O apoio da Igreja católica aos povos indígenas é algo que o Sínodo para a Amazônia tem reafirmado. Os indígenas o reconhecem e a Igreja faz questão de continuar avançando nesse caminho. Mais uma prova disso tem sido a 40ª Assembleia Regional CIMI (Conselho Indigenista Missionário) Norte 1, que de 14 a 16 de fevereiro reunia em Manaus mais de 80 pessoas, missionários e missionárias da entidade, indígenas e apoiadores. O tema de reflexão tem sido: “Terra, Água e Territórios: Sínodo de la Amazonía e Fortalecimento da Causa dos Povos Indígenas”.
Escutar o grito dos povos, que é ao mesmo tempo da terra, é uma atitude fundamental. É um clamor que ecoa no sofrimento do povo apurinã, que no Rio Purus, sofre a ameaça de madeireiros e fazendeiros, que vê o avanço de estradas que se adentram na floresta carregando destruição. É o mesmo sofrimento que vive o povo baré no Rio Negro, onde o loteamento de terras e o turismo, tem atado de pés e mãos um povo que não pode nem sair para caçar e pescar. A mesma coisa pode se falar do povo macuxi, em Roraima, ameaçados por fazendeiros e garimpeiros, um povo que vê como suas terras, próximas da fronteira com a Guiana, são lugar de passagem das vítimas do tráfico de pessoas.
Também em outra fronteira, nesse caso com o Peru, na região do Vale do Javari, onde se concentram o maio número de povos issolados da Amazônia, as invasões para caça, pesca, tirar madeira, tráfico de fauna e flora, tem se tornado algo corriqueiro. Tudo isso diante da falta de atuação da FUNAI (Fundação Nacional do Índio), que sem recursos, só age quando esporadicamente recebe o apoio do Exército Brasileiro. Esses ataques a esses povos livres também se produzem desde o campo religioso, fato constatato com a nomeação de Ricardo Lopes Dias, pastor evangélico pentecostal, decidido impulsor do contato com esses povos, como responsável da FUNAI nesse campo, indo contra a Constituição, com o apoio do atual governo brasileiro, que vê esses povos como empecilho para aquilo que quer ser vendido como desenvolvimento.
Esses fatos estão trazendo de volta aquilo que os povos indígenas viveram ao longo de mais de 500 anos. Os direitos garantidos na Constituição de 1988, que queriam superar os abusos cometidos ao longo de mais de 20 anos de ditadura militar estão de volta. O que o Brasil vive hoje, com a criminalização de lideranças, é uma herança do colonialismo e uma exemplo do neocolonialismo, como frisava a socióloga Márcia de Oliveira, professora da Universidade Federal de Roraima. Essa herança de tempos passados se concretiza também na compra de lideranças, na fragmentação das comunidades, no genocídio dos povos e das culturas, demonizadas pelas Igrejas pentecostais, cada vez mais presentes em regiões estratégicas, o que desafia a Igreja católica a ter uma presença continuada nas comunidades mais distantes, segundo a perita na última assembleia sinodal.
Aquilo que é vendido como “turismo ecolôgico”, afirma a socióloga, abre caminho para o trabalho escravo e o tráfico de pessoas internacional. Junto com isso, destaca a presença do tráfico de drogas, bebida e do crime organizado nos territórios indígenas, que se transformaram em corredores, com o envolvimento de políticos locais. Marcia Oliveira chega afirmar que o crime organizado coptou lideranças indígenas. Junto com isso, a estrategia, apoiada pelo governo, de ter cada vez mais antropólogos evangélicos, inclusive com doutorado, que assinam laudos e contralaudos em favor dos poderosos, desqualificando as instituições no intuito de elimina-las.
Diante dessa realidade, quase sempre confirmada com fatos concretos, o papel da Igreja católica se torna algo decisivo. Nesse sentido, a presença na assembleia de 8 dos 11 bispos que fazem parte do Regional Norte 1 da CNBB é uma prova do empenho e apoio da hierarquia à causa indígena. Essa presença confirma e dá mais força à nota que, um dia antes do início da assembleia, tinham assinado, em solidariedade e compromisso com os povos, repudiando as últimas decisões do governo federal.
O Sínodo colocou os povos indígenas como principais interlocutores do Papa Francisco, segundo o Presidente do Regional, Dom Edson Damian. Tudo surgiu, segundo o bispo de São Gabriel da Cachoeira, a diocese com maior porcentagem de população indígena do Brasil, das propostas da base, recolhidas no Instrumentum Laboris. Não podemos esquecer que um sínodo não é um parlamento e sim um encontro de irmãos onde age o Espírito Santo, lembrava Dom Fernando Barbosa, recordando as palavras do bispo de Roma. O bispo de Tefe, enfatizava a força das mulheres nas comunidades, e as pedia para não deixar de sonhar. Ao falar do Sínodo, o arcebispo de Manaus, quem destacava a importância histórica do CIMI no trabalho da Igreja católica em defesa dos povos indígenas, enfatizou a importância de levar em conta as culturas, o que tem consequências litúrgicas, teológicas e eclesiais, e a ministerialidade, que garante a presença oficial da Igreja nas comunidades. Tudo isso partindo da base de ser uma Igreja que leva em conta os elementos essenciais, segundo Dom Leonardo Steiner.
Na mesma linha, o bispo auxiliar de Manaus, destacava a dimensão cultural, junto com a presença dos mártires na assembleia sinodal. Não podemos esquecer que a apresentação de Querida Amazônia, foi na data em que completava 15 anos do martírio da Irmã Dorothy Stang, fato destacado na coletiva de imprensa na Sala Stampa. Para Dom Tadeu Canavarros não se deve perder tempo com pequenos detalhes, e sim olhar com amplitude. Junto com isso, cuidar das raízes das culturas ameaçadas e povos em risco. O Sínodo para a Amazônia é um processo, que se manifesta na continuidade entre o o Instrumentum Laboris, o Documento Final e Querida Amazônia, segundo Dom Adolfo Zon, que insistia em que o Sínodo não acabou. O bispo de Alto Solimões, destacava em Querida Amazônia a abertura a futuras discussões e reflexões, o discernimento continua. Para isso é decisivo acolher, estudar e levar de volta ao povo, a exortação pós-sinodal.
Os sonhos do Papa Francisco não podem ser vistos como um devaneio, e sim como propostas de reflexão e discernimento, afirmava Dom Mário Antônio da Silva, quem centrava suas palavras no número 37 de Querida Amazônia, insistindo na identidade e diálogo como metodologia, que nunca podem ser considerados como inimigos. O papel da família na Amazônia, tanto na floresta como no mundo urbano foi o elemento presente nas palavras de Dom Marcos Piatek, que fazia um chamado a valorizar seus elementos positivos. Finalmente, Dom Guliano Frigeni destacava a sintonia entre Querida Amazônia e Evangelii Gaudium, enfatizando a necessidade de aprender para depois se abrir ao mundo.
As vozes dos bispos se juntaram com as dos indígenas presentes na assembleia sinodal e nas atividades da Amazônia Casa Comum. A ligação entre o que acontecia dentro e fora da sala sinodal foi um elemento de grande importância, que dinamizou a assembleia, algo expressado também na presença de tantos símbolos amazônicos dentro da sala. Inclusive as sementes plantadas numa cuia, que germinaram e se tornaram uma planta, entregue ao Papa Francisco na Eucaristia de clausura, que, para surpresa de todos, colocou acima do altar, pois a planta, para os indígenas, era sinal de que as sementes do Sínodo estão vivas, respiram, brotaram e deram frutos.
Os indígenas tem percebido o processo sinodal como expressão da atuação da Igreja católica em suas comunidades, onde eles destacam o papel fundamental que a Igreja tem. Eles esperam que a Igreja esteja sempre junto com eles, contribuindo para mitigar seu sofrimento, pois ser indígena hoje, diante dos ataques, não é fácil. Os povos indígenas tem mostrado ao mundo que só os povos que moram na Amazônia sabem como defende-la. Eles levaram a voz dos povos que sofrem, uma voz que foi ouvida pelo Papa Francisco, a quem eles pediram respeito a sua autonomia, diversidade e espiritualidade. No momento sombrio que os povos indígenas no Brasil vivem, diante de projetos de lei e constantes ataques por parte do governo federal, a assembleia sinodal, tem representado um momento que tem ajudado na conversão de muitos que fazem parte da Igreja, inclusive de alguns dos presentes na sala sinodal.
Dentro de um processo que afirmou o protagonismo dos povos indígenas, agora devem ser dados passos que ajudem a trazer de volta ao território o que tem sido expressado nos documentos, que os indígenas reconhecem como proféticos. Na assembleia do CIMI, diferentes vozes destacavam que para isso se faz necessário uma forte identidade e organização, ter claro onde queremos chegar, o que vamos fazer como sujeitos. Ao mesmo tempo, isso demanda uma escuta aos povos indígenas, que tem que ser vistos como sujeitos e protagonistas das suas relações com a Igreja, ter a ousadia de aprender uns com os outros, abrindo mão do que é nosso, escutando todos os tipos de linguagem.
É tempo de “avançar por caminhos concretos que permitam transformar a realidade da Amazônia e libertá-la dos males que a afligem”. O importante é confirmar que a 40ª Assembleia do CIMI Norte 1, tem sido um passo a mais nesse empenho de fazer realidade o que o Papa Francisco nos pede no último número de Querida Amazônia. Os novos caminhos tem sido desenhados, vamos juntos faze-los realidade.
Luis Miguel Modino – Padre diocesano de Madri, missionário fidei donum na Amazônia, residindo atualmente em Manus – A.M. Faz parte da Equipe de Comunicação da REPAM. Correspondente no Brasil de Religión Digital e colaborador em diferentes sites e revistas.