Arquivos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com Fri, 26 Apr 2024 18:19:00 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.3 https://i0.wp.com/observatoriodaevangelizacao.com/wp-content/uploads/2024/04/cropped-logo.png?fit=32%2C32&ssl=1 Arquivos – Observatório de Evangelização https://observatoriodaevangelizacao.com 32 32 232225030 Você conhece a Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte? https://observatoriodaevangelizacao.com/voce-conhece-a-pastoral-de-rua-da-arquidiocese-de-belo-horizonte/ Fri, 26 Apr 2024 12:09:09 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=38913 [Leia mais...]]]> “Pois eu estava com fome, e me destes de comer; eu estava com sede, e me destes de beber; eu era forasteiro, e me recebestes em sua casa; estava nu e me vestistes; doente e cuidastes de mim; na prisão, e fostes visitar-me.”

Mateus 25, 35-36

“(…) a opção pelos pobres “envolve tanto à cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres, como os gestos mais simples e diários de solidariedade para com as misérias muito concretas que encontramos” (EG, 188); passa não só pelos gestos pessoais e comunitários de solidariedade, mas também pela luta pela transformação das estruturas da sociedade.”

Prof. pe. Francisco de Aquino Júnior

 

Pastoral do Povo da Rua:  uma pastoral a serviço da vida!

A Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte, criada em 1987, acontece em articulação com o Vicariato episcopal para ação social, política e ambiental – VEASPAM e com a Pastoral Nacional do Povo da Rua.

Sua missão? Ser presença libertadora e solidária junto à população em situação de rua e catadores de material reciclável, reconhecer os sinais de Deus presentes em sua história e desenvolver ações que transformem a situação de exclusão em projeto de vida para todos.

Em sua prática diária esta pastoral é comprometida com a educação para a cidadania, com a luta por direitos, contribuindo na inclusão social, promoção e respeito à dignidade de toda pessoa humana e na transformação da sociedade.

Rompendo com práticas assistencialistas e apostando no protagonismo, organização e promoção das pessoas, ao longo das últimas três décadas, a equipe da Pastoral de Rua vem incentivando e apoiando a mobilização de diferentes grupos para que conquistem seu espaço e lugar na sociedade. A organização dos catadores de material reciclável e da população em situação de rua, em torno da luta por direitos é uma das suas principais contribuições. Além disso, procura contribuir diretamente com a proposição, conquista e implementação de serviços públicos para que se tornem referência para a concretização de políticas públicas direcionadas para esse público em todo o nosso país.

 

 

O ideal humanitário de respeito às diferenças, de promoção da vida ameaçada e do protagonismo dos sujeitos de direitos orientam a ação cotidiana na relação de compromisso com a luta e organização desta população. Através de uma mística encarnada e profética, comprometida com a de defesa e promoção da vida. Enquanto uma Pastoral Social atua em articulação com a Pastoral Nacional do Povo da Rua e tem sua metodologia fundamentada nas seguintes dimensões:

  • Humana: Reconhecimento e respeito à dignidade;
  • Social: Metodologia que resgata o protagonismo, defende direitos constitucionais e promove projetos de inclusão;
  • Política: Denuncia os mecanismos de exclusão e morte e procura participar ativamente na proposição e na elaboração de políticas públicas;
  • Eclesial: Interlocução e sensibilização da Igreja com a realidade vivida nas ruas e promoção de espaço para vivência da mística cristã.

 

 

Nossos princípios estruturantes:

  1. Centralidade do reinado de Deus;
  2. Humanização da vida e das relações;
  3. Protagonismo do povo da rua e dos catadores de material reciclável;
  4. Participação na construção de projeto de sociedade: Mobilização e organização Social;
  5. Ecumenismo e diálogo inter-religioso;
  6. Construção de uma nova sociedade – civilização do bem viver e bem conviver.

 

 

Nossas diretrizes decisivas:

  1. Criar comunidades de fé e vida entre os catadores e a população em situação de rua;
  2. Fortalecer a organização e participação dos catadores e da população em situação de rua em vista à transformação social;
  3. Contribuir para elaboração e implementação de políticas públicas e exercer o controle social;
  4. Articular e sensibilizar a sociedade e a Igreja para a garantia dos direitos do povo da rua;
  5. Fortalecer a organicidade, identidade e a comunicação social da pastoral.

 

 

A Pastoral de Rua realiza suas atividades buscando promover o desenvolvimento de sociabilidades, na perspectiva de fortalecimento de vínculos interpessoais e/ou familiares que oportunizem a construção de novos projetos de vida e a superação da situação de vida nas ruas. O dinamismo de suas ações é desenvolvido a partir de metodologia participativa que torna possível reconstruir laços humanos e sociais e estruturar a luta efetiva por direitos sociais.

Atua na promoção e defesa de diretos por meio de diversas linhas de ação:

  • Humanização, cuidado e transformação:  a partir da acolhida, atendimento, rodas de conversas, oficinas, atividades diversas na Comunidade Amigos de Rua e realização de encaminhamentos sociais. Promove também formação, cultura do cuidado e vivência da mística e espiritualidade com o Povo da rua e com os agentes de pastoral;
  •  Ser presença no habitat e defesa de direitos humanos: visitas sistemáticas junto à população em situação de rua com escuta atenta e amiga, rodas de conversas, diagnóstico participativo, encaminhamentos sociais, apoio na defesa e garantia de direitos;
  • Apoio à organização e luta por moradia da população em situação de rua: por meio de apoio à “Associação de Luta por Moradia Para Todos”, à “Ocupação Anita Santos”, à “Ocupação Ir. Fortunata”, à articulação e mobilização política e, de modo especial, o acompanhamento de pessoas em processo de saída das ruas;
  • Ações articuladas: com universidades, colégios, ONG’s e da própria sociedade em geral, seja por meio da implementação de projetos, como os organizados pela extensão da PUC Minas, da Faculdade Arnaldo, mas também em parcerias com entidades e órgãos diversos de defesa de direitos, tais como a “Rede socioassistencial e políticas diversas”;
  • Mobilização social e incidência em espaços de controle social: apoio ao “Movimento Nacional do Povo da Rura – MNPR”, organização e participação no “Fórum Municipal e População de Rua”, participação no “Comitê Municipal de Assessoramento e Monitoramento da Política para as pessoas em situação de rua”, capacitação e apoio à pessoas em situação de rua para sua participação em conselhos de direitos, conferências, audiências, entre outros;
  • Apoio às iniciativas de geração de trabalho e renda: trabalho articulado com a Pastoral Nacional do Povo da Rua para o desenvolvimento do “Programa Empreendendo Vidas” que acontece a partir de grupos de Economia Solidária:  Cozinheiros de Rua, plantação, mãos seletas, operações e logística, industrianato;
  • Articulação pastoral/ eclesial: Com o Vicariato episcopal social, político e ambiental – Veaspam, da Arquidiocese de Belo Horizonte, e a Pastoral Nacional do Povo da Rua, concretizamos presença e apoio em grupos, comunidades, paróquias, foranias, regiões que atuam junto à pessoas em situação de rua.

 

Alguns resultados que celebramos:

  • Humanização da vida e das relações;
  • Protagonismo, aumento da autoestima e respeito pela própria vida e a do outro;
  • Criação de vínculos e identidades;
  • Transformação social pela conquista e garantia de direitos;
  • Conquista da cidadania;
  • Articulação e mobilização.

 

Mapa da presença da Igreja junto da população em situação de rua na arquidiocese de BH:

Atuação da Pastoral de Rua durante a pandemia:

Com o fechamento da cidade e de diversos serviços de atendimento à população em situação de rua, a equipe da Pastoral manteve atendimento diário de forma articulada com a equipe da Acolhida Solidária D. Luciano de Almeida, na sede do Vicariato episcopal social, político e ambiental. Ao longo desse período, o número de pessoas que procurou por atendimento aumentou significativamente.

Em vista de assegurar os cuidados necessários, orientações e normas sanitárias, inicialmente o acesso acontecia em pequenos grupos, mediante higienização das mãos e manutenção de distanciamento entre as pessoas, com entrega diária de lanche. Com o aumento dos casos da COVID-19 e a dificuldade de manter o distanciamento entre os atendidos definimos por suspender os atendimentos na comunidade e passamos a fazer de forma individual no espaço da Pastoral com escuta e atendimento de demandas diversas vinculadas à solicitação de informação à cerca do benefício emergencial, documentação, entre outros.

Desde o início da pandemia, a Pastoral, em conjunto com a Pastoral Nacional do Povo da Rua e Vicariato Episcopal para Ação Social, Ambiental e Político iniciou  uma nova  frente de ação  por meio da articulação e mobilização de órgãos de Defesa de direitos, serviços  públicos e entidades filantrópicas  no intuito de construir um plano de contingenciamento voltado para o atendimento à população em situação de Rua de Belo Horizonte.

Entre as quais destacamos:

  • Preparação e entregar de 4.000 refeições e lanche no primeiro final de semana de fechamento do comércio e serviços diversos (21 e 22/04/2020);
  • Criação de uma central para recebimento de doações na quadra do colégio Santo Antônio com recebimento e entrega de kits lanche, kits higiene, copos de água, cestas básicas e gêneros alimentícios diversos;
  • Articulação política junto ao legislativo, executivo, Ministério Público, entre outros;
  • Articulação de ais de 50 grupos de doação de alimentação com entrega de 115.818 marmitex.

As ações realizadas pela sociedade civil ganharam visibilidade e reconhecimento por parte de alguns grupos da iniciativa privada, como o Instituto Unibanco que em maio de 2020 iniciou contato com a equipe da Pastoral no intuito de viabilizar apoio financeiro, para fortalecer e ampliar ações desenvolvidas pela rede já articulada. Além de doações diversas de gêneros alimentícios, produtos de higiene, máscaras, água realizadas por pessoas diversas, setores da iniciativa privada e grupos diversos. O que culminou na criação de uma Frente Humanitária que ampliou e qualificou significativamente a capacidade de atendimento.

O escopo aprovado para implementação da Frente humanitária, em consonância com articulação política diversas possibilitou a estruturação e montagem de espaço físico na Serraria Souza Pinto, onde passou a funcionar o Canto da Rua Emergencial com os seguintes eixos de atendimento:

  • Direito à dignidade e saúde: Avaliação básica de saúde, orientações para cuidados e prevenção; distribuição de kits lanche na Serraria Souza Pinto; guarda volumes; banho; sanitários; lavagem e troca de roupas;
  •  Direito civil à assistência: Escuta e atendimento social; articulação e encaminhamento para rede sócio assistencial; atendimento a violações de direitos; apoio para acesso ao auxílio emergencial e aquisição de documentação;
  •  Direito à proteção, segurança e moradia: Distribuição kits inverno; hospedagem e acompanhamento a grupos de risco da população em situação de rua; distribuição de café da manhã – sábados e domingos em diversas regionais;
  • Direito ao trabalho e renda: Inclusão de trabalhadores com trajetória de rua na estrutura operacional da ação; promoção de grupos de economia solidária na estruturação; fomento do trabalho e renda nas hospedagens;
  •  Direito à informação: Registro e publicização das ações; geração de conteúdos sobre direitos da população em situação de rua; geração de conteúdos transversais às ações principais; visibilidade e interlocução institucional e gestão de chancelaria.

O atendimento no espaço da Serraria Souza Pinto iniciou em 13/06/20 com financiamento do Instituto Unibanco durante 3 meses e, posteriormente, assumido por mais três meses com aporte financeiro por parte da Secretaria Municipal de Assistência Social. O que foi possível, graças à visibilidade e importância que o espaço com todos os serviços ofertados passou a fazer no cotidiano da população em situação de rua.

Os números de atendimentos nos diversos serviços até a primeira quinzena de novembro são bastante expressivos.

  • Números de acessos na Serraria: 56.596;
  • Atendimento sócioassistencial: 8.620;
  • Atendimento de saúde: 634;
  • Ministério Público: 344;  
  • Defensoria pública: 430;
  • Centro de Defesa: 26;
  • Recivil: 383;
  • Distribuição de roupas: 8.961;
  • Lavanderia: 1.852;
  • Banhos e sanitários: 26.1280;  
  • Atendimento de Pets: 1.583,
  • Kit lanche: 79.400;
  • Distribuição de copos de água: 570.100;
  • Atendimento OdontoSesc: 824;
  • Entrega de 31.200 cafés da manhã nas diversas regionais da cidades;
  • Entrega de 1.500 kits invernos.
  • Como forma de assegurar local de proteção e cuidado, foram hospedadas 162 pessoas idosas e doentes em situação de rua.

Nesse tempo tudo foi e tem sido feito com uma intensidade inimaginável sem a força do Deus da da vida a nos impulsionar. Assim como o povo da rua, continuamos dispostas/os a prosseguirmos no caminho “(…)ameaçado de esperança, por mais que essa esperança possa ser ilutada.”  Caminhamos na teimosia dessa teia do encontro com o outro, que nos interpela como “Militantes da vida, pois vimos, viemos, sentimos, compadecemos e nos comprometemos com a luta e a labuta do povo da rua por uma vida digna com direitos assegurados”.

 

Para melhor conhecer o nosso trabalho de evangelização

Os interessados em acompanhar as atividades e participar da Pastoral da Rua pode encontrar mais informações da pastoral nos seguintes endereços eletrônicos:

 

Facebook:

www.facebook.com/Pastoral-de-Rua-BH

 

Instagram:

@pastoralderua1

 

E-mail:

pastoralrua@yahoo.com.br

 

Site da Pastoral Nacional do Povo da Rua:

https://pastoraldopovodarua.blogspot.com/

 

Endereço:

Rua Além Paraíba, 208 – CEP: 31210-120 – Lagoinha  – Belo Horizonte/ MG

Fones: (31) 3428-8366 / 3428-8002 / 988193052

  • Você gostaria de conhecer a Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte?
  • Você já pensou em fazer parte de nossa Pastoral?

 

Sandra Regina de Sousa

Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte

Claudenice Rodrigues

Pastoral de Rua da Arquidiocese de Belo Horizonte

Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães

Membro da equipe do Observatório da Evangelização

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“Dai-lhes vós mesmos de comer”: VI Jornada Mundial do Pobres https://observatoriodaevangelizacao.com/dai-lhes-vos-mesmos-de-comer-vi-jornada-mundial-do-pobres/ Sun, 13 Nov 2022 19:22:04 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46540 [Leia mais...]]]> A Igreja do Brasil, por meio da Comissão Episcopal para a Ação Sóciotransformadora da CNBB, juntamente com outras organizações, organismos e pastorais sociais, produziu um subsídio de formação para ajudar na divulgação e propiciar maior engajamento a nível nacional da VI Jornada Mundial dos Pobres (JMP). Essa Jornada é celebrada pela Igreja Católica em todo o mundo dia 13 de novembro de 2022 (XXXIII Domingo do Tempo Comum), mas no Brasil é vivenciada durante toda a semana, de 06 a 13 de novembro de 2022, com momentos de articulação, formação, celebração e gestos concretos. Em resumo, a proposta da Igreja para todos os cristãos e pessoas de boa vontade.

Dai-lhes vós mesmos de comer’

O documento faz uma motivação para a VI JMP, apresenta a mensagem do Papa Francisco, traz uma breve reflexão teológica, aprofunda um pouco a realidade da fome e busca provocar uma roda de conversa em torno desta temática. Sem dúvida alguma, este documento pode ser considerado um pré-lançamento da Campanha da Fraternidade 2023, que se debruça sobre essa dura realidade da fome em nosso país.

Dom José Valdeci, da Diocese de Brejo – MA e presidente da Comissão Episcopal para a Ação Sóciotransformadora da CNBB, ao apresentar o documento, destaca que o tema proposto pelo Papa Francisco é Jesus Cristo fez-se pobre por vós (cf. 2 Cor 8, 9). Um convite para uma profunda reflexão e ação evangélica para a solidariedade transformadora junto aos irmãos e irmãs empobrecidos/as. O chamado é para aprofundarmos a compreensão das causas das desigualdades para uma atuação engajada e profética de transformação dessas realidades.

Porém salienta que, no Brasil, “estamos motivando as pessoas de boa vontade a partir do tema: ‘Dai-lhes vós mesmos de comer’, que nos coloca como protagonistas das mudanças sociopolíticas, – essa é – nossa missão em uma conjuntura onde mais de 33 milhões de pessoas passam fome no país e por consequência são vítimas de tantas outras violações contra a dignidade humana”. Recorda ainda os 66 anos da Cáritas Brasileira e seu empenho nos gestos de solidariedade humana e social.

Dom Valdeci incentiva que, além do envolvimento das comunidades nesta VI Jornada, deseja que elas “assumam compromissos concretos de incidência política para que as políticas públicas de segurança e soberania alimentar sejam implementadas de fato no país”.

Jesus Cristo fez-se pobre por vós (cf. 2 Cor 8, 9)

Em sua mensagem para o VI Dia Mundial dos Pobres, o Papa Francisco apoia-se nas palavras de São Paulo Apóstolo aos Coríntios. Nela fundamenta o compromisso de solidariedade com os irmãos necessitados e busca ser uma ajuda para refletir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas na atualidade.

O Papa sinaliza que, passada a pandemia, pudéssemos “trazer o alívio a milhões de pessoas empobrecidas pela perda do emprego”. No entanto, “uma nova catástrofe assomou ao horizonte”: a guerra na Ucrânia, somada às guerras regionais, geram uma imensidão de empobrecidos e famintos e, tragicamente, “alguns poderosos abafam a voz da humanidade que implora a paz”.

O Papa aponta que “uma multidão de gente simples, vem juntar-se ao número já elevado de pobres”. E questiona: “Como dar uma resposta adequada que leve alívio e paz a tantas pessoas, deixadas à mercê da incerteza e da precariedade?”. Retornando a Paulo, lembra a solidariedade da comunidade de Corinto e incentiva a todos nós: “como se o tempo tivesse parado naquele momento, também nós, cada domingo, durante a celebração da Santa Missa, cumprimos o mesmo gesto, colocando em comum as nossas ofertas para que a comunidade possa prover às necessidades dos mais pobres”. E, na linha da “sinceridade do amor”, salienta a necessidade de não desanimarmos diante das dificuldades: “a solidariedade é precisamente partilhar o pouco que temos com quantos nada têm, para que ninguém sofra. Quanto mais cresce o sentido de comunidade e comunhão como estilo de vida, tanto mais se desenvolve a solidariedade”.

O Papa retoma ainda a Evangelii Gaudium: “Ninguém pode sentir-se exonerado da preocupação pelos pobres e pela justiça social” (EG 201). Ele deixa claro que não basta palavras bonitas, boas intenções ou atitudes simplesmente assistencialistas, é preciso ações concretas: “No caso dos pobres, não servem retóricas, mas arregaçar as mangas e pôr em prática a fé através dum envolvimento direto, que não pode ser delegado a ninguém.” E deixa bem claro a sobriedade no uso dos bens e da riqueza: “Nada de mais nocivo poderia acontecer a um cristão e a uma comunidade do que ser ofuscados pelo ídolo da riqueza, que acaba por acorrentar a uma visão efêmera e falha da vida”.

A pobreza de Cristo torna-nos ricos

Ele ainda faz um paralelo entre a pobreza que humilha e mata, que é a miséria causada pela injustiça, exploração e violência, imposta pela cultura do descarte e sem perspectivas de saídas e a pobreza (de Jesus) que nos torna ricos. Pois,  “a verdadeira riqueza não consiste em acumular ‘tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar’ (Mt 6, 19), mas, antes, no amor recíproco que nos faz carregar os fardos uns dos outros, para que ninguém seja abandonado ou excluído”. E assim alerta o Papa: “na realidade, os pobres, antes de ser objeto da nossa esmola, são sujeitos que ajudam a libertar-nos das armadilhas da inquietação e da superficialidade”. Ou seja: é “a pobreza de Cristo que nos torna ricos”. “A riqueza de Jesus é o seu amor, que não se fecha a ninguém, mas vai ao encontro de todos, sobretudo de quantos estão marginalizados e desprovidos do necessário”.

E assim conclui a carta: “Oxalá este VI Dia Mundial dos Pobres se torne uma oportunidade de graça, para fazermos um exame de consciência pessoal e comunitário, interrogando-nos se a pobreza de Jesus Cristo é a nossa fiel companheira de vida.”

Não desprezemos os pobres, os humildes, os operários…

Uma breve reflexão teológica, feita por Jardel Neves Lopes, enfatiza alguns pontos da Carta de Francisco para a VI JMP, ele enfatiza a sintonia da carta com o Magistério do Vaticano II, com Igreja Latino-americana e com o Francisco: “existe um vínculo indissolúvel entre a nossa fé e os pobres” (EG 48).

Destaca três tarefas presentes no apelo evangélico de Jesus: “dai-lhes vós mesmos de comer!” (Mt 14,16): 1. A cooperação para resolver as causas estruturais da pobreza e promover o desenvolvimento integral dos pobres; 2. Não basta “uma política para os pobres, mas nunca com os pobres, nunca dos pobres” (Fratelli Tutti, 169). Faz necessário “promover um desenvolvimento integral”, do qual os pobres façam parte da mudança”; 3. Os “gestos simples e diários”, de caráter assistencial são fundamentais. […] Mas, deve servir também para “refletir sobre o nosso estilo de vida e as inúmeras pobrezas da hora atual”.

E retoma a Carta do Papa com o testemunho de São Carlos Foucauld, dizendo: “não desprezemos os pobres, os humildes, os operários; são não só nossos irmãos em Deus, mas também os que mais perfeitamente imitam a Jesus na sua vida exterior. Eles apresentam-nos perfeitamente Jesus, o Operário de Nazaré”.

A fome é o prato principal de milhões de pessoas no Brasil

Além da pandemia de COVID-19, o enfraquecimento dos direitos sociais, o corte de políticas públicas, o desemprego e subempregos agravaram a fome no Brasil. A análise sobre a realidade retoma informações recentes: “De acordo com o Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), divulgado em 2021, cerca de 55,2% dos lares brasileiros vivenciavam um cenário de insegurança alimentar, um aumento de 54% em relação a 2018, quando esse percentual era de 36,7%. São 116,8 milhões de brasileiros sem acesso pleno e permanente à comida. Ainda, cerca de 19 milhões de brasileiros se encontram em situação de insegurança alimentar grave.”

Desta forma, “a fome é o prato principal de milhões de pessoas no Brasil”. E isso não é uma fatalidade, ou fruto de uma causa natural ou acidental, antes advém de interesses políticos e soma-se ao papel omisso do Estado, que “promove o enfraquecimento da democracia e os interesses corporativos em detrimento da vida”. O resultado disso é o “cenário de aprofundamento de violações sistemáticas dos direitos humanos e ambientais, a superexploração do trabalho e a perda de direitos trabalhistas e sociais. […] na promoção de políticas públicas para a superação da fome e garantia de segurança e soberania alimentar para todas as pessoas.”

Esse retrato da realidade destaca para a criação da “Frente Nacional contra a fome e a sede” e convida a população a integrar essa rede de solidariedade!

O documento termina com uma proposta de encontro celebrativo em torno do tema da VI JMP tendo momento de reflexão bíblica e partilha solidária. Vale a pena baixar o material, divulga-lo em suas redes sociais e animar as pessoas e comunidades a abraçar essa VI Jornada Mundial dos Pobres: Dai-lhes vós mesmos de comer – VI Jornada Mundial dos Pobres.

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É religioso missionário sacramentino, Mestre e Doutor em Teologia (FAJE), Licenciado em Filosofia (PUC Minas), presidente do Movimento Boa Nova (MOBON) e agente da formação de cristãos leigos e leigas.  É membro da Sociedade de Teologia e Ciências da Religião (SOTER), apoiador da Animação Bíblica da Pastoral no Regional Leste II da CNBB e colaborador voluntário do Observatório da Evangelização. 

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Lançado no Brasil “A Carta”: convite para a construção de um mundo diferente. https://observatoriodaevangelizacao.com/lancado-no-brasil-a-carta-convite-para-a-construcao-de-um-mundo-diferente/ Thu, 10 Nov 2022 12:00:01 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46476 [Leia mais...]]]> O filme A Carta é um convite profético urgente do papa Francisco a cada um de nós para que participemos juntos e de mãos dadas da construção de outro mundo possível e necessário. Confira a matéria do pe. Luis Miguel Modino, do CELAM.

O cacique Dadá Borari, do Povo indígena Maró, do Estado do Pará, dom Joel Portela, secretário da CNBB, e a Ir. Maria Irene Lopes dos Santos, secretária executiva da REPAM-Brasil, no lançamento do filme A Carta, no dia 03/10/2022. Quando falamos em preservação do Planeta, logo vem à mente das pessoas a Amazônia. A preservação da Casa comum é uma preocupação para a Igreja católica no Brasil. As igrejas particulares da região amazônica e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), através da Comissão Episcopal para a Amazônia e a Rede Eclesial Pan-amazônica, estão empenhadas neste objetivo. Nesse sentido, o lançamento em português desse filme, no dia 3 de novembro, na sede da CNBB, fez ecoar, de modo contagiante, a importância desse compromisso coletivo. Um filme que “faz parte de um grande desafio”, segundo dom Joel Portela. O Secretário Geral da CNBB insistiu em que “não é apenas um filme ecológico, não é apenas um filme social”, e sim “um convite para juntos trabalharmos incansavelmente para a construção de um mundo diferente desse que aí está diante de nós, que algumas vezes nos entristece e outras vezes também nos envergonha”. Ele fez ver a necessidade de um mundo diferente, de um mundo que não esteja marcado pela “globalização da indiferença”, denunciando “as muitas dores que marcam o mundo dos nossos dias”. Por isso, insistiu em que “diante dessas dores, nós não podemos permanecer indiferentes, na ilusão de que se não nos atingiram, não temos porque nos preocupar”, algo que “anestesia a nossa consciência e os nossos corações”

Dom Joel Portela Amado refletiu, à luz da Bíblia, sobre o sofrimento, que, quando atinge o outro, faz parte da vida de todos. Esta compaixão nasce da nossa condição de irmãos e irmãs. Por isso, o bispo fez ver que para “a construção de um mundo diferente, o mundo novo, o primeiro passo consiste na união de todos nós, de todas as dores, de todos os sonhos, de todas as causas”. Em um mundo conectado e interligado, essa é uma reflexão fundamental diante do risco, cada vez maior, de “olhar apenas para aquelas situações que mais diretamente nos afligem, esquecendo-nos de que tudo está interligado”, lembrando que esse foi o ensinamento que o papa Francisco nos deixou na Laudato Si´.

O Secretario Geral da CNBB destacou, tendo como base a Laudato Si´, a importância da ecologia integral e sua relação com a fraternidade universal. Dom Joel mostrou gratidão para quem pensou e participou do filme, mas também para quem participou do lançamento e apresentação, um filme que ele deseja que “nos ajude a despertar para o desafio que a história de hoje nos apresenta”.

Um filme que explicita a importância decisiva da Encíclica Laudato Si´, “uma Carta que é muito importante, porque traz de volta o cuidado com a casa comum”, afirmou a Ir. Maria Irene Lopes dos Santos, que leu trechos da encíclica. Apresentado por Igor Bastos, coordenador para Iberoamérica do Movimento Laudato Si´, ele ressaltou que o filme A Carta “é um fruto da Laudato Si´” contém muitas histórias de protagonistas do cuidado a Terra: indígenas, refugiados, ativistas, cientistas. Protagonistas que o papa Francisco chama no filme de “poetas sociais”. Igor insistiu que “são esses poetas que constroem a diferença, que fazem parte dessa diferença, e que estão construindo uma sociedade, um Planeta mais justo e fraterno”. Um filme que quer “ser uma ferramenta para chegar com essa mensagem da Laudato Si´ em espaços que ela ainda não chegou, mas também para reanimar os espaços que tem trabalhado cada dia para viver essa mensagem que o papa Francisco nos passa”. Um instrumento que deveria ser trabalhado nas comunidades eclesiais, nas escolas, nos diferentes espaços de atuação, para trazer “essa mensagem de urgência em um tempo tão difícil que a gente vive”.

Um dos protagonistas do filme é Dadá Borari, do Povo indígena Maró, do Estado do Pará, presente no lançamento. Alguém que disse que seu trabalho como ativista iniciou na Igreja católica, insistindo em que “o nosso pensamento para a preservação da Amazônia, ele é um pensamento coletivo, ele não é um pensamento individual”. Segundo o cacique, “a responsabilidade da floresta não é só de quem vive nela, mas de todos, que precisam da floresta”. Ele lembrou que para os povos indígenas a floresta é sua casa e a Terra é a sua mãe, afirmando que tem pessoas que pensam o contrário, mesmo sabendo que tudo o que eles estão fazendo é irregular. Pessoas que, segundo o líder indígena, pensam no lucro, enquanto os povos originários não pensam no hoje e sim no futuro da juventude, das crianças. Ele insistiu que o filme é “uma disciplina educacional para a gente trabalhar” em todos os âmbitos, algo que ele faz a cada dia de maneira voluntária com ações de prevenção, monitoramento e educação, denunciando as instituições do governo brasileiro que não estão assumindo sua responsabilidade na defesa da floresta.

Dadá Borari, com sua participação no filme e nas diferentes apresentações mundo afora, quer “levar nossa voz, que não é ouvida aqui, para a sociedade internacional”, insistindo em que a preocupação dos povos indígenas é daqui a anos.

Assista ao filme aqui:

Fonte: Adaptado de  Vatican News

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A serpente emplumada não levantou voo: discernimentos depois da Primeira Assembleia Eclesial. Uma análise de Paulo Suess. https://observatoriodaevangelizacao.com/a-serpente-emplumada-nao-levantou-voo-discernimentos-depois-da-primeira-assembleia-eclesial-com-a-palavra-o-teologo-paulo-suess/ https://observatoriodaevangelizacao.com/a-serpente-emplumada-nao-levantou-voo-discernimentos-depois-da-primeira-assembleia-eclesial-com-a-palavra-o-teologo-paulo-suess/#comments Wed, 09 Nov 2022 22:52:47 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46423 [Leia mais...]]]> Uma Assembleia Eclesial, que foi organizada exatamente para corrigir o modelo de uma conferência meramente episcopal e para melhor representar os pontos de vista e as soluções possíveis do conjunto do povo de Deus, privada do seu direito de escrever um Documento Final, onde deveriam constar os avanços necessários depois de Aparecida, contribui para o esquecimento da própria Assembleia Eclesial.  A ‘Mensagem ao Povo da América Latina e Caribe’ qualifica, apressadamente, a Assembleia como ‘uma verdadeira experiência de sinodalidade’, como se tivesse sanado e não parcialmente reproduzido os obstáculos à sinodalidade, ao clericalismo, à autorreferencialidade e ao autoritarismo“. Leia na íntegra a análise do prof. dr. Paulo Suess, referência na área da missiologia. 

Para levar a Igreja Católica do “Sínodo para a Amazônia” (2019) à “XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos” (2024), o voo fez uma escala de emergência na “Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe”, no México D.F. (2022). Nessa Assembleia, realizada de maneira híbrida, virtual, em dimensão continental, e presencial, na cidade do México, de 21 a 28 de novembro de 2021, a serpente emplumada, da mitologia mesoamericana, não acompanhou mais ou até impediu a continuidade do voo. A rica experiência da primeira evangelização do México e as discussões do “Sínodo para a Amazônia” poderiam servir para continuar os aprendizados de uma nova evangelização pós-colonial (cf. RICARD, 1968, p. 408-421; SUESS, 2013, p. 78-88; RASCHIETTI, 2022, p. 435-569). Por desconhecimento ou por opção, a Primeira Assembleia Eclesial não se serviu de nenhum dos antigos livros sagrados para tirar algumas lições do passado indígena. O paradigma da inculturação permitiria fazer sinapses com o contexto mítico, histórico e sociocultural do outro, hoje. Do saber dos povos indígenas, que desde a conquista souberam, com armas materiais e espirituais, defender a vida de suas comunidades, também os habitantes da “casa comum”, hoje ameaçada, muito podem aprender, em defesa da “causa comum”, para vida da humanidade.

Desde tempos imemoriais, na cultura mesoamericana da língua dos náhuas, uma serpente com penas de quetzal foi venerada como divindade. No período pós-clássico (900 a 1519 d.C.), o culto à serpente emplumada se concentrou em Cholula, perto de Puebla, onde a divindade foi chamada “Quetzalcóatl”, herói civilizador ou rei-sacerdote, pássaro e serpente, representando, simbolicamente, céu e terra (cf. SOUSTELLE, p. 9 et seq.; KRICKEBERG, p. 40-68). Segundo a época, seus múltiplos significados mudaram e até hoje inspiram crenças de origem e horizontes da civilização mesoamericana (cf. BONFIL BATALLA, p. 217-246). Essas origens, guardadas nas mitologias, fazem parte de conexões genéticas e epigenéticas de uma longa história que nos alcança e condiciona nas tentativas de uma evangelização contemporânea inculturada. Esquecimentos ou rupturas explícitas com esse passado não protegem das ciladas do neocolonialismo nem dos seus traumas embutidos na realidade sociocultural. Ao contrário: o esquecimento das origens é a afirmação da orfandade e facilita o neocolonialismo pela hegemonia de supostas conquistas contemporâneas e seus dogmas, os quais se sobrepõem às colonizações antigas e aos seus traumas.

Na conquista espanhola, em alguns momentos, Fernando Cortés (1485-1547), o conquistador do México, foi considerado o Quetzalcóatl redivivo ou seu enviado, enquanto, em outros, alguns elementos da tradição oral de Quetzalcóatl foram amalgamados com tradições cristãs (LAFAYE, p. 225-300). Em diferentes épocas, a invocação de Quetzalcóatl garantiu origem, legitimidade e identidade (cf. PAZ, p. 22-26). A proposta da Assembleia Eclesial não menciona essas narrativas de origem (cf. LEÓN-PORTILLA, p. 293-336). Por não se referir às raízes profundas de nenhum dos povos deste continente, distanciou-se deles e silenciou suas cicatrizes do passado. Doenças de raiz só se curam a partir da raiz, e não pelas folhas. Até hoje, ciladas do pós-colonialismo rodeiam evangelizadores desatentos.

1. O projeto “pente-fino”

O propósito dessa “Primeira Assembleia Eclesial” lembra, como antigamente, alunos de cursos superiores que não alcançavam a média prevista e eram obrigados a submeter-se a “exames de segunda época” (LEI Nº 1.029, 30.12.1949). A “Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e Caribe” tornou-se, de certa maneira, a “segunda época” ou o “pente-fino” da V Conferência Episcopal de Aparecida (2007). Foi realizada para retomar lacunas, promessas e sugestões de Aparecida que ainda não encontraram a devida atenção. A Igreja, “chamada a repensar profundamente e a relançar com fidelidade e audácia sua missão nas novas circunstâncias latino-americanas e mundiais” (DAp 11), ainda não fez o seu dever de casa, delineado na Conferência Episcopal de Aparecida. Por isso, o papa Francisco queria envolver uma base eclesial mais ampla na realização das Conclusões de Aparecida e propôs, em vez de uma VI Conferência Episcopal, realizar uma Primeira Assembleia Eclesial.

Diante da fragilidade dos resultados da Primeira Assembleia Eclesial, é oportuno fazer uma advertência: embora as conferências latino-americanas tenham sido episcopais, não se realizaram desarticuladas do conjunto do povo de Deus. A maioria dos delegados dessas conferências veio de realidades sofridas em suas dioceses. Em seu conjunto, não se tratava de elites, e, por causa disso, não servem como exemplos de um clericalismo que precisa ser erradicado. Contudo, mesmo as decisões pastorais corretas precisam da participação do povo de Deus ao qual se referem. Na “Síntese Narrativa”, que sistematizou a escuta das vozes do povo de Deus, antes da realização da “Assembleia Eclesial”, o anseio da “participação” é mais de duzentas vezes mencionado. Por conseguinte, pode-se presumir dessa assembleia uma forte vontade de maior e real participação do povo ao qual a Igreja se propõe servir.

As metas da Assembleia do México foram:

  • detectar compromissos não cumpridos, desde a Conferência de Aparecida
  • ampliar a participação do povo de Deus na definição das propostas e
  • implicitamente, dar alguns passos adiante na descolonização do projeto missionário da Igreja Católica.

Mas essa Assembleia Eclesial não deveria ser apenas o pente-fino para descobrir lacunas, renovar promessas ou retomar compromissos de Aparecida, esquecidos no decorrer dos 14 anos. Francisco propôs também uma inovação metodológica: transformar a tradição das “conferências episcopais” em “assembleias do povo de Deus”, nas quais todos os batizados seriam representados como interlocutores na preparação, na realização e no encaminhamento das decisões do respectivo evento. E se alguém dissesse: “as conferências episcopais são uma conquista já ancorada na tradição latino-americana”, teria razão. As Conferências episcopais produziram sempre seu próprio Documento Final, em contraste com os Sínodos universais ou especiais, cujos documentos finais foram escritos como “Exortação Apostólica” pelo Papa. O “Sínodo para a Amazônia” é o último exemplo disso. Seu “Documento Final”, na realidade, foi um compêndio de propostas para o Papa, que fez delas as suas escolhas na Exortação Apostólica Pós-Sinodal Querida Amazônia.

Equipe de coordenação do CELAM com o papa Francisco.

2. Sem “Documento Final

Tradições são históricas. Oito anos antes da Primeira Assembleia Eclesial (2019), na Evangelii Gaudium (2013), o papa Francisco já relativizou o recurso a tradições obsoletas: “A pastoral em chave missionária exige o abandono deste cômodo critério pastoral: ‘fez-se sempre assim’”. Ao propor a substituição de uma “VI Conferência Episcopal” por uma “Primeira Assembleia Eclesial”, Francisco certamente pensou no significado de uma maior participação do povo nessa Assembleia. Mas esse avanço teve limitantes e preço:

a) a inexperiência dos organizadores de trabalhar com o grande número de pessoas que participaram daquela Assembleia – mais de mil –, nas duas modalidades de presença física e virtual;

b) o despreparo teológico de grande parte dos próprios participantes, chamados de assembleístas que, embora “infalível ‘in credendo‘” (EG 119) e “independentemente da própria função na Igreja e do grau de instrução da sua fé, é um sujeito ativo de evangelização” (EG 120), impediu decisões de questões complexas, como a ministerialidade, mediante votações parlamentares no prazo de uma semana;

c) entre as três opções possíveis, fazer (1) um Documento Final com um número reduzido de assembleístas votantes, (2) um Documento Final, votado por todos os assembleístas, com poucas páginas e com temas em torno dos quais facilmente se constrói um amplo consenso e (3) não fazer nenhum Documento Final, encarregando “um grupo de elite” (cf. EG 113, 239), uma espécie de “comissão teológica”, para escrever uma síntese seletiva do debate.

Essa foi a opção do “Conselho Episcopal Latino-Americano” (CELAM), que decidiu, sem votação dos assembleístas, que não haveria Documento Final no evento do México, mas um texto a ser escrito por assessores. Após um ano, dia 31 de outubro de 2022, o CELAM apresentou, em Roma, esse texto como “sistematização do que foi expresso no diálogo” dos assembleístas: “Para uma Igreja sinodal em saída para as periferias – Reflexões e propostas pastorais da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe” (cf. CELAM, Apresentação). Não sendo Documento Final votado pela Assembleia nem Exortação Apostólica Pós-Sinodal escrito pelo Papa, embora sua publicação seja autorizada por Roma, o texto terá pouca autoridade e ficou sem o “cheiro das ovelhas” (EG 24), e, ao menos nesse item, aquém do Documento de Aparecida e do Documento Final do Sínodo para a Amazônia.

Uma Assembleia Eclesial, que foi organizada exatamente para corrigir o modelo de uma conferência meramente episcopal e para melhor representar os pontos de vista e as soluções possíveis do conjunto do povo de Deus, privar do seu direito de escrever um Documento Final, onde deveriam constar os avanços necessários depois de Aparecida, contribui para o esquecimento da própria Assembleia Eclesial. A “Mensagem ao Povo da América Latina e Caribe” qualifica, apressadamente, a Assembleia como “uma verdadeira experiência de sinodalidade”, como se tivesse sanado e não parcialmente reproduzido os obstáculos à sinodalidade, ao clericalismo, à autorreferencialidade e ao autoritarismo.

Por que tanta ênfase nesse “Documento Final”? As Conferências Episcopais que precederam a “Primeira Assembleia Eclesial” iniciaram seus trabalhos com a constatação da soberania da assembleia, e com a consulta aos participantes sobre a possibilidade e a qualidade de um Documento Final. Uma minoria, mais distante da realidade pastoral votou, geralmente, contra. Mas foram exatamente as Conclusões das respectivas Conferências Episcopais que representaram o magistério latino-americano, pois permitiram prolongar e aprofundar os eventos em processos frutíferos nas comunidades.

3. “Desafios pastorais” de sempre

No fim da Assembleia Eclesial percebeu-se que o CELAM substituiu a metodologia das “conferências episcopais” pela “metodologia dos sínodos”, conduzindo a Assembleia para substituir o “Documento Final” por “12 Desafios Pastorais” que foram os seguintes:

1. Reconhecer e valorizar o papel dos jovens na comunidade eclesial e na sociedade como agentes de transformação.

2. Acompanhar as vítimas das injustiças sociais e eclesiais com processos de reconhecimento e reparação.

3. Promover a participação ativa das mulheres em ministérios, órgãos governamentais, discernimento e tomada de decisões eclesiais.

4. Promover e defender a dignidade da vida e da pessoa humana desde a sua concepção até o seu fim natural.

5. Aumentar a formação da sinodalidade para erradicar o clericalismo.

6. Promover a participação dos leigos em espaços de transformação cultural, política, social e eclesial.

7. Ouvir o grito dos pobres, excluídos e descartados.

8. Reformar os itinerários formativos dos seminários, incluindo temas como ecologia integral, povos nativos, inculturação e interculturalidade e pensamento social da Igreja.

9. Renovar, à luz da Palavra de Deus e do Vaticano II, nosso conceito e experiência da Igreja do Povo de Deus, em comunhão com a riqueza de sua ministerialidade, que evita o clericalismo e favorece a conversão pastoral.

10. Reafirmar e dar prioridade a uma ecologia integral em nossas comunidades a partir dos quatro sonhos da Querida Amazônia.

11. Promover um encontro pessoal com Jesus Cristo encarnado na realidade do continente.

12. Acompanhar os povos nativos e afrodescendentes na defesa da vida, da terra e das culturas. [1]

O conjunto desses 12 desafios mostra basicamente desafios sociais contemporâneos já lamentados em outros textos. Foram excluídos, desses “12 desafios pastorais”, cobranças pastorais incisivas, apresentadas no “Documento Final do Sínodo para a Amazônia”, redigido e publicado dois anos antes, em Roma, e meio ano mais tarde, no final do “IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal”, (SANTARÉM II, 2022).

4. Conversão pastoral na experiência pascal

Em sua “Mensagem ao Povo da América Latina e Caribe”, a Assembleia Eclesial, de 2021, resgatou a “conversão pastoral” de Aparecida, onde já estava enfocada como “graça da conversão permanente” (DAp 383),

  • que “desperta a capacidade de submeter tudo ao serviço da instauração do Reino da vida” (DAp 366);
  • que vai “além de uma pastoral de mera conservação para uma pastoral decididamente missionária” (DAp 370);
  • que deve “atender às exigências do mundo de hoje” (DAp 371);
  • e na qual “os leigos devem participar do discernimento, da tomada de decisões, do planejamento e da execução” (DAp 371). A “Assembleia Eclesial” de 2021, convocada como “Assembleia do povo de Deus”, deve ser avaliada a partir da proposta dessa efetiva participação.

Sobretudo, quanto a esse último imperativo de Aparecida que propõe uma real assunção dos leigos na realização das pautas eclesiais e da inclusão de sua palavra nos discernimentos, nas decisões, no planejamento e na execução dos planos pastorais, a “Mensagem da Assembleia Eclesial” assumiu lamentações anteriores, como a “conversão missionária e sinodal” (MdAE): “Dói o grito de quem sofre por causa do clericalismo e do autoritarismo nas relações, o que leva à exclusão dos leigos, especialmente das mulheres nas instâncias de discernimento e decisão sobre a missão da Igreja, constituindo um grande obstáculo à sinodalidade” (MdAE). Essa frase da Mensagem parece corajosa, mesmo seu conteúdo já estando presente dois anos antes no Documento Final do Sínodo para a Amazônia (DFSA 99 et seq.). Faltam propostas para superar a situação lamentada. Quem vai remover a pedra? O que esperamos?

Consultou-se na preparação e durante essa Assembleia Eclesial o maior número de batizados. Já faz tempo que sabemos onde os sapatos pastorais apertam os pés dos missionários. Propostas concretas foram represadas há séculos. Ser católico, na América Latina, deixou de ser obrigatório. O catolicismo, no mundo de hoje, não é mais um fenômeno culturalmente óbvio. A separação entre religião e cultura caminhou rápido. Não adianta esperar um milagre nas trincheiras do tradicionalismo, do autoritarismo e do clericalismo. 

Ao assistir esse desajuste, quem não se lembraria do conto “Diante da lei”, do escritor tcheco Franz Kafka, que faz parte do seu romance O processo. O cenário entre o camponês e o guarda é o interior de uma Igreja. “Diante da Lei”, imaginada como uma casa fortificada, um camponês pede licença para entrar. Logo é barrado por um guarda que lhe diz que não pode autorizar sua entrada. “O homem do campo pergunta se poderá entrar mais tarde. – ‘É possível’ – diz o guarda. – ‘Mas não agora!’. […] O homem do campo não esperava tantas dificuldades. A Lei havia de ser acessível a toda a gente.”

Negar a Lei ao pobre significa negar-lhe a vida. O “agora não”, no interior da Igreja, muitas vezes significa chegar tarde para curar feridas abertas e perder um kairós. Fecharam-se portas por excesso de cuidado, perderam-se anos de graça e entregaram-se as ovelhas ao fundamentalismo de lobos. Às vezes, na Igreja, utilizamos o conceito “processo” para indicar a necessidade de um tempo prolongado para resolver uma determinada questão e nos esquecemos que esse processo, há muito tempo, já está em andamento. Na Amazônia lutou-se, na esfera civil, contra esses lobos que, com a licença dos Estados nacionais, invadiram a região; na esfera eclesial, permitiu-se que vastas regiões, por causa de um certo fundamentalismo na questão dos ministérios, ficassem praticamente desatendidas.

A “experiência eclesial interna” da Assembleia Eclesial, segundo sua Mensagem, foi “alegre”. Permanecem silenciadas as raízes das dores da história profunda, dos traumas dos sujeitos dessa Assembleia e dos destinatários dessa Mensagem, que, em apenas três páginas, cinco vezes invoca a alegria. A palavra “cruz” não aparece nenhuma vez. Não há experiência eclesial alegre sem experiência pascal e penitencial. A penitência mínima de um pedido de perdão não haveria de começar, no século XX, pelos abusos de menores no interior das Igrejas, mas a partir da conivência com as barbaridades e as políticas de assimilação toleradas ou praticadas desde o começo da chamada “conquista espiritual”. 

O caminho sinodal, no entanto, a Mensagem (MdAE) descreve corretamente, como sendo “um espaço significativo de encontro e abertura para a transformação das estruturas eclesiais e sociais”. Esse espaço pode permitir “a renovação do impulso missionário e a proximidade com os mais pobres e excluídos”. Para tal propósito haveria de ser um espaço de encontro e diálogo entre “penitência” pelo passado e “promessa” de uma nova presença eclesial no futuro. Os sinais do Reino de Deus, nesse espaço de conversão pastoral, brotam de múltiplas experiências pascais, históricas e contemporâneas. Os discípulos missionários do seu Reino, desde seu batismo, são marcados com o sinal da cruz. Não podemos desvincular a alegria da ressurreição do sofrimento na cruz. A conversão pastoral da Igreja só tem credibilidade se leva em conta e assume a experiência da cruz dos povos latino-americanos e caribenhos, à qual foram submetidos pelos Estados e pelas próprias Igrejas. Um ato penitencial é o primeiro ato que caracteriza uma verdadeira conversão sinodal e pastoral. O Documento de Aparecida menciona o Reino 60 vezes, e a “cruz”, 17 vezes. O México não assumiu essa dívida deixada por Aparecida. A Mensagem do México não fala da cruz. A articulação da alegria como sinal do Reino com a experiência pascal da Igreja permanece tarefa além da Assembleia Eclesial do México.

Cada reorientação pastoral para com os povos indígenas, cada comemoração e celebração no âmbito da Igreja deve-se iniciar com um pedido de perdão, como o papa Francisco humildemente mostrou em sua “peregrinação penitencial” ao Canadá (24-30/07/2022). Depois deve-se lembrar a contribuição indígena para uma humanidade mais fraterna, que saiba amar a criação e o Criador, e por fim, em alguns momentos de graça, falaremos da defesa dos povos indígenas protagonizada pela Igreja e a doação de vida dos seus mártires. 

5. Novos caminhos de escuta e ação

Os “novos caminhos” nos inserem em uma longa caminhada desde o Vaticano II (1962-65), Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) até Aparecida (2007). A III Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano de Puebla (1979), em sua “Mensagem aos Povos da América Latina”, já incluiu em seu pedido de perdão o que valeu para Aparecida (2007): “Reconhecemos que ainda estamos longe de viver tudo o que pregamos” (PUEBLA, Mensagem, n. 2). Os processos pastorais e os propósitos eclesiais são envolvidos em esquecimentos, travas estruturais e mentalidades, que nem sempre acompanham a evolução histórica. Na Evangelii Gaudium, o papa Francisco convida todos “a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, o estilo e os métodos evangelizadores das respectivas comunidades” (EG 33) e os propósitos de Aparecida.

Segundo a “Mensagem ao Povo da América Latina e Caribe” da Assembleia do México (MdAE) de 2022, a tarefa de “repensar e relançar” as propostas de Aparecida, “nas novas circunstâncias latino-americanas e caribenhas”, exige “novos caminhos missionários” de escuta, discernimento, decisão e ação transformadora nas periferias geográficas e existenciais, mas também nas estruturas e doutrinas conscientes de sua historicidade, nos centros eclesiais. São exatamente essas estruturas e doutrinas que, muitas vezes, estorvam a reorientação da “Igreja em saída”. Uma das inspirações para essa nova contextualização e consciência histórica que ocorreu através do evento do México, foi delineada pelo papa Francisco em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, seis anos depois de Aparecida e oito anos antes de México.

Os quatro imperativos para uma pastoral em chave missionária, que constam dessa Exortação, já foram preparados pelo Documento Final da Conferência de Aparecida (2007). Francisco, o então cardeal Bergoglio e arcebispo de Buenos Aires, era presidente da comissão de redação do texto conclusivo de Aparecida. Lembrar essa narrativa de Aparecida e transpor os conteúdos da Evangelii Gaudium à ação pastoral pós-México faz parte da correta leitura da tradição da Igreja, sempre acordada pela memória perigosa do Evangelho.

Aparecida e México, com suas temáticas abrangentes, já presentes nas “Conclusões de Puebla” [2], são ensaios para a Igreja universal na XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”, que será realizada em Roma, em duas etapas, de 4 a 29 de outubro de 2023 e em outubro de 2024. O Documento de Trabalho para a Etapa Continental: “Alarga o espaço da tua tenda” (DEC) dessa XVI Assembleia Geral foi publicado dia 27 de outubro 2022 pelo Secretaria Geral do Sínodo. Trata-se de um Documento que termina a primeira etapa com a síntese bastante realista com as vozes do povo de Deus, recolhidas em reuniões, convocações e diálogos dos continentes. Em sua metodologia, esse DEC já mostra aprendizados sinodais recíprocos entre Igreja universal e particular. Seu texto será o “quadro de referência” para o trabalho da segunda etapa, a “etapa continental”, do Sínodo 2021/2024.

Cada evento eclesial tem como parâmetro o evento anterior e a sua capacidade de relançar, com novas luzes, as propostas anteriores. A Evangelii Gaudium propõe quatro diretrizes, não só para relançar as propostas de Aparecida para América Latina e Caribe, mas também para superar a estagnação e a polarização da Igreja urbi et orbi:

(1) Escuta ampla e diálogo participativo. “Ouvir a todos” (EG 31), porque a escuta faz parte de um “processo participativo” que promove “uma comunhão dinâmica, aberta, missionária” (EG 31) e uma experiência dialogal da sinodalidade (cf. EG 246). A evangelização faz parte de um diálogo, no qual todos os batizados são mestres e alunos (cf. EG 119). A “conversão sinodal” é um pressuposto, o qual a metodologia da Assembleia Eclesial não conseguiu facilitar. Seu “horizonte de comunhão e participação”, na busca de “novos caminhos eclesiais, sobretudo, na ministerialidade e sacramentalidade da Igreja” (DFSA, 86), permanece ainda um longo caminho a percorrer.

(2) Não ao tradicionalismo. Para que desta escuta de todos possa brotar uma nova ação e conversão, é preciso abandonar o cômodo critério pastoral do “fez-se sempre assim” (EG 33). O tradicionalismo é a porta fechada contra inovações possíveis e necessárias. Do questionamento desse tradicionalismo, e não da tradição como tal que é uma asa da nossa existência histórica, depende a possibilidade de tornar o cristianismo, com o seu projeto, atual, urgente e contemporâneo.

(3) Encarnação como saída ao encontro do outro. A nova ação exige uma nova contextualização sociocultural no mundo de hoje: sair “de si próprio para o irmão”, que é a “absoluta prioridade” (EG 179) da vida cristã, é a condição para uma nova leitura e prática da encarnação. No outro “está o prolongamento permanente da Encarnação para cada um de nós” (EG 179).

(4) Concentração no essencial. A complexidade social e o pluralismo cultural exigem concentrar-nos “no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário” (EG 35). “As elaborações conceituais hão de favorecer o contato com a realidade que pretendem explicar, e não nos afastar dela” (EG 194).

As três metas, previamente anunciadas para a Assembleia do México continuam como deveres de casa:

  • lembrar compromissos não cumpridos desde Aparecida, e, por que não dizer, desde Puebla
  • promover a participação ampla do povo de Deus na definição das propostas
  • pôr em prática a nova configuração do projeto missionário pós-colonial.

Essas três metas receberam um reforço importante pelos quatro imperativos da Evangelii Gaudium: a escuta ampla e diálogo participativo, a distinção clara entre tradição e tradicionalismo, encarnação no universo do outro, e a concentração no essencial, no anúncio da Boa Nova.

6. Praedicate Evangelium

As intenções das metas da Assembleia Eclesial e dos imperativos da Evangelii Gaudium apontam para a razão de ser da Igreja, o anúncio do Evangelho com palavras, sinais e obras.

Esse anúncio exige hoje um novo estilo de vida que permita, por meio de uma nova proximidade da Igreja, viver a sua relevância em todos os ambientes. Antes de sair para qualquer reunião, conferência, assembleia ou congresso, antes de preparar qualquer texto, discurso ou catequese, antes de defender uma determinada teologia, devemos perguntar-nos sobre sua relevância para o anúncio da Boa Nova, levando em conta duas condições: a contextualização sempre nova e permanente desse anúncio e a consciência histórica para a hermenêutica correta do Evangelho, sem timidez ou medo de errar.

Na Constituição Apostólica Praedicate Evangelium (19/03/2022), o papa Francisco resume a mensagem central da Evangelii Gaudium para a Cúria Romana e seu serviço à Igreja no mundo: “A Igreja cumpre o seu mandato sobretudo quando testemunha, com palavras e obras, a misericórdia que ela mesma recebeu gratuitamente” (PE 1). O próprio Jesus deu aos seus discípulos o testemunho concreto dessa misericórdia, no gesto do lava-pés. Com “obras e gestos, a comunidade missionária entra na vida diária dos outros, encurta as distâncias, abaixa-se […], tocando a carne sofredora de Cristo no povo” (EG 24).

Como qualquer conversão e reforma eclesial, assim também “a reforma da Cúria Romana se insere no contexto da missionariedade da Igreja” (PE 3), que é um contexto de escuta e diálogo, de gratidão, perdão e paciência. O discípulo missionário “cuida do trigo e não perde a paz por causa do joio. […] A Igreja evangeliza e se evangeliza” (EG 24). Por fidelidade a Jesus Cristo e por causa de sua consciência histórica a sua conversão é permanente e sua reforma perene (cf. EG 26). A Praedicate Evangelium, a “serviço da instauração do Reino da vida” (DAp 366; MdAE), vale para todos os setores da Igreja, não só para a Cúria Romana, sendo, por isso, de profunda relevância nesse contexto de mudanças históricas, às quais a Assembleia Eclesial do México queria responder, e que gera polarizações entre “cúpula” e “base”, entre povo de Deus e pastores, que por vezes têm diferentes percepções da realidade. O anúncio da Boa Nova tem duas asas, a contextualização e a consciência histórica, ambas a serviço da verdade e de uma ação transformadora na Igreja.

6.1. Contextualização

A tarefa de situar o anúncio da Boa Nova em contextos concretos é um processo complexo, lento e plural que visa “encurtar as distâncias” (EG 24) geográficas, socioculturais e pastorais dos interlocutores. Encurtar as distâncias exige,

  • no plano organizativo e geográfico, “proceder a uma salutar descentralização” (EG 16)
  • no plano cultural, assumir a “lógica da encarnação (EG 117; 179) e os “desafios da inculturação (EG 68-70)
  • no plano pastoral, substituir a pastoral de visita por uma pastoral de presença e dar um passo além da “escuta recíproca”, em direção a uma participação do povo de Deus nas decisões que lhe dizem respeito. “Devemos dar ao nosso caminhar o ritmo salutar da proximidade, com um olhar respeitoso e cheio de compaixão” (EG 169).
6.2. Consciência histórica

Assembleias, sínodos e concílios nos ensinam a conviver com “uma realidade dinâmica” (FT 211) e a aceitar os condicionamentos históricos da verdade. Dogmas e estruturas da Igreja respondem a questionamentos de um determinado tempo histórico, que hoje possam ter perdidos a sua pertinência. A Igreja “tem necessidade de crescer na sua interpretação da Palavra revelada e na sua compreensão da verdade” (EG 40). A expressão dessa verdade nas doutrinas, nos ministérios e ritos pode ser multiforme (cf. EG 41), e resultar em discussões produtivas entre setores diferentes. Sínodos, assembleias eclesiais e concílios tomam suas decisões com maiorias, não com unanimidade. Basta ler as votações finais dos documentos do Vaticano II, para se dar conta da realidade histórica, na qual precisamos aprender a viver com consensos sofridos e plurais, que não significam unanimidade. O Espírito pode transformar as diferenças entre as pessoas e povos, que por vezes são incômodas, “em dinamismo evangelizador” (EG 131, cf. 162).

Propostas de mudanças não rompem com a unidade da Igreja, desde que não afetem a “substância” da verdade que é escatológica. É bom lembrar-nos do IV Concílio de Latrão (1215), o qual definiu que “entre o Criador e a criatura a dissemelhança é maior do que a semelhança” (DENZINGER, n. 806). Essa dissemelhança não teria também seu lugar nas diferentes falas da criatura sobre o Criador?

Três séculos mais tarde, a doutrina missionária reflete um rigorismo mais cristalizado. O pensamento de Francisco Xavier (07/04/1506-03/12/1552), que, como padroeiro das missões, representa o pensamento eclesial de sua época até o Vaticano II, pode-se resumir em poucas linhas: “O cristianismo em sua vertente católica é a única religião que salva. As religiões não cristãs dos outros são idolatria. Na religião idolátrica ninguém se salva. […]. Por causa da falta de missionários, muitas almas se perdem. O diálogo inter-religioso serve para convencer o outro dos seus erros e convertê-lo ao cristianismo” (SUESS, 2007, p. 59).

Para os neófitos do Japão, o destino dos antepassados, segundo Francisco Xavier, se tornou um grande problema. “Onde estão nossos pais e parentes falecidos?” (ibid.), perguntavam. E Francisco não tinha nenhum consolo. De Cochin, em 29 de janeiro de 1552, ele escreveu a seus companheiros da Europa: “Muitos choram os mortos e me perguntam se podem ter algum remédio por via de esmolas e orações. Eu lhes digo que nenhum remédio têm” (ZUBILLAGA, Cartas, n. 96,48). Para os japoneses, uma Boa Nova que não incluísse os antepassados, era inaceitável, na verdade era uma má notícia.

7. Caminhando para uma nova Assembleia Eclesial

Era previsível que a transformação de uma “Conferência Episcopal” em “Assembleia Eclesial”, não seria fácil. Tanto o CELAM quanto a maioria dos participantes da Assembleia Eclesial não estavam preparados para esse evento do qual participaram e não tiveram informações claras sobre as decisões que poderiam tomar ou sobre as sugestões que poderiam propor. O CELAM, a serviço das “Conferências Episcopais” latino-americanas e caribenhas, sem experiência na condução de uma Assembleia Eclesial com ampla participação do povo de Deus, e com tempo insuficiente para assimilar a essência da “conversão sinodal” (cf. DFSA, cap. V), naufragou nessa travessia. Sem colete salva-vidas, o náufrago agarrou-se em algumas pranchas e pedaços de madeira que lhe permitiram exausto, mas ainda vivo, voltar para terra firme, de onde partiu e onde a serpente emplumada o esperava.

Contudo, os embaraços experimentados por ocasião da “Primeira Assembleia Eclesial não foram em vão. Podem servir de balão de ensaio para posteriores eventos, sejam assembleias, conferências ou sínodos. O que se pode aprender com essa experiência do México, realizada para retomar reflexões, promessas e decisões de um evento anterior, com um número maior de delegados, representando o povo de Deus e não só o setor episcopal? Realmente será necessário ouvir a todos, o povo e o Papa: “Convido todos a serem ousados e criativos nesta tarefa de repensar os objetivos, as estruturas, e estilo e os métodos evangelizadores” (EG 33). Explicando a sua proposta da Assembleia Eclesial, o papa Francisco lembrou o Vaticano II (cf. Lumen Gentium 12), ponderando que “não seria apropriado pensar em um esquema de evangelização realizado por agentes qualificados enquanto o resto do povo fiel seria apenas receptor das suas ações. A nova evangelização deve implicar um novo protagonismo de cada um dos batizados” (EG 120). Também para o povo de Deus não é fácil de se emancipar da tutela pastoral.

Por conseguinte, duas tarefas pedagógicas, fora do corporativismo, aguardam o CELAM: ser menos, especificamente, episcopal para ser mais, genericamente, eclesial. A participação de um grande número de participantes não é um problema insuperável. Essa “participação” já foi praticada no início e durante o Vaticano II, quando a assembleia dos mais de dois mil padres conciliares se declarou soberana, em face aos esquemas preparados pela Cúria Romana.

Mas há também resistências internas na Igreja, doutrinárias e de mentalidade. A transformação de um Conselho Episcopal em Conselho Eclesial pode ser um avanço eclesiológico para uns, mas para outros representa o desmonte do princípio hierárquico da Igreja. Suscitar e acompanhar a comunhão eclesial e a participação de todos os batizados na condução de uma instituição eclesial exige despojamento e muita sensibilidade e vigilância na aceitação do pluralismo entre os próprios bispos e o povo de Deus (cf. EG 131; 255). Na Igreja que emerge da conversão sinodal, “cada ministro é um batizado entre os batizados” (EC 10), e cada bispo é “mestre e discípulo” (EC 5). 

Repetidas vezes, o Papa lembrou que é o Espírito que guia o povo de Deus nos processos de conversão sinodal, transforma os batizados de “ouvidores” da hierarquia e de executores de decisões tomadas por outros, em protagonistas da evangelização. “A presença do Espírito confere aos cristãos certa conaturalidade com as realidades divinas […], embora não possuam os meios adequados para expressá-las com precisão” (EG 119).

Grosso modo, os assembleístas foram conduzidos, mas não conduziram a Assembleia. Não estiveram previamente articulados para, no início da Assembleia, eleger o presidente da Assembleia e pôr em votação, se queriam um Documento Final ou não. Ainda teremos um longo caminho pela frente para pôr em prática o significado da passagem de “Conferências Episcopais” para “Assembleias Eclesiais do povo de Deus”. O evento do México mostrou, que a conversão eclesial exige além de um “novo estilo de vida” (EG 80, 168) ad intra, também uma “nova mentalidade” (EG 188; 205) ad extra. Desde que “alarguemos o espaço de nossa tenda” (cf. Is 54,2), o Sínodo de 2021/2024 nos dá uma nova oportunidade.

Notas

[1] CNBB. Conheça os 12 desafios pastorais da Igreja da América Latina e Caribe. Brasília. Texto aqui. Acesso em: 20 out. 2022. (Nota do autor)

[2] Cf. a temática do Sínodo sobre a sinodalidade (Comunhão, Participação, Missão), de 2023/2024, com as Conclusões de Puebla (1979): 3ª Parte: Comunhão e Participação; 4ª Parte: Igreja missionária, tb. n. 1304. (Nota do autor)

Siglas

CELAM – Conselho Episcopal Latino-americano

DAp – Documento de Aparecida, 2007

DEC – “Alarga o espaço da tua tenda” (Is 54,2). Documento de Trabalho para a Etapa Continental do Sínodo 2021/2024

DFSA – Documento Final do Sínodo para a Amazônia, 2019

MdAE – Mensagem da Assembleia Eclesial, México D.F., 2021

EC – Episcopalis Communio, Constituição Apostólica sobre o Sínodo dos Bispos, 2018

PE – Praedicate Evangelium, Constituição Apostólica sobre a Cúria Romana e seu serviço à Igreja no mundo, 2022

PUEBLA – Conclusões de Puebla, Mensagem aos povos da América Latina, 1979

Referências

BONFIL BATALLA, Guillermo. México profundo: una civilización negada. México: Grijalbo, 1989.

CELAM. Para uma Igreja sinodal em saída para as periferias: Reflexões e propostas pastorais a partir da Primeira Assembleia Eclesial da América Latina e o Caribe. Petrópolis: CNBB, 2022.

DENZINGER, Heinrich. Enchiridion symbolorum definitionum et declarationum de rebus fidei et morum. Freiburg i. Breisgau: Herder, 1991 (37. ed.).

KRICKEBERG, Walter. Mitos y leyendas de los Aztecas, Incas, Mayas y Muiscas. México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1971 (Düsseldorf, 1968).

LAFAYE, Jacques. Quetzalcóatl y Guadalupe: la formación de la conciencia nacional en México. México D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1977 (Paris, 1974).

LEÓN-PORTILLA, Miguel. Literaturas indígenas de México. México: Mapfre, Fondo de Cultura Económica, 1992.

PAZ, Otavio. Prefácio: In: LAFAYE, Jacques. Quetzalcóatl y Guadalupe, p. 11-29.

RASCHIETTI, Estêvão. A missão em questão: a emergência de um paradigma missionário em perspectiva decolonial. Petrópolis: Vozes, 2022.

RICARD, Robert. La conquista espiritual de México: ensayo sobre el apostolado y los métodos misioneros de las órdenes mendicantes en la Nueva España de 1523/1524 a 1572. México, D.F.: Fondo de Cultura Económica, 1986.

SANTAREM II. IV Encontro da Igreja Católica na Amazônia Legal. 50 anos do Encontro de Santarém, 1972-2022. Documento de Santarém 50 anos: gratidão e profecia. Brasília: CNBB, 2022.

SOUSTELLE, Jacques. Os astecas. São Paulo, Difel/Saber Atual, 1972.

SUESS, Paulo. Francisco Xavier: 500 anos de desafio com o diálogo inter-religioso. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 39, n. 107, jan./abr. 2007, p. 49-66.

SUESS, Paulo. Prolegômenos sobre descolonização e colonialidade da teologia na Igreja desde um olhar latino-americano. Concilium, Petrópolis, v. 350, n. 2, 2013, p. 78-88.

ZUBILLAGA, Felix. Cartas y escritos de San Francisco Javier. Madrid: Biblioteca de Autores Cristianos, 1968.

Paulo Suess é doutor em Teologia pela Universidade de Münster e bacharel em Teologia pela Universidade de Munique (LMU). Professor de Missiologia em diferentes institutos superiores, Suess foi secretário executivo e assessor teológico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), presidente da International Association for Mission Studies (IAMS) e perito do Sínodo para a Amazônia.

Fonte: IHU
*Grifos da equipe do observatório

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https://observatoriodaevangelizacao.com/a-serpente-emplumada-nao-levantou-voo-discernimentos-depois-da-primeira-assembleia-eclesial-com-a-palavra-o-teologo-paulo-suess/feed/ 2 46423
Observatório da Evangelização lança série de vídeos sobre liturgia https://observatoriodaevangelizacao.com/observatorio-da-evangelizacao-lanca-serie-de-videos-sobre-liturgia/ Tue, 08 Nov 2022 22:30:46 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46460 [Leia mais...]]]> O Observatório da Evangelização dá início à série “Caminhos Formativos”, com a produção de vídeos em seu canal no YouTube. A temporada de estreia será sobre a mais recente carta apostólica do Papa Francisco, Desiderio Desideravi. A iniciativa é uma parceria com a Oficina de Nazaré.

Esta temporada terá oito vídeos, nos quais o professor Felipe Sergio Koller, doutor em Liturgia e professor da Faculdade São Basílio Magno, de Curitiba, no Paraná, contextualiza e explica este recente documento sobre a formação litúrgica do povo de Deus.

Os novos vídeos serão divulgados todas as terças-feiras, às 18h, com início a partir de hoje. Para receber a notificação e assistir ao conteúdo com exclusividade, clique no link do canal e ative a notificação de lembrete.

Desiderio Desideravi: formação do povo de Deus

A Carta Apostólica Desiderio Desideravi foi publicada pelo Papa Francisco no dia 29 de junho, solenidade de São Pedro e São Paulo. Não se trata de uma nova instrução, ou normatização litúrgica, mas o texto busca recordar o significado profundo da celebração eucarística, a sua beleza e o seu papel no evangelizar, a partir de grandes pensadores e em plena sintonia com o espírito do Concílio Vaticano II. O documento que pode ser conhecido pelo site do Vaticano tem 65 parágrafos nos quais reafirma a importância da comunhão eclesial em torno do rito resultante da reforma liturgia pós-conciliar.

Segundo o coordenador do Observatório da Evangelização, Matheus Cedric, este recente documento ajuda a ampliar a compreensão que se tem da liturgia. “A Desiderio Desideravi reconhece na liturgia não um assunto reservado a sacristãos e coroinhas, mas o caminho por excelência da comunicação do mistério pascal, da formação do povo de Deus. Colocar-se seriamente à escuta de Francisco implica acolher o legado do movimento litúrgico e do Concílio Vaticano II e devolver à evangelização a sua linguagem originária: a linguagem simbólico-ritual da liturgia, com a sua poesia e a sua concretude”, afirmou.

Caminhos formativos

Cedric destaca que uma das missões do Observatório da Evangelização é explicitar e dar a conhecer o magistério e as orientações eclesiais pastorais do papa Francisco, da Conferência Episcopal Latino-Americana e caribenha (CELAM), da Conferência Episcopal dos Bispos do Brasil (CNBB) e da Arquidiocese de Belo Horizonte.

“Achamos, por isso, que seria interessante usar a linguagem do audiovisual para atingir esse objetivo. Este é um formato dinâmico, ao qual as pessoas estão amplamente familiarizadas e que pode favorecer a formação do povo de Deus. Além disso, na dinâmica do dia-a-dia, nem sempre as pessoas conseguem ler por completo todos os documentos que a Igreja publica e com essa iniciativa o magistério torna-se mais acessível.”

A série Caminhos Formativos pretende ser uma ação permanente do Observatório e a continuidade já está sendo planejada. “O segundo documento que abordaremos, possivelmente já no início do ano que vem, será o das Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja do Brasil 2019-2023. Estas diretrizes, a princípio, seriam reformuladas no ano que vem, mas devido ao processo sinodal que a Igreja vem atravessando, a CNBB decidiu prorrogá-las até o final de 2025. Por isso, achamos por bem retoma-las e propor este aprofundamento, também à luz das escutas sinodais que tem sido feitas em vários âmbitos eclesiais”, comentou o coordenador.

Fonte: Via Humanitatis

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Que mundo queremos? Ensinamentos de Francisco. https://observatoriodaevangelizacao.com/qual-mundo-queremos-ensinamentos-de-francisco/ Sat, 05 Nov 2022 13:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46399 [Leia mais...]]]> Estamos vivenciando um momento crucial no Ocidente. Apesar de tentativas totalitárias e ditatoriais do século XX, a democracia prevaleceu. Nesse período, diversos direitos e avanços sociais foram notados (direitos fundamentais, como a liberdade). No entanto, diante de um mundo cada vez mais complexo, seja pelas trocas incessantes de informações, pelas desinformações e pelas conexões, onde as emoções e os afetos definem ações e pensamentos, há uma sensação de que os problemas não estão resolvidos pelas vias do diálogo e do jogo democrático e que, mesmo diante de atos que suprimem a liberdade, seria válido um caminho mais “duro”, repressor e violento. Nada mais equivocado!

O fato é que, toda vez que a humanidade busca soluções fáceis para resolver problemas complexos, cria-se um falso, provisório e catastrófico caminho (lembremos do nazismo). Com a democracia criamos ambientes favoráveis ao desenvolvimento, à inclusão, à diversidade, à justiça. A partir desses valores, podemos construir vias mais acessíveis e promissoras de inovação, tanto em seus vieses científicos, quanto tecnológicos e culturais. Para criar é preciso liberdade e equidade, justa oportunidade.

Qual mundo queremos? Até a primeira metade do século XX, o mundo pensava que poderia resolver todos os seus problemas pelo caminho do progresso. Era, na verdade, um mito do progresso. Acreditava-se que, por exemplo, poderiam ser ignorados os recursos naturais e que eles seriam eternos. A natureza existiria para nós e estaria sempre ao nosso dispor. Poderíamos ter uma atitude predatória! Hoje, devido à racionalidade e ao avanço democrático da segunda metade do século XX, chegamos ao pensamento ecológico e à economia verde. O Brasil pode voltar a ser uma referência nesse quesito e ainda atrair investimentos gigantescos em “green economy” (agora que os EUA estão nesse bom caminho). Parceiros comerciais como EUA e União Europeia não devem ser negligenciados. Em outro contexto europeu, normalmente de inovação, qualidade e vanguarda, na Suíça, por exemplo, até 2030 todos os carros serão elétricos e a matriz energética será majoritariamente limpa. Além de uma melhor qualidade de vida para a população, uma economia verde permite redução de custos e, com isso, maior possibilidade de investimento de maneira equilibrada.

O Papa Francisco, desde a Encíclica de 2015, Laudato Sì, enfatiza a importância de uma virada ecológica contemporânea, em direção a uma Ecologia Integral. Em vídeo de lançamento da Plataforma de Ação Laudato Sì, em maio de 2021, o pontífice afirmou:

“Que mundo queremos deixar às nossas crianças e aos nossos jovens? O nosso egoísmo, a nossa indiferença e os nossos estilos irresponsáveis estão ameaçando o futuro dos nossos jovens! Assim, renovo o meu apelo: cuidemos da nossa mãe Terra, superemos a tentação do egoísmo que nos faz predadores de recursos, cultivemos o respeito pelos dons da Terra e da criação, inauguremos um estilo de vida e uma sociedade finalmente ecossustentável: temos a oportunidade de preparar um amanhã melhor para todos. Das mãos de Deus recebemos um jardim; aos nossos filhos não podemos deixar um deserto” (FRANCISCO, 2021).

“Dividir o pão”, aumentar o acesso de classes desfavorecidas foi o grande segredo da criação de sociedade justa e desenvolvida pelos países europeus hoje avançados. Sobre esse aspecto, nos explica o sociólogo e doutor pela Universidade de Heidelberg (Alemanha), Jessé Souza: “Nosso passado intocado até hoje, precisamente por seu esquecimento, é o do escravismo. Do escravismo nós herdamos o desprezo e o ódio covarde pelas classes populares, que tornaram impossível uma sociedade minimamente igualitária como a europeia” (Souza, Jesse. A Elite do atraso, p. 151).

Ora, esse ódio e desprezo pelas classes populares, negros e pessoas das periferias é presenciado no cotidiano, por vezes de forma sutil (como em falas “eles querem tomar nosso lugar com as cotas”) ou mais explicitamente como foi o episódio em que o humorista Eddy Jr sofreu nas últimas semanas. Qual seu crime? Nenhum, apenas o ódio foi alimentado pelo fato de ser um homem negro, proveniente da periferia, que estava agora em um condomínio de classe média alta, fazendo sucesso nas mídias sociais.

Todo processo de escravidão impõe humilhação e desconstrução de humanidade do escravo. Como estaria nesse cenário sua autoestima? Muitos não teriam mesmo mais vontade de viver. O ex-escravo é jogado dentro de uma ordem social competitiva e para qual ele não havia sido preparado. Esse processo é verificado sobretudo em São Paulo, com a vinda dos imigrantes. Ora, em décadas de negligência e ausência de estímulo escolar, como podemos dizer que existe justiça em nossa sociedade? E depois queremos resolver o problema da criminalidade reduzindo a maioridade penal. Nada mais hipócrita!

Precisamos construir uma sociedade mais justa e igualitária, somente assim poderemos resolver nossos problemas. Não podemos esquecer nossa história horrenda e nosso passado macabro. Sim, existiu escravidão e temos as suas consequências aí. É preciso analisar a consequência de nossas ideias. É urgente e central! Nunca encontrei um alemão que dissesse, por exemplo, que o nazismo foi um fato irrelevante na história de seu país.

Mais uma vez, Papa Francisco afirma, em sua Encíclica Fratelli Tutti, a importância do exercício da memória como caminho de libertação:

“Se uma pessoa vos fizer uma proposta dizendo para ignorardes a história, não aproveitardes da experiência dos mais velhos, desprezardes todo o passado olhando apenas para o futuro que essa pessoa vos oferece, não será uma forma fácil de vos atrair para a sua proposta a fim de fazerdes apenas o que ela diz? Aquela pessoa precisa de vós vazios, desenraizados, desconfiados de tudo, para vos fiardes apenas nas suas promessas e vos submeterdes aos seus planos” (FT, 13).

Cada vez mais o mundo estará afetado pela tecnologia. O cenário que vemos hoje de ódio, violência, intolerância, por um lado, e ansiedade, depressão e suicídio, por outro, será ainda mais intenso, infelizmente. É responsável, considerando isso, armar a população? Não tenho dúvidas, como psicanalista, que teríamos um aumento do número de suicídios, pois tirar a vida não é fácil, é trágico, mas quando a pessoa encontra o meio e a ideação, é mais provável.

Queremos um mundo onde as pessoas que pensam e vivem de forma diferente de nós em sua sexualidade, condição financeira, gênero sejam vítimas de preconceitos que produzem violência (inclusive física) por causa de nossas ideias homofóbicas, racistas, machistas?

A verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade. Hoje, porém, tudo se pode produzir, dissimular, modificar. Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne insuportável. Em consequência, implementa-se um mecanismo de «seleção», criando-se o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo que não gosto, as coisas atraentes das desagradáveis. A mesma lógica preside à escolha das pessoas com quem se decide partilhar o mundo. Assim, as pessoas ou situações que feriam a nossa sensibilidade ou nos causavam aversão, hoje são simplesmente eliminadas nas redes virtuais, construindo um círculo virtual que nos isola do mundo em que vivemos (FT, 47).

É católico leigo, professor do departamento de Filosofia e do curso de Psicologia-Praça da Liberdade na PUC-Minas, onde também atua como membro da equipe executiva do Observatório da Evangelização. Psicanalista, doutor em Teologia pela FAJE, com pós-doutorado pelas Université de Fribourg/Suíça, Universidade Católica Portuguesa e PUC-Rio. É comentarista da TV Horizonte e da Rádio Itatiaia. Autor de 7 livros, dentre os quais “Horizontes de Perdão” (Ideias e Letras, 2020). Pesquisador do Grupo de Pesquisa CAPES “Mundo do trabalho, ética e teologia”, na FAJE-BH.

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Beata Benigna: “defensora da dignidade da mulher, ícone contra o abuso sexual de crianças e adolescentes” https://observatoriodaevangelizacao.com/beata-benigna-defensora-da-dignidade-da-mulher-icone-contra-o-abuso-sexual-de-criancas-e-adolescentes/ Fri, 04 Nov 2022 12:00:00 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46388 [Leia mais...]]]> No dia em que se completou 81 anos de seu martírio, a cidade do Crato (CE) acolheu a cerimônia de beatificação de Benigna Cardoso da Silva, a menina de 13 anos assassinada a facadas ao defender-se do assédio sexual de um jovem, algo que já tinha acontecido repetidas vezes, enquanto ia buscar água numa cacimba próxima do lugar onde morava. Uma adolescente que é considerada símbolo da luta contra o feminicídio e o abuso sexual de crianças e adolescentes.

Uma menina que mostra o valor da mulher e o amor a Jesus

Nascida em Santana do Cariri (CE) aos 15 de outubro de 1928, órfã de pai e mãe com um ano de idade, os poucos dados biográficos conhecidos dizem que ela era fiel assídua às missas na Igreja Matriz da cidade. Seu assassinato causou grande comoção e no local do crime logo foi construída uma pequena capela e assim como seu sepulcro se tornou ponto de visitação.

O representante do Papa Francisco na cerimônia de beatificação, concelebrada por mais ou menos 20 bispos e centenas de padres,  além da presença de milhares de devotos da nova beata, foi o Cardeal Leonardo Steiner, que se mostrou surpreendido pela nomeação. O Arcebispo de Manaus, que disse estar muito feliz em poder presidir uma celebração importante para o Ceará e para a Igreja no Brasil, definiu a nova beata como “uma menina que mostra o valor da mulher, a dignidade da mulher, mas mostra também o grande amor a Jesus”.

“Mártir do cuidado”

O Arcebispo de Manaus destacou o amor da Beata Benigna pela Palavra de Deus, pelas histórias da Sagrada Escritura. Também o fato dela cuidar das tias que a adotaram junto com seus irmãos e o fato de não sair do local onde morava, mesmo diante dos conselhos para fazer isso, para continuar cuidando das tias. Nesse sentido, ele disse poder considerar a nova beata como “a mártir do cuidado”.

Em sua homilia, lembrando as circunstâncias da morte e a passagem do Evangelho lida na celebração, onde relata o encontro de Jesus com a Samaritana no poço de Siquem, o Arcebispo de Manaus definiu a fonte como o lugar “onde se encontra a água que preserva e concede vida, sacia a sede de todos”, enxergando na nova beata “a mulher-menina que vai ao poço em busca de água que a fez percorrer o caminho do serviço, da dignidade, da santidade”. Alguém que “foi à fonte, em busca de água”, para quem o “lugar da água, da vida, tornou-se lugar da agressão, da violência, torna-se lugar da morte. Lugar da morte, fonte de resistência, de transparência, de fortaleza, de dignidade. Junto à fonte, Benigna oferece a sua vida na fidelidade a Jesus”.

Em Benigna, Dom Leonardo destacou que “desde cedo a Palavra e a Eucaristia foram bebida e alimento! Dessa fonte recebeu forças para perseverar, resistir, temperar-se, permanecer fiel aos desejos do seu coração”. Também que no fato de participar da comunidade e no cuidado das tias doentes, “cresceu na bondade, na generosidade, no cuidado das pessoas idosas, aprendeu na infância a amar Jesus! O seu amor, a sua misericórdia, a levou ao martírio”.

Nela, o Cardeal Steiner vê, seguindo o Livro do Cântico dos Cânticos, “um amor fiel, límpido, puro, virginal”, insistindo em que “o amor vence a morte. Na morte vemos e percebemos a grandeza transparente e forte do amor benigno, a suavidade, a ternura de Deus”. Um amor que “na morte supera transparentemente as paixões e deixa nascer e ver o amor puro e casto”, seguindo as palavras de São Paulo, que ressoam “diante da brutalidade, mesmo dos nossos dias em relação às crianças abusadas e o feminicídio”.

O arrependimento do malfeitor

Um elemento destacado pelo Arcebispo de Manaus foi o arrependimento do homem que levou Benigna à morte. Segundo ele, “a pureza e a força conduzem o jovem à reconciliação, à conversão. O admirável que ele a busque como intercessora e é atendido”, insistindo em que “não há vingança, indiferença, rejeição, mas acolhimento de um homem arrependido”.

Uma Bem-aventurada que Dom Leonardo vê como “indicadora e defensora da dignidade da mulher”. Benigna é “exemplo de não subjugação das mulheres, defensora da própria força e valor, da dignidade e da beleza, da sexualidade e da maternidade, do vigor e da ternura. Preferiu a morte que a paixão, preferiu a morte que romper com a sua dignidade”. Alguém que “hoje contemplamos e invocamos a bem-gerada da Palavra de Deus, da Eucaristia, do cuidado às pessoas necessitadas, como defensora da dignidade de mulher, como ícone contra o abuso sexual de crianças e adolescentes, como a menina da misericordiosa no cuidado para com as pessoas idosas, como indicadora do caminho da pureza, da liberdade, da santidade”.

Ajuda-nos a superar o sofrimento dos abusos sexuais e do feminicídio

A ela pediu o Cardeal Steiner que proteja e interceda por nossas crianças e adolescentes, que “as nossas crianças sejam cuidadas e amadas, as nossas adolescentes, respeitadas e maturadas. Ajuda-nos a superar o sofrimento dos abusos sexuais e do feminicídio. O teu nascimento no martírio, a tua presença transparente, ó Bem-aventurada nos desperte para a dignidade da mulher e a superação do abuso das crianças e adolescentes!”.

Uma beatificação que já está rendendo frutos, pois no mesmo dia em que ela aconteceu “é sinal de esperança a instalação do Juizado de Violência Doméstica e familiar contra a Mulher na Comarca de Crato. Tudo para a celeridade na tramitação dos feitos e também para garantir os direitos fundamentais das mulheres nas relações domésticas e familiares”, lembrou o cardeal.

Segundo ele, “Benigna nos anima a criar um ambiente familiar e social de cuidado, respeito e dignidade entre nós”, uma necessidade no Brasil, onde o crime do feminicídio e dos abusos sexuais contra crianças e adolescentes são comuns e muitas vezes ficam ocultos ou são esquecidos pela justiça. Uma menina que em palavras de Dom Leonardo nos diz que “a inocência, a pureza, abrirá o caminho celebrarmos a Padre Cícero Bem-aventurado e depois santo”, o que despertou aplausos na multidão presente. Aquele que é considerado, ainda ser reconhecido pela Igreja, como um santo pelo povo nordestino, lhe pediu que “nos ajude a ser perseverantes e não abandonemos a fé em Jesus”.

Finalmente, Dom Leonardo implorou a intercessão da Bem-aventurada Benigna: “Olha as nossas crianças, nossas jovens, nossos jovens, sintam-se amadas e cuidadas. As mulheres sejam respeitadas na sua dignidade, na sua maternidade. Ajuda-nos a contar as histórias de Jesus, ensina-nos a amar e viver a Palavra de Deus, a Eucaristia”.

FONTE: Adaptado de IHU

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Dom Luis Marín: Sinodalidade, um processo espiritual e eclesial onde ninguém é excluído. https://observatoriodaevangelizacao.com/dom-luis-marin-sinodalidade-um-processo-espiritual-e-eclesial-onde-ninguem-e-excluido/ Thu, 03 Nov 2022 22:19:24 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46375 [Leia mais...]]]> No Angelus de 16 de outubro, o Papa Francisco anunciou que a Assembleia Sinodal para os Bispos do Sínodo sobre a Sinodalidade acontecerá em duas etapas, a já marcada para outubro de 2023, de 4 a 29, e uma segunda em outubro de 2024. Não é o Sínodo da Igreja como tal que foi  estendido, mas a Assembleia Ordinária do Sínodo dos Bispos, de acordo com Dom Luis Marín de San Martín.

O Sínodo já está em andamento

O bispo agostiniano sublinha que “o Papa não ampliou o Sínodo, porque não precisa ampliá-lo, pois é a Igreja, a Igreja inteira, que é sinodal. Para perceber isso, basta ler os Padres e estudar a história, desde os primeiros tempos do cristianismo até o Concílio Vaticano II”. Portanto, se a Igreja é sempre e toda sinodal, “não é possível identificar o sínodo ou a sinodalidade somente com os bispos”. O processo em andamento está orientado “para fortalecer a realidade sinodal da Igreja e o que ela implica para todos os batizados. Já estamos no Sínodo, não em sua preparação”.

Neste sentido, Dom Marín de San Martín sublinha que “o que o Papa ampliou de fato foi o tempo da Assembleia do Sínodo dos Bispos”, mais um elemento, “muito importante, mas mais um elemento, em uma Igreja que é constitutivamente sinodal”. E especifica que “não haverá duas assembleias diferentes, como foi o caso do Sínodo da Família (uma extraordinária e outra ordinária), mas uma única Assembleia, a mesma Assembleia, em duas sessões”.

As razões para uma extensão

Esta iniciativa foi tomada pelo Papa Francisco, diz o subsecretário do Sínodo, “considerando a importância do desenvolvimento da sinodalidade e o quanto é essencial realizar um discernimento calmo, profundo e sereno, ouvindo o Espírito”. O objetivo é tornar o lema do Sínodo uma realidade: “Por uma Igreja sinodal: comunhão, participação e missão”.

Não é uma questão de “manter o dossiê”, diz ele. “O Papa quer cuidar da qualidade deste processo”, porque “a pressa é sempre um mau conselheiro.  Algo importante precisa de tempo. Não podemos ir a um ritmo rápido, com etapas de queima às vezes em períodos muito curtos”. Neste sentido, é fundamental “ter paz e tranquilidade e tempo para discernir juntos, ouvir a voz do Espírito, escutar uns aos outros, ver quais realidades precisam ser fortalecidas, quais outras precisam ser mudadas, quais precisam ser vividas de uma maneira diferente. E, desta forma, tomar decisões”.

Buscamos “coerência, sempre em unidade com Cristo e com nossos irmãos e irmãs. A partir disto deve fluir um claro impulso evangelizador”. O prelado agostiniano considera muito importante “não nos fecharmos em nossos títulos, mas, ao contrário, sairmos para evangelizar, como fizeram os primeiros cristãos: com palavra, testemunho e vida. Envolvendo a todos, respeitando os diferentes carismas e vocações, curando as feridas. Passando de uma perspectiva estática e defensiva para uma perspectiva dinâmica e integradora”.

Dom Luis Marín de San Martín é claro em dizer que “A verdade não é uma ideia, mas uma pessoa, um amor encarnado, que triunfa sobre a morte, sobre tudo o que é morte na sociedade, na cultura, nas relações internacionais e econômicas, no mundo”.  A resposta urgente que nos compromete é a sinodalidade, “que implica estarmos unidos no Cristo Ressuscitado, inseparáveis de seu corpo, que é a Igreja, de nossos irmãos e irmãs. Significa caminhar ao lado deles e com eles. O cristianismo não é uma religião de elites”.

Um desafio de extraordinária beleza

O subsecretário do Sínodo acolhe com alegria esta decisão do Papa, “o que nos faz perceber a importância deste processo e, acima de tudo, a oportunidade que temos. É uma possibilidade que nos é oferecida pelo Espírito Santo, um kairos, um tempo de graça, um verdadeiro presente de Deus”. Isto o leva a assinalar que “é o Senhor quem bate à porta e nos encoraja a viver nossa fé com coerência, a ser uma Igreja santa e evangelizadora”. Ele insiste que estamos em um momento crucial na história da Igreja.

É por isso que o subsecretário do Sínodo lamenta que alguns cristãos, especialmente alguns padres, tenham medo ou desconfiem deste processo e assumam uma postura passiva, se não mesmo obstrutiva. “Por que pensamos que o Sínodo pode subverter a moralidade ou destruir a Igreja? Será porque não confiamos no Espírito Santo e perdemos a dimensão orante e espiritual; a experiência de Cristo, em quem vivemos, nos movemos e existimos? Ou talvez seja irritante que nos tire de nossa zona de conforto e nos obrigue a mudar atitudes e caminhos profundamente enraizados? Nossa única segurança é o Senhor e nosso ministério é o serviço. Sem anulá-lo ou traí-lo, mas inserindo-o na Igreja”. É por isso que ele insiste que “cada um de nós deve responder a Deus: eu tenho sido um canal de graça ou tenho bloqueado a ação do Espírito? É uma grande responsabilidade”.

A “civilização do amor” não cumprida

Na linha de São Paulo VI, quando ele falou da “civilização do amor”, para Dom Marín de San Martín é necessário passar da cultura do confronto para a cultura da fraternidade, na qual a unidade pluriforme da Igreja é assumida e expressa. “O outro, mesmo que pense diferente, é meu irmão, não meu inimigo. Se houver diferenças de qualquer tipo, oremos, procuremos juntos a luz do Espírito. Mas como irmãos. Só assim poderemos celebrar a Eucaristia de forma coerente e rezar sinceramente o Pai Nosso”. O subsecretário do Sínodo pede a participação como forma de fortalecer o sentido de comunidade. “Não deixemos o processo sinodal para grupos de pressão, ou limitado a setores fortemente ideologizados de uma forma ou de outra. É um processo espiritual e eclesial, no qual ninguém (e eu sublinho “ninguém”) é excluído”. É um convite “a toda a Igreja, a todos os cristãos: em Cristo e com Cristo. A toda a Família de Deus, porque a Igreja é uma família, um lar e não uma trincheira”.

Dom Luis Marín de San Martín vê isso claramente como um processo de autenticidade, “de renovação radical”, e considera necessário que “assumamos com confiança e coragem o risco da reforma à qual ela nos conduz. O Espírito Santo não é nosso funcionário. Ele lidera, ele guia”.

Depois da fase diocesana, o que segue?

O subsecretário do Sínodo teve a oportunidade de explicar aos bispos e aos referentes do Sínodo que “a síntese elaborada pela respectiva Conferência Episcopal nunca deve ser um ponto de chegada, um documento a ser colocado na prateleira ou guardado no armário. É um ponto de partida, um instrumento para continuar a caminhar com ele”.

Em uma primeira linha de ação, o prelado agostiniano incentiva as dioceses e as conferências episcopais a desenvolver estes documentos, estas sínteses, que ele considera “verdadeiramente preciosas, de grande riqueza, onde as luzes e as sombras de nosso tempo se refletem”. Por esta razão, ele os chama a aceitar “como a voz do Povo de Deus, com suas deficiências e limitações, com sua grandeza e suas possibilidades”. Estas sínteses “podem ajudar a estabelecer planos pastorais”. A fase diocesana “concluiu, mas não o processo que gerou, ou seja, o processo de escuta e participação em uma Igreja viva”. Por esta razão, ele insiste que “as decisões devem agora ser tomadas em nível local, diocesano e de conferência episcopal”.

Os desafios da etapa continental

A segunda e muito importante linha de ação é aquela que corresponde à etapa continental, que agora está começando. O subsecretário do Sínodo nos lembra que “estas não são fases fechadas em si mesmas que seguem uma após a outra como eventos; é um processo que está se desdobrando, progredindo, se desenvolvendo”. Para levar adiante esta etapa, no dia 27 de outubro será apresentado um Documento de Trabalho, que “não é um texto teológico, nem um documento magisterial, mas foi elaborado com base nas sínteses que nos foram enviadas pelas Conferências Episcopais, a Cúria Romana, a vida consagrada, os movimentos leigos, o continente digital”.

Com tudo isso, a Secretaria do Sínodo oferece agora “um documento que nos ajuda a continuar ouvindo, dialogando e discernindo, permitindo que o Povo de Deus fale”. Ele considera que, “de certa forma, é uma restituição em um processo circular. Recebemos a voz do Povo de Deus e agora a estamos enviando de volta às dioceses através deste documento que terá que ser aprofundado em todos os níveis”.

A particularidade desta etapa é que “a reflexão e o discernimento levarão em conta as particularidades, os desafios e a realidade de cada continente”. São sete: América do Norte, América Latina e Caribe, Europa, África, Ásia, Oceania e as Igrejas do Oriente Médio. Talvez o chamado “continente digital” deva ser incluído. Segundo Dom Marín, “cada um tem suas próprias características”, e a proposta agora é “escutar e refletir para discernir que desenvolvimentos são necessários em cada um desses continentes para conseguir um testemunho vivo e alegre da fé, levando em conta a diversidade de cultura, tradição e história”. E o que pode ser contribuído para a Igreja universal de cada continente”.

O subsecretário do Sínodo sugere “uma leitura orante do documento e a escuta do Espírito. Em seguida, podemos nos perguntar: Que insights ou inovações ajudam a realidade eclesial em meu continente? Que desafios eles nos colocam? Que propostas concretas devemos fazer ao Sínodo dos Bispos para o bem de toda a Igreja?”

Os passos de um caminho

A etapa continental se estende do final de outubro de 2022 até 31 de março de 2023. A responsabilidade de organizá-la, em ligação com a Secretaria Geral do Sínodo, cabe à respectiva Conferência Episcopal continental. Em cada um dos continentes “será convocada uma assembleia no final (fevereiro ou março) na qual participarão representantes do Povo de Deus, em suas diferentes vocações e realidades”. A isto se seguirá uma reunião continental de bispos, “que são os pastores e que devem fazer seu próprio discernimento depois de escutar o resto do Povo de Deus”.

Cada Conferência Episcopal continental elaborará um documento, de cerca de vinte páginas, a ser enviado à Secretaria do Sínodo até 31 de março. Dom Marín comenta que “a partir dos 7 documentos recebidos, a Secretaria redigirá o Instrumentum laboris, que será apresentado em junho de 2023, para trabalhar na primeira etapa da Assembleia do Sínodo dos Bispos, de 4 a 29 de outubro”. A Secretaria do Sínodo montou uma equipe de coordenação de 3 pessoas. As Conferências Episcopais Continentais também foram convidadas a nomear sua própria equipe para que possam se inter-relacionar e ajudar “este horizonte de esperança a dar muitos frutos na Igreja, com a colaboração de todos”.

Dom Luis Marín de San Martín conclui expressando sua disponibilidade e a da Secretaria do Sínodo para resolver dúvidas e ajudar no que for necessário. “Queremos realmente ser companheiros ao longo do caminho”.

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“O grito da paz expressa a dor e o horror da guerra, mãe de todas as pobrezas”, papa Francisco https://observatoriodaevangelizacao.com/o-grito-da-paz-expressa-a-dor-e-o-horror-da-guerra-mae-de-todas-as-pobrezas-papa-francisco/ Wed, 26 Oct 2022 13:45:03 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46315 [Leia mais...]]]> No Encontro Internacional pela Paz, o papa Francisco disse palavras que nos provocam e nos convocam para o compromisso com a cultura da paz. Em seu discurso de encerramento afirmou:

“Este ano, nossa oração se tornou um ‘grito’, porque hoje a paz é gravemente violada, ferida e pisoteada: e isto na Europa, ou seja, no Continente que no século passado viveu as tragédias das duas guerras mundiais”.

Confira:

O Papa: o grito da paz expressa a dor e o horror da guerra, mãe de todas as pobrezas

Por Mariangela Jaguraba, para o Vatican News

O papa Francisco participou do encerramento do Encontro Internacional de Oração pela Paz com demais líderes cristãos e representantes das religiões mundiais, no Coliseu, em Roma, na tarde desta terça-feira (25/10).

A iniciativa, promovida pela Comunidade de Santo Egídio, teve como tema “O grito da paz. Religiões e culturas em diálogo“. É a 36ª convocação organizada no “Espírito de Assis”, após a primeira, desejada por São João Paulo II, em 1986.

A paz está no coração das religiões

Este ano, nossa oração se tornou um “grito”, porque hoje a paz é gravemente violada, ferida e pisoteada: e isto na Europa, ou seja, no Continente que no século passado viveu as tragédias das duas guerras mundiais. Infelizmente, desde então, as guerras nunca pararam de ensanguentar e empobrecer a terra, mas o momento que estamos vivendo é particularmente dramático. Por esta razão, elevamos nossa oração a Deus, que sempre escuta o grito angustiado de seus filhos e filhas.

Segundo o Papa, “a paz está no coração das religiões, em suas Escrituras e em sua mensagem”, e “no silêncio da oração desta noite”, sublinhou Francisco, “ouvimos o grito da paz: a paz sufocada em tantas regiões do mundo, humilhada por muita violência, negada até mesmo às crianças e aos idosos, que não são poupados da terrível dureza da guerra. O grito da paz é muitas vezes silenciado não apenas pela retórica bélica, mas também pela indiferença, e  pelo ódio que aumenta“.

Ameaça das armas atômicas

Mas a invocação da paz não pode ser suprimida: ela sobe do coração das mães, está escrita nos rostos dos refugiados, das famílias em fuga, dos feridos ou moribundos. Este grito silencioso sobe ao Céu. Não conhece fórmulas mágicas para sair dos conflitos, mas tem o direito sacrossanto de pedir paz em nome dos sofrimentos sofridos, e merece ser ouvido. Merece que todos, começando pelos governantes, se inclinem para ouvir com seriedade e respeito. O grito da paz expressa a dor e o horror da guerra, mãe de todas as pobrezas.

A seguir, Francisco citou um trecho da Encíclica Fratelli tutti: «Toda a guerra deixa o mundo pior do que o encontrou. A guerra é um fracasso da política e da humanidade, uma rendição vergonhosa, uma derrota perante as forças do mal». Recordou que “o uso de armas atômicas, que depois de Hiroshima e Nagasaki continuaram sendo produzidas e testadas, agora é abertamente uma ameaça”.

Desarmar os conflitos com a arma do diálogo

“Neste cenário sombrio, onde, infelizmente, os desígnios dos poderosos da terra não dependem das aspirações justas dos povos, o plano de Deus, que é “um projeto de paz e não de desventura”, não muda para nossa salvação”, disse ainda o Papa, ressaltando que em “Deus, cujo nome é Paz”, “a voz daqueles que não têm voz é ouvida, e se funda a esperança dos pequenos e dos pobres”. A paz é um dom de Deus e “esse dom deve ser acolhido e cultivado por nós, homens e mulheres, especialmente por nós fiéis. Não nos deixemos contaminar pela lógica perversa da guerra, não caiamos na armadilha do ódio pelo inimigo. Coloquemos a paz no centro da visão do futuro, como objetivo central de nossa ação pessoal, social e política, em todos os níveis. Desarmemos os conflitos com a arma do diálogo”.

As religiões não podem ser usadas para a guerra

Francisco recordou que São João XXIII fez um apelo pela paz, durante a grave crise internacional, em outubro de 1962, em que um confronto militar e uma explosão nuclear pareciam próximos. O Pontífice pediu aos governantes para fazerem de tudo para “salvar a paz”.

“Sessenta anos depois, essas palavras soam atuais”, disse o Papa, pedindo para não sermos “neutros, mas alinhados pela paz”, e invocou “o ius pacis como direito de todos para resolver conflitos sem violência”.

Nesses anos, a fraternidade entre as religiões fez progressos decisivos: “Religiões irmãs que ajudam povos irmãos a viver em paz”. Cada vez mais nos sentimos irmãos entre nós! Um ano atrás, quando nos encontramos aqui, em frente ao Coliseu, lançamos um apelo, hoje ainda mais atual: “As religiões não podem ser usadas para a guerra. Somente a paz é santa e ninguém usa o nome de Deus para abençoar o terror e a violência. Se virem guerras ao seu redor, não desistam! Os povos desejam paz“.

“Não nos resignemos à guerra, cultivemos sementes de reconciliação”, concluiu o Papa, convidando a elevar ao Céu o grito de paz com as palavras de São João XXIII: “Que todos os povos da terra sejam irmãos e que a paz tão desejada floresça neles e reine sempre”.

Fonte:

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2022-10/papa-francisco-encontro-paz-oracao-religioes-guerra-coliseu.html

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Vozes de Brumadinho https://observatoriodaevangelizacao.com/vozes-de-brumadinho/ Tue, 25 Oct 2022 19:22:32 +0000 https://atomic-temporary-74025290.wpcomstaging.com/?p=46307 [Leia mais...]]]> O programa de extensão PUC Minas e Brumadinho – Unindo Forças alcançou a marca de mil pessoas contempladas com as ações interdisciplinares desenvolvidas pela Universidade, com o objetivo de ajudar as vítimas do rompimento da barragem, ocorrido em 2019.

No último ano, as ações buscaram promover a integração das comunidades atingidas, unindo forças, para que todos possam cooperar na busca pela reparação da tragédia socioambiental. Dentre as iniciativas, o programa de rádio Vozes de Brumadinho ganhou vida. Os estudantes, em um carro de som, transmitem mensagens gravadas pelos moradores da região.

Um dos participantes é o senhor Antônio Alves da Silva, 73 anos, o “Seu Cambão”. Líder comunitário da Comunidade Quilombola de Marinhos, ele conta que participou da iniciativa, que simula uma estação de rádio. “Quando a rádio passava por Marinhos, eu podia ouvir a minha voz, a voz de amigos meus, isso foi muito bom. O trabalho da PUC aqui na nossa comunidade é muito bom“, conta.

Antônio Alves da Silva, conhecido como “Seu” Cambão, participou da rádio comunitária e de publicação do projeto em Brumadinho

Os estudantes da PUC também ajudaram na elaboração de vídeo-cartas, roteiros celebrativos e saraus pastorais, além da organização do lançamento do Pacto dos Atingidos, atividades que integraram a 3ª Romaria pela Ecologia Integral a Brumadinho, em janeiro.

https://www.youtube.com/watch?v=XMXlc-szHJE

 

Fonte:

https://arquidiocesebh.org.br/projetos-sociais/vozes-de-brumadinho/
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