Caminhos da Sinodalidade – Aprendendo com a Igreja Primitiva

A Eclesiogênese

No capítulo 2 de Atos dos Apóstolos encontramos, com grande riqueza de detalhes, os acontecimentos no dia de Pentecostes. Para o evangelho de João, a ressurreição de Cristo e a vinda do Espírito Santo são momentos distintos de um único evento (cf. Jo 20, 1.19). Já Lucas faz uma grande distinção entre os dois eventos, reservado a Páscoa para a ressurreição (Lc 24, 1-12) e Pentecostes para a vinda do Espírito Santo (At 2,1-13). No final de todo este processo surge em Jerusalém a primeira comunidade congregando os seguidores e as seguidoras de Jesus Cristo.

No centro da narrativa lucana está o longo discurso do apóstolo Pedro (At 2, 14-36). E o ponto central do discurso está no anúncio (kerigma) fundante da nova comunidade (cf. At 2, 22-24): o homem Jesus de Nazaré passou fazendo o bem, testemunhado por Deus através de seus milagres e prodígios. No entanto, foi rejeitado, e “vós o matastes por mãos dos ímpios”. Mas Deus o ressuscitou e o constituiu Senhor e Cristo (cf. At 2, 36). Ao ouvir estas palavras e a acreditar nelas, muita gente se converte e aceita o batismo. É assim que, segundo o autor de Atos, surge uma entidade nova: a Igreja.

Segundo a narrativa, a Igreja surge pelo fato de estarem juntos aqueles e aquelas que, naquele dia de Pentecostes, receberam com fé o anúncio dos apóstolos a respeito da ressurreição de Jesus. Ora, para que este agrupamento surgisse, o autor de Atos cria um quadro cheio das manifestações divinas: fogo, vento, terremoto, línguas diferentes. A Igreja não surgiria sem uma prodigiosa intervenção divina que levasse homens e mulheres a se agruparem ao redor de uma determinada mensagem. 

O livro de Atos, ao reservar Pentecostes para a vinda do Espírito Santo e o surgimento de Igreja quer nos deixar alguns recados. 

Em primeiro lugar deixa claro que se não houvesse a manifestação do Espírito, a Igreja simplesmente jamais existiria. E não somente isso. Atos insinua que se este modelo de eclesiogênese não se reproduzisse continuamente ao longo da história, a Igreja não existiria hoje. Segundo Atos, a evangelização nada mais é do que alguém comunicar para outras pessoas que crê em Jesus Cristo morto e ressuscitado. E se outras pessoas aceitarem esta comunicação, compartilhando entre elas esta convicção de que Jesus é o Senhor, surgindo assim uma rede relacional nova e atuante, que podemos chamar de Igreja. 

Segundo dados históricos, foi assim que surgiu a Igreja na Coréia. Em meados do século XVII, alguns coreanos entraram em contato com cristãos chineses. Através deste contato, acolheram e assumiram a mensagem cristã. Eram todos leigos. De volta à Coreia, começaram a se agrupar e a celebrar sem a presença de ministros ordenados ou de qualquer organização hierárquica. Através do testemunho deste grupo de leigos e leigas, germinou uma autêntica Igreja em terras coreanas. Sem dúvida, uma Igreja que é fruto do Espírito.

Um segundo ponto a ressaltar do relato de Pentecostes é que não nos devemos prender aos aparatos que normalmente compõem a Igreja hoje. O que vemos hoje é uma estrutura complexa e consistente. Rica em história, arte e liturgia. Mas se não existir este evento simples onde algumas pessoas se relacionam pela comunhão de fé e assim vivem a comunhão entre si, a estrutura eclesiástica revela uma linda aparência, mas não teria a substância que justificasse todo este aparato de igreja.

Francisco Orofino

Francisco orofino é biblista, assessor de grupos populares e comunidades eclesiais de base nos municípios da Baixada Fluminense, doutor em Teologia Bíblica pela PUC-Rio e professor de Teologia Bíblica no Instituto Paulo VI, na diocese de Nova Iguaçu (RJ).

Fontes:

www.portaldascebs.org.br