquias, em torno da sacramentalização e da Igreja-matriz, com a “pastoral de conservação”. Os movimentos eclesiais cresciam e multiplicavam-se, e mesmo tendo vida própria e participando pouco dos espaços de comunhão da Diocese, tinham a bênção do poder central da Igreja. Há que se considerar que houve um esforço na superação dessas práticas pré-conciliares, mas os resultados eram pequenos e estavam longe de caminhar numa perspectiva mais libertadora, voltada para a opção preferencial pelos pobres e com atuação no meio popular.

Da parte dos leigos e leigas, era nítido o desejo de pertencer a uma Igreja “Povo de Deus”, toda ministerial, servidora e comprometida com a vida e com os pobres, em diálogo com o mundo e, consciente de sua dimensão histórica. Contudo, estes ainda não se compreendiam como sujeitos eclesiais.

As Comunidades Eclesiais de Base – CEBs se apresentavam como uma promessa de renovação eclesial: fomentava-se Grupos de Reflexão em torno na Palavra de Deus, como sementeiras a fazer surgir novas lideranças, organização de projetos e lutas em defesa da vida, e futuras Comunidades Eclesiais de Base. Essa imagem de uma Igreja que emerge das bases, de baixo para cima, das periferias, era o horizonte desejado pelo Sínodo de Planejamento Participativo da Diocese de Tubarão.

 

A tomada de decisão 

A proposta de um Sínodo na Diocese foi gestada aos poucos no Conselho Diocesano de Pastoral, amparada pelas comarcas (regiões pastorais), paróquias, comunidades e pastorais, através de consultas, sendo assumida concretamente por todos numa Assembleia Diocesana de Pastoral (cf.: ASDT, 1985, v. 1, f.70).

 

O lema e os objetivos do Sínodo

A consulta feita às bases resultou num acúmulo de 50 sugestões vindas de toda a Diocese que apontavam para um lema: “Igreja, Povo a caminho da libertação” (ASDT, 1985, v. 2, f.14). Como dissemos, havia a preocupação em transformar a realidade social/eclesial à luz do Concílio Vaticano II.

Para fazer isso implicava olhar, profunda e atentamente, a realidade, suscitar pessoas, nos mais diferentes ambientes e situações, que assumissem um compromisso, ou seja, multiplicar lideranças. Para isso, foram assumidos os seguintes objetivos para o Sínodo:

  • 1º Elaborar um plano de pastoral;
  • 2º Tentar adaptar a Igreja aos novos tempos;
  • 3º Dar mais voz e vez aos leigos/as na Igreja;
  • 4º Conhecer a realidade global;
  • 5º Fazer um planejamento participativo e orgânico;
  • 6º Fazer do planejar um evangelizar. (DF, 75, 1983, p.2-7).

O número de participantes no Sínodo teve um tom de legitimidade: “será uma convocação de todas as pessoas, grupos e comunidades das cinquenta e três (53) paróquias que compõem a Diocese” (ASDT, 1985, v. 1, f. 7).

 

O que o Sínodo fortaleceu

Durante seu processo, a formação para a sinodalidade fervilhava por todos os lugares. Era comum ver leigos/as participando de formações lideradas pelos padres, e também os padres participando de formações lideradas pelos leigos/as.

O processo de planejamento participativo, com a metodologia assumida no Sínodo da Diocese de Tubarão, apontava os novos caminhos para a Igreja diocesana, firmando a eclesiologia do “Povo de Deus”.

Essa prática fortaleceu as instâncias de comunhão, participação e missão que estavam no bojo de todo o processo sinodal, tais como:

  • os Conselhos de Pastoral, em todas as instâncias, com a descentralização do poder nas tomadas de decisões e encaminhamentos;
  • as Assembleias em todas as instâncias, como órgãos máximos de tomada de decisão;
  • Conselho de Leigos/as;
  • Associação dos Presbíteros;
  • Escola de Teologia para Leigos e Leigas;
  • os Cursos de Capacitação;
  • bem como, outras forças vivas.

O Sínodo constituiu-se num processo vivo e criativo de renovação. Por meio dele algumas conquistas foram reafirmadas e passos concretos foram dados. A busca por respostas novas foi marcada por momentos de tensões, de incertezas e de conflitos, o que exigiu uma conversão pessoal e pastoral. E sempre exigirá.

Entre a implementação do processo do Sínodo, a organização, a realização e o pós-sínodo, enquanto momento próprio para a sua recepção na vida e no dinamismo concreto da Igreja, há uma caminhada de muitos passos. Exige espaço e tempo de reflexão, aprofundamento, abertura e paciência histórica, conflitos e discernimento de novos desafios que se apresentam. Não podemos esquecer que a Igreja é Povo de Deus que caminha rumo a libertação. E da caminhada da Igreja, como nos ensina o Concílio, se exige dupla fidelidade: primeiro, ao Evangelho e a Tradição da Igreja, segundo, ao tempo de hoje.

Talvez esteja na hora da Diocese de Tubarão realizar um novo sínodo!

Bibliografia:

  1. Compêndio dos Documentos do Sínodo de Planejamento Participativo 1984-1986;
  2. Anotações da Tese de Doutorado de Pe. Pedro Paulo das Neves;

(Os grifos são nossos.)

Neuza Mafra é pedagoga, com pós-graduação em Doutrina Social da Igreja. Trabalha na Cáritas, faz parte da Ampliada das Comunidades Eclesiais de Base – CEBs e é colunista do Portal das CEBs.
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Igreja em saída para as periferias. Caminhar juntos na missão https://observatoriodaevangelizacao.com/igreja-em-saida-para-as-periferias-caminhar-juntos-na-missao-2/ Thu, 25 Apr 2024 14:18:18 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49783 [Leia mais...]]]>
IGREJA EM SAÍDA PARA AS PERIFERIAS. CAMINHAR JUNTOS NA MISSÃO
Por Francisco Aquino Júnior
A Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe (novembro de 2021), proposta pelo papa Francisco em resposta à solicitação de uma nova Conferência do Episcopado Latino-americano, reuniu as várias expressões e os vários organismos do Povo de Deus. Ela aconteceu no contexto do processo de escuta sinodal em preparação ao próximo sínodo dos bispos em outubro de 2023 (Por uma Igreja Sinodal: comunhão, participação, missão) e no espírito da última conferência do episcopado latino-americano em Aparecida em maio de 2007 (Discípulos e missionários de Jesus Cristo, para que nele nossos povos tenham vida). Essa dupla referência dá o tom e a perspectiva dessa Primeira Assembleia Eclesial: sinodalidade e missão. E aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. São aspectos inseparáveis que se remetem e se implicam mutuamente: a missão é de todos e deve ser assumida por todos (“caminhar justos” do povo de Deus) e a sinodalidade se dá na e em função da missão (“caminhar juntos” na missão). Nunca é demais insistir na natureza sinodal da missão (povo de Deus) e na natureza missionária da sinodalidade (missão).
Mas aqui queremos insistir nesse segundo aspecto: a natureza missionária da sinodalidade. Pode parecer algo simples e evidente, mas na prática é muito mais complexo e problemático do que possa parecer. Primeiro, porque a insistência na participação de todos na Igreja pode acabar relativizando e/ou deixando em segundo plano o “onde” e o “em que” consiste e se dá essa participação e terminar em disputa de poder que não deixa de ser mais uma expressão de clericalismo (disputa de chefia/mando). Segundo, porque a missão pode e comumente costuma ser entendida/realizada de maneira autocentrada ou autorreferencial, relativizando ou mesmo negando seu caráter de “sacramento” de salvação ou do reinado de Deus no mundo e de “serviço” aos pobres e marginalizados desse mundo (crescimento e dinamismo interno da Igreja). Basta ver em que consiste (na prática, não nos textos e documentos) os movimentos de animação missionária em nossas comunidades, paróquias e dioceses…
Não basta dizer que a Igreja é missionária. É preciso compreender bem em que consiste esta missão que não é outra senão a missão de Jesus, tal como está narrada/testemunhada nos Evangelhos: anunciar e tornar presente o reinado de Deus no mundo. Na prática, isso significa/implica socorrer os caídos, curar as feridas, consolar os aflitos e desesperados, acolher os marginalizados/excluídos e fazer comunhão de mesa com eles, afrontar costumes e leis que agridam a dignidade humana, denunciar os poderosos e opressores, viver e desencadear processos de fraternidade (amor, perdão, compaixão, serviço etc.), exercitar o poder como serviço. Numa palavra: viver na lógica do reinado de Deus: filiação divina que se concretiza no amor e na fraternidade entre todos, até com os inimigos. Toda atividade eclesial (catequese, liturgia, encontros de formação, Santas Missões Populares, visitas missionárias etc.) deve ser pensada e realizada em vista da missão fundamental da Igreja que é anunciar e tornar presente no mundo o reinado de Deus que é um reinado de fraternidade, de justiça e de paz.
Francisco não se cansa de insistir na necessidade e urgência de uma “transformação missionária da Igreja” (EG, cap. I), entendida como “saída para as periferias” geográficas, sociais e existenciais (EG, 20, 30, 46, 191). Frente a tendências autorreferenciais da Igreja, insiste sem cessar na necessidade e urgência de “saída para as periferias”. Contra todo comodismo, é preciso sair (Igreja em saída). Mas não se trata de uma saída qualquer para qualquer lugar e/ou qualquer coisa, mas de uma saída em direção à humanidade sofredora para viver a fraternidade, curar suas feridas, socorrer suas necessidades, participar de suas lutas por direitos etc. (saída para as periferias).
E essa perspectiva missionária constitui o coração da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Isso aparece claramente no tema da assembleia: Todos somos discípulos missionários em saída. E é melhor explicitado nos desafios pastorais identificados e assumidos pela assembleia. É verdade que a ordem/sequência de apresentação dos desafios (não se sabe bem o critério usado aqui) pode relativizar a até perder de vista esse horizonte da missão cristã, pondo mais ênfase na vida interna da Igreja (participação eclesial, protagonismo dos leigos) que em sua missão no mundo (saída para as periferias). É a tentação permanente à autorreferencialidade e ao clericalismo… Em todo caso, alguns dos desafios identificados e assumidos pela assembleia indicam a perspectiva e o caminho fundamentais da Igreja nesse mundo e, concretamente, em nosso tempo:
“acompanhar as vítimas das injustiças sociais e eclesiais com processos de reconhecimento e reparação”;
“promover e defender a dignidade da vida e da pessoa humana desde sua concepção até sua morte natural”; “escutar o clamor dos pobres, excluídos e descartados”;
“reafirmar e dar prioridade a uma ecologia integral em nossas comunidades, a partir dos quatro sonhos da [Exortação Apostólica] Querida Amazônia”;
“acompanhar os povos originários e afrodescendentes na defesa da vida, da terra e das culturas”.
Certamente, esses não são os únicos desafios de nosso mundo. E certamente não basta identificar os desafios: Eles precisam ser concretizados e enfrentados em cada território e/ou contexto. Precisam ser transformados em projetos pastorais. Precisam ser assumidos como missão fundamental de toda a Igreja. Mas os desafios identificados e assumidos indicam onde deve estar o coração da Igreja de Jesus e para onde ela deve caminhar, se quiser ser fiel a Jesus e seu Evangelho do reinado de Deus que consiste na manifestação do amor de Deus pela humanidade sofredora, por mais que isso seja escandaloso para os “sacerdotes e escribas”, o “filho mais velho” ou os “operários da primeira hora” que somos todos nós. Os pobres e marginalizados desse mundo são, n’Ele, juízes e senhores de nossas vidas, igrejas e teologias (Mt 25, 31-46).
Francisco Junior Aquino é presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE, membro do grupo Emaús, assessor das CEBs e das Pastorais Sociais, ele é professor de teologia da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP).
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Processos educativos para a sinodalidade https://observatoriodaevangelizacao.com/processos-educativos-para-a-sinodalidade/ Thu, 25 Apr 2024 11:03:50 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46561 [Leia mais...]]]> Neste texto, a teóloga Alzirinha Souza nos mostra a relação estreita fecunda e pedagogicamente decisiva entre sinodalidade e comunidade. Isso porque sinodalidade é “a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus” e a comunidade é “a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história… a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se reflete, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem”.

Alzirinha enfatiza que “é em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação” e “a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos aos mesmos bens (1Cor 13)”. E ao constatar que “muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje”, afirma que “é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo — logo, para a sinodalidade — que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade”.

Este é um texto da iniciativa do Serviço Teológico Pastoral, que publica em diversas mídias católicas textos opinativos que contribuam para a reflexão e a formação na caminhada de conversão sinodal da Igreja Católica impulsionada pelo papa Francisco.

Desejamos a todos e todas uma boa leitura!

Processos educativos para a sinodalidade

Em tempos de distanciamentos, secularismos, individualismos e dinâmicas de poder que já entraram em nossas comunidades eclesiais, a sinodalidade — enquanto nova forma de convivência proposta a partir do Evangelho — torna-se “o” caminho por excelência para cristãos e cristãs desejosos de constituir uma Igreja que quer ser sinal do Reino de Deus nesse processo histórico.

Por isso, não se trata apenas de “caminhar juntos”. Isso é o que vimos tentando fazer desde o princípio da Igreja. Sinodalidade é, antes, a construção comum de uma nova forma de caminhar juntos, de modo que todos tenham voz, vez e lugar na comunidade eclesial, onde as diferenças sejam superadas em favor da comum-união que se estabelece em torno da pessoa de Jesus (EG, 228).

Tal processo de retomada exige que voltemos a nos compreender como comunidade. Elemento central para o cristianismo e, em especial, para a teologia paulina (que a toma como modelo concreto de caminho de transformação humana), a reflexão sobre a comunidade deve ser a base dos processos de formação. É ela que dá à humanidade e à Igreja a possibilidade de existirem concretamente na história. Desde o Novo Testamento, elas são em si mesmas a personificação da realidade histórica, da humanidade nova (homens novos) na expressão paulina, em que se refletem, a partir do Evangelho, valores humanos que constroem e formam os que ali convivem. Por isso, desde o cristianismo primitivo, “homens novos” constituem uma realidade social, concreta, visível e palpável que vai sendo afirmada através da expressão revestir-se do homem novo (Ef 4,22-24).

Revestir-se significa entrar na comunidade cristã e adotar seu modo de viver. Dessa forma, a comunidade cristã reafirma o que é a mensagem fundamental do Novo Testamento: o homem novo não é um indivíduo nem é uma humanidade total concebida como grande corpo, em que os indivíduos seriam uma grande engrenagem. A comunidade é mais: “representa o homem novo, frente a todos os individualismos e todos os totalitarismos sociais, eclesiásticos, civis ou militares” (Comblin, 1987, p. 23)[2].. É em comunidade que se revela a verdadeira superação das relações de dominação. Elas são constituídas pela liberdade. Todos tomam a iniciativa e ninguém está obrigado a fazer a vontade do outro — o que não quer dizer uma anarquia, mas, sim, que cada um faz voluntariamente o que é bom para a comunidade. A liberdade sem serviço mútuo leva ao individualismo, e o serviço sem liberdade leva ao totalitarismo (Gal 5,13) (Comblin, 1987, p. 114)[3]. Ser livre é ser com os outros, entrar nas relações novas movidas pelo amor. Nesse sentido, não existe liberdade do homem só. O conteúdo concreto da liberdade é a relação mútua entre homens e mulheres a partir da chave do serviço mútuo (Comblin, 1974, p. 91)[4].

Essas relações são baseadas pelo ágape, que, ao contrário do amor como disposição subjetiva individual, é a alma da comunidade, pois permite estabelecer uma relação de compromisso mútuo entre pessoas, em que todos participam do bem comum. Logo, a real comunidade existe no ágape, no compromisso vivido por seus membros. Ele (o ágape) é o bem superior e permanece para sempre, cria koinonia, cria vida comum que leva à participação de todos nos mesmos bens (1Cor 13). Por isso, o papa Francisco nos pede que promovamos uma comunhão dinâmica, aberta e missionária, que estimule os organismos de participação e outras formas de diálogo pastoral com o desejo de ouvir a todos, e não apenas alguns (EG, 31).

Ora, esse processo não é dado por si mesmo. É necessário formar as pessoas para essa dinâmica, conscientizá-las da possibilidade de novas formas de ser Igreja. Estabelecer uma nova dinâmica que nasce do diálogo para nós, não é fácil. Como apresentado anteriormente, à luz do pensamento de Joseph Moingt[5], recordamos as bases históricas da formação eclesial que limitaram o aprendizado para o diálogo. E, apesar de o Concílio Ecumênico Vaticano II ter afirmado que a vida de todo cristão é sacerdotal na medida em que ele se entrega ao poder do amor (encarnado na autodoação salvífica de Jesus Cristo ao nos olharmos hoje), constatamos muitas vezes que não reaprendemos a dialogar como sujeitos eclesiais até os dias de hoje.

Por isso, é urgente desenvolver processos de educação para o diálogo — logo, para a sinodalidade — que rompam com lógicas não pertencentes ao sentido evangélico de comunidade. É preciso que esses processos incluam todos(as) em seu sentido mais lato, ou seja, tanto aqueles(as) que pretendem formar para a sinodalidade (mas que, eventualmente, não percebem que em muitas práticas não o fazem) como os que se formam para uma mudança de atitude, estabelecendo uma dinâmica global na Igreja.

Não é nossa intenção aqui propor métodos ou práticas formativas. Antes, queremos exortar a que eles sejam desenvolvidos, considerando cada contexto concreto, e implementados a partir da chave de ressignificação da comunidade em todos os espaços de nossa comunidade eclesial, desde as comunidades e paróquias até os seminários e casas de formação. A riqueza da Igreja consiste numa diversidade ampla, constituída por cada pessoa que pode contribuir para o estabelecimento de uma nova dinâmica. Isso é apreendido, exercitado e construído à medida que nos colocamos na dinâmica do Espírito que nos impulsiona às transformações de nós mesmos e de nossas realidades.

 

Referências:

Comblin, José. Antropología Cristiana. Madrid: Ediciones Paulinas, 1987

Comblin, José. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.

Souza, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

Notas:

[2] Comblin, J. Antropología Cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 23. (Colección Teología y Liberación).

[3] Comblin, J. Antropología Cristiana. Madri: Ediciones Paulinas, 1987. p. 114. (Colección Teología y Liberación).

[4] Comblin, J. Liberté et libération, concepts théologiques. Revue Concilium, n. 96, p. 85-95 (p. 91), jun. 1974.

[5] Souza, Alzirinha. Fazer a Igreja Católica se mover: a pertinência do Evangelho no mundo contemporâneo. Paralellus, Recife, v. 9, n. 22, p. 667-697 (p. 673), set./dez. 2018.

Profª Drª Alzirinha Souza é leiga, doutora em Teologia pela Université catholique de Louvain, na Bélgica, mestre em Teologia pela Universidad San Dámaso (Madri, Espanha), e bacharel em Teologia pela PUC-SP. Membro da Sociedade Internacional de Teologia Prática (SITP); fundadora e colaboradora do Centro de Pesquisa de Documentação José Comblin – Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Atualmente, é professora do Mestrado Profissional em Teologia Prática da PUC Minas.

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Diálogo intergeracional 3: Pois é, Frei Betto. Por Ruan de Oliveira Gomes https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-3-pois-e-frei-betto-por-ruan-de-oliveira-gomes/ Wed, 24 Apr 2024 15:27:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49752 [Leia mais...]]]> Queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. (…) ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser. Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construirmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso. Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Confira o artigo de Ruan de Oliveira Gomes (os grifos são nossos):

Pois é, Frei Betto.

Meus cabelos são pretos. Acho que isso já seja suficiente para uma apresentação e início de conversa.

Eu também estava no Fé e Política, ou ao menos em quase todo ele, e também me entristeci ao olhar para o lado e não me sentir representado em nenhuma mesa. Mas, não ser representado é o menor dos problemas e talvez seja somente o sintoma de um problema muito maior.

Eu sou apenas um jovem e ainda me atrevo a te responder do lado de cá das lutas populares em prol da libertação. Eu estou do mesmo lado da trincheira, mas sinto que estou mais sozinho que a sua geração.

Talvez o senhor saiba que quase não há nas nossas muitas juventudes projetos a serem abraçados, talvez alguém nos lembre o que Lyotard chamou de fim das metanarrativas e talvez alguém apressado venha dizer que esse é o motivo pelo qual você viu poucos jovens e muito cabelo branco naquele encontro e pode ser que alguém nos recorde que nossos jovens estão enveredados até o pescoço em um tradicionalismo ou reacionarismo ora comendo e bebendo a cotidianidade da vida comum, sem fazer história como nos recorda Samir Amin.

Isso tudo é verdade, mas queria alargar nossas reflexões e sim, acredito que sim, muitas das ideias da sua geração, ideias que construímos para fazer pastoral e movimentos com propostas políticas já não tocam mais nossos corações e não dizem mais nada a nossos jovens. Se não breguice e cacofonia.

Encontros dessa natureza são feitos com quem e para quem? Vejo o 12º Encontro nacional de Fé e Política como um encontro para demarcar um território, construir um caminho de organização e trazer a tona uma memória construída. Porque se ele quisesse fazer uma imersão na vida das juventudes não seria feito nesses moldes.

Se a esquerda está acuada, isto deve-se porque ela se acuou e achou suficiente estar em clubinhos dos iluminados tecnocratas que não conseguem sair de suas discussões entre pares. O movimento Fé e Política sediar seu 12º encontro num dos shoppings de Belo Horizonte é extremamente imagético e pouco acidental.

Do alto da Torre de Marfim, no símbolo do neoliberalismo, estávamos criticando o mesmo sistema enquanto muitos daqueles do encontro estavam indo embora em seus confortáveis assentos de uber e os outros que conseguiram estacionar seus automóveis pagaram em um dia o que muitos dos nossos jovens ganham em um mês.

Sim, Frei Betto, eu concordo. Se a esquerda acuou isso deve-se a ausência da coerência entre práxis e teoria.

Sim, Frei Betto. Eu também senti falta dos jovens e também me senti sozinho naquele e em muitos outros encontros (nada) populares que eu tenho participado. O fato de a esquerda “ainda ser a mesma” não me parece acidental, quando eu não vejo nenhum jovem dividindo a mesa e com a palavra falando das nossas lutas, esperanças e sonhos.

Não estamos porque não nos sentimos parte-com e esse sentimento se dá pela falta de protagonismo dado a jovens e a seus coletivos. Embora houvesse jovens em grupos temáticos, isso é marginal. Queremos mais que estar, queremos ser respeitados e ser aquilo que somos.

Parece-me que, muitos dos cabelos brancos até que querem falar com a gente, mas falar enquanto dinâmica própria dos cabelos brancos. Quer que os jovens entrem na dança e não querem entrar na dança deles

Tratar sobre juventudes não é um adereço e o senhor sabe. Seria como chamar mulher para falar sobre ser mulher e jovem para falar como é ser jovem. Não é isso, e isso é muito pouco; é ver a partir destes corpos como corre a utopia e o entusiasmo de construção de alternativas globais.

Embora tenha tido uma fala circunstancial para demarcar a presença rarefeita de jovens, eu vejo poucos deles sentados ao lado dos gigantes que nos precederam na luta. Naquele e em outros momentos, enquanto a extrema direita não somente dá esse espaço, como também o usa para chamar mais jovens para suas fileiras.

Sim, Frei Betto, respeitar a memória de vocês cabelos brancos é importante e esse respeito deveria comportar que fizéssemos e estivéssemos em muitos dos lugares que embora cerceados, são nossos. Não pedimos apenas falas circunstanciais, porque vocês também não estavam satisfeitos somente com falas circunstanciais quando os cabelos ainda não eram brancos.

Queremos falar das nossas utopias, que ainda trazem muitas das suas e dos outros cabelos brancos, mas que são as nossas e não uma extensão das gerações anteriores.

“Ainda há teólogos da libertação?” foi uma das perguntas que me fiz naquele e em muitos outros encontros que tenho participado.

Sim, Frei Betto. Nós somos poucos, mas ainda estamos aqui: as juventude libertadoras que ousam sonhar apesar e contrária a muitos, inclusive gente do nosso lado e se estamos aqui, isso se dá porque vocês nos inspiram.

Fiquei feliz de naquele encontro do Fé e Política encontrar muitos daqueles que são referências pastorais e de militância popular e queria mesmo ter contado para os meus amigos como foi interessante tudo aquilo, mas eles também não os conhecem. Já não há mais heróis a serem propagados e aqueles que se colocam para nós são tão estranhos que não os reconhecemos como referências, há um problema geracional, mas há também um problema de linguagem.

Sim, Frei Betto, ainda estamos aqui, naqueles lugares populares que muitos das gerações passadas abandonaram. Não vejo as mãos de muitos cabelos brancos sujas, embora vejo e acompanho todas as críticas de como a sujeira é de rapina. Os cabelos brancos tiveram medo de sujar e calejar suas mãos de intelectuais, mas ainda estamos aqui. Seja em cursinhos populares, em assentamentos de terra, em pastorais sociais, em movimentos e coletivos.

Queremos aprender, não de forma financeira, se é que ainda nos lembramos de Paulo Freire. Mas também, ainda que jovens podemos ensinar, ocupar e ser.

Precisamos construir juntos, rever nossas práticas, ter a coragem de abrir espaços às novas lutas e participarmos da construção do futuro. Nossos cabelos, brancos ou não, denunciam o inverno que nos acomete. Ainda estamos no inverno, mas pode ser primavera se construírmos juntos e eu com meus cabelos pretos ainda acredito nisso.

Se a juventude não sonha, a culpa [se há culpa] não é da juventude.

Ruan de Oliveira Gomes

Membro da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara e seminarista da Diocese de Luz – MG

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Diálogo intergeracional 2: Cabelos grisalhos, por Jorge Alexandre Alves https://observatoriodaevangelizacao.com/dialogo-intergeracional-2-cabelos-grisalhos-por-jorge-alexandre-alves/ Wed, 24 Apr 2024 14:34:54 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.com/?p=49742 [Leia mais...]]]> Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir. Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos. Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Confira o artigo do Jorge Alexandre Alves (os grifos são nossos):

CABELOS GRISALHOS
(em resposta a “CABELOS BRANCOS”, de Frei Betto)

Caríssimo Frei Betto,

Acabei de ler seu mais recente texto, “CABELOS BRANCOS”, que traz uma série de reflexões importantes. Seu olhar aguçado e perspicaz nos interpela sobre um fenômeno que não é exatamente novo, mas que agora salta aos nossos olhos.

Provocado pelo artigo de sua autoria, tomo a ousadia de fazer essa resposta. Quem sabe não posso também dar alguma contribuição para a questão que você nos trouxe?

Estivemos juntos algumas vezes ao longo dos últimos anos, em encontros e palestras. Tive a honra de conversar longamente contigo em um carro, a caminho do bairro de Santa Cruz, no Rio de Janeiro, quando sua biografia foi lançada em uma comunidade no extremo da periferia da outrora Cidade Maravilhosa.

Frei Betto, entendo que sua indagação a respeito do envelhecimento das ideias é provocativa. Ora, somos discípulos de um prisioneiro político executado sumariamente pelas forças de um império há 2 mil anos. Se as ideias que levaram Jesus à cruz tivessem morrido no Calvário, não estaríamos aqui, não é mesmo?

Da mesma forma, as ideias de Marx não morreram com a derrubada do Muro de Berlim. Basta vermos nas redes digitais (que não são nada sociais, diga-se) o trabalho feito por jovens como Sabrina Fernandes ou o Chavoso da USP. Olhemos para a experiência de videocasts como o Podpah… A gente sequer consegue fazer algo semelhante ou mesmo ser convidado por esse pessoal que tem canal aberto com as juventudes.

Sou exatamente três gerações mais novo que o senhor. No meio do ano completo 50 anos e meus cabelos já estão grisalhos. Arrisco-me a dizer que minha geração pegou o finalzinho daquela época áurea das Comunidades Eclesiais de Base, da Teologia da Libertação, daquela grande geração de bispos comprometidos com as causas da vida, como dizia Pedro Casaldáliga.

Na Igreja, fui testemunha ocular do ponto de virada destes tempos de esperança primaveril para o deserto frio de uma Igreja autorreferencial. Pouco a pouco foi censurando, punindo que apoiava as lutas populares e se retirando ela mesma dessas lutas. As milícias da Zona Oeste agradeceram.

O catolicismo perdeu capilaridade social no Rio de Janeiro. Eu vivo aqui desde que nasci. A cidade, tão pujante em sua cultura, sempre foi um terreno muito degradado em termos eclesiais.

A arquidiocese carioca sediou a experiência-piloto da restauração romana, do clericalismo, do reacionarismo que caracterizou o projeto da “volta à grande disciplina”, como bem advertiu o saudoso João Batista Libânio. Quarenta anos mais tarde, o que era um experimento diocesano tornou-se a regra na maior parte do Brasil.

Tendo passado pela Pastoral da Juventude nos anos 1990, minha fé libertadora e meu corpo sentiram o peso da instituição eclesial quando o nosso modo de ser Igreja Jovem naquele tempo foi perseguido e proibido. Vivi algo semelhante na minha vida profissional, ao passar mais de duas décadas na educação católica. Neste caso até mais grave porque era perpetrado por gente de discurso progressista e libertador. Ou seja, o cancelamento e o assassinato de reputação não é monopólio do neofascismo nem coisa recente criada pelo fundamentalismo cristão no Brasil. Entre nós, ele sempre esteve presente de alguma forma, talvez não fosse tão agressivo e acintoso como é hoje.

Evidentemente que essa coisa fascistóide precisa ser denunciada e combatida, mas anda difícil dizer algumas verdades incômodas em certo círculos do campo progressista. Tem sido essa a experiência que nós, professores da rede federal, temos vivido porque resolvemos entrar em greve, quando somos acusados de querer prejudicar o governo.

Nossas disputas internas, nossos expurgos e fratricídios por vezes são tão ou mais dolorosos que os ataques da extrema-direita. Será que os mais jovens já não perceberam isso e o quanto é difícil ser escutado pelos “cabeças-brancas” a ponto de preferirem simplesmente não estar?

Em um tempo marcado pelas doenças da alma, para quê adoecer onde você deveria alimentar a esperança? Tem sido melhor ficar e lutar nos territórios. Ação local para pensar global. Talvez um primeiro exercício nosso de revisão de práxis fosse escutar mais do que ter algo a dizer.

Aqui no Rio tenho sido chamado para falar em alguns lugares também. Seja na Baixada Fluminense, ou em assessorias para o CEBI ou para o Movimento Fé e Política. Não falo para milhares de pessoas como o senhor, mas em grupos menores onde tenho falado a presença raramente é jovem.

Desde antes da pandemia observo o mesmo fenômeno indicado em seu texto. Onde estão nossos jovens? Eu me refiro à turma da PJ, das Comunidades de Base, catequistas, agentes de pastoral… Mas esse não é um problema isolado do catolicismo progressista.

Semana passada, fui ver o José Dirceu que fez uma fala no auditório do Sindicato dos Bancários, no Centro do Rio. Estava bem cheio, deveria ter umas 250 pessoas. Pois bem, eu com quase 50 anos deveria ser um dos vinte mais jovens no evento. Nos sindicatos, não é diferente. Talvez a exceção seja apenas o MST.

Essa parafernália digital que nos cerca também roubou a ideia de futuro, de amanhã. Tudo é aqui e agora. O que aconteceu há meia hora pode ter ficado envelhecido e ultrapassado. Soma-se a isso mudanças no mundo do trabalho que precarizam os raros empregos formais e a condição de abandono da escola básica.

Diante dessa realidade, como sonhar com um amanhã melhor? Para muitos jovens de camada popular, o futuro inexiste. Sem futuro não há utopia. Resta matar um leão por dia para ter o que comer e o que vestir.

Vemos poucos jovens nestes eventos em que estamos presentes porque a moçada tá “no corre da vida defendendo um qualquer”, como eles dizem. Não há mais uma comunidade de fé ou um movimento social que financie essas experiências. Quem o fará em um mundo social reduzido a duas instituições – família e Estado –pelo neoliberalismo? E um detalhe: a maioria destes jovens não são católicos.

Não deveríamos pensar que estamos em uma bolha geracional formada por nós mesmos ao longo do tempo? Não estaríamos nós hermeticamente fechados em nossas verdades e metodologias a ponto de não conseguirmos mais escutar os mais novos? Queremos ceder o protagonismo às novas gerações?

Para não dizer que tudo são espinhos, vejo alguns sinais de esperanças. Aqui no Rio de Janeiro, todas as vezes que evangélicos progressistas promovem debates e encontros, há uma grande quantidade de jovens muito envolvidos com a luta por uma sociedade justa.

Os dois últimos em que estive, organizados pelo ISER, tinham esse perfil. Não valeria a pena prestar atenção no que eles – os evangélicos progressistas – estão fazendo para entender onde estamos errando?

Vale também ressaltar o bonito diálogo feito Marcelo Barros e Rose Costa com jovens muito comprometidos na organização do Encontro de Juventudes e Espiritualidades Libertadoras (ENJEL). Na preparação de seu próximo evento, uma coisa me chamou a atenção: a programação é toda feita a partir de rodas de vivência e de conversa.

Diferentes de outros formatos a que estamos acostumados, onde apenas vamos ouvir muita coisa boa, mas de forma passiva. Ao contrário, este encontro propõe uma metodologia baseada no diálogo e na escuta e, sobretudo, oferece protagonismo aos jovens, algo que ainda se resiste muito em acontecer em certos ambientes.

Precisamos sair do planalto e descer para a planície das juventudes. Ou se preferir, sair dos centros e partir para as periferias, sair do asfalto e subir os morros, entrar nas favelas onde estão os jovens com quem queremos dialogar, se de fato desejamos esse diálogo e suas consequências.

Afinal, como bem o senhor lembra, a cabeça pensa onde os pés pisam. Será que estamos pisando os mesmos terrenos das juventudes?

Frei Betto, finalmente peço que me perdoe se lhe pareço impertinente ao responder seu artigo. Não foi minha intenção. Receba como um diálogo que alguém de cabelos grisalhos dirige a alguém de cabelos brancos.

Um grande abraço,

Jorge Alexandre Alves é professor do IFRJ e do Movimento Fé e Política.

Foto: Registro do 12º Encontro Nacional de Fé e Política

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