Neste mês de setembro de 2021, mais propriamente no dia 19, celebramos o centenário natalício do Educador Paulo Freire. Em várias partes deste mundo em crise, estão sendo realizadas atividades como seminários, congressos, conferências, ciclos de debates tributados a este grande pensador, evidenciando a importância da Educação emancipatória e libertadora, voltada para a ação sociotransformadora da realidade, que, há sessenta anos, vem sendo fonte de conhecimento e engajamento sociopolítico para milhares de pessoas.
Nesta ciranda de gratidão, memória e reflexão, convido nossas CEBs, Pastorais Sociais, Movimentos Populares e todos aqueles e aquelas que desejarem, a revisitar o legado cristão, os princípios pedagógicos e políticos da Educação Popular Freiriana e sua perene contribuição na vivência libertadora da fé e da construção coletiva da cidadania ativa nos processos e práticas humanas, eclesiais, sociais, culturais e políticas, de nossas comunidades e demais coletivos.
É inegável que historicamente as CEBs, as Pastorais Sociais, a Teologia da Libertação e a maioria das organizações populares e as forças progressistas da América Latina, e particularmente do Brasil, beberam nas fontes da Educação Popular Freiriana, e esta, por sua vez, foi sendo gradativamente ampliada em sua elaboração e práxis, a partir das vivências, produção e troca de saberes destes setores, sobretudo dos processos de libertação das classes populares, que no interior destes coletivos se descobriram como pessoas e sujeitos, protagonistas de suas histórias.
Paulo Freire foi um pensador, um cidadão militante, de formação cristã e fazia questão de afirmar isso, com uma clara consciência do modelo de Igreja que acreditava e sonhava:
“…assumo apaixonadamente, corporalmente, fisicamente, com todo o meu ser, uma postura cristã porque esta me parece, como dizem os chilenos, plenamente revolucionária, plenamente humanista, plenamente libertadora e, por isso mesmo, comprometida, utópica. E esta deve ser, a meu ver, nossa posição: a posição da Igreja que não se esquece de que, por sua própria origem, é chamada a morrer tremendo de frio. Isto é uma utopia, é uma denúncia e um anúncio do compromisso histórico que expressa a coragem no amor“.
Paulo Freire
Esta profissão de fé, proferida por Paulo Freire, durante seu exílio no Chile, período da ditadura militar, no processo de gestação de sua obra magna “A Pedagogia do Oprimido”, foi e é, sem dúvida, um lúcido reconhecimento, e ao mesmo tempo uma provocação para que as CEBs e quiçá toda a Igreja, sejam espaços de vivências, práticas coletivas humanizantes, libertadoras e comprometidas com a transformação da realidade que nos cerca, e fomentadoras de utopias, de uma esperança solidária e profética.
Na atual conjuntura brasileira, marcadamente injusta, desigual, violenta, intolerante, sexista, racista, homofóbica e polarizada, imersa numa crise política e socioambiental desastrosa, em meio a um grande desmonte dos direitos sociais e das políticas públicas, ao retorno dos paradigmas educacionais domesticadores, através dos quais a “elite do atraso” pelo negacionismo, o autoritarismo e a ocultação da verdade procuram repetir os processos de colonização, exploração, alienação e coisificação das pessoas, como massa de manobra. Faz-se urgente e necessário, que nossas comunidades e a sociedade civil hasteiem a bandeira da Educação Popular, revisitem e assumam com renovada criatividade e ousadia profética, mesmo em meio à repressão dos governos autoritários e neocolonialistas, os princípios e práticas sociotransformadoras do pensamento freiriano em nossos dias.
A Educação Popular Freiriana caracterizada desde seus primórdios por uma horizontalidade dialética e dialógica na forma de educar e despertar as consciências, respeitando os saberes dos educandos como sujeitos históricos e políticos. Tem como princípios: a emancipação humana, a ética, a solidariedade, o compromisso com os pobres e a transformação social. Nos anos de 1960 a 1980, a pedagogia libertadora desta proposta foi prática nas CEBs, nas pastorais sociais, no Movimento de Educação de Base, contribuindo na criação dos sindicatos e das centrais sindicais e várias ONGs e movimentos populares como o MST e outros.
Hoje, embora sendo vítima de ataques, a pedagogia e o método Paulo Freire, segue presente em muitas mentes, corações e espaços de organização e luta das classes populares. E segue sendo extremamente necessária, pois nestes tempos neocolonizadores e neofacistas, só uma educação crítica, questionadora, contestatória e propositiva, será capaz de gestar e quiçá, parir um projeto alternativo de sociedade, que hoje ousamos sonhar, como a sociedade do Bem-Viver. Tarefa que exige um amplo trabalho de base, para o qual as CEBs são convocadas a retomar, com os aprendizados adquiridos nas múltiplas experiências históricas vivenciadas, e abertas aos novos movimentos, estratégias e recriações que o contexto atual requer.
As CEBs com sua ligação umbilical com a Educação Popular são convocadas a serem espaços de fé e vida, de cidadania ativa, escolas de formação da consciência crítica e política, comunidades missionárias em saída, caminhando com Jesus de Nazaré pelas periferias e fronteiras, fortalecendo os grupos de reflexão e envolvendo-se nas lutas locais, reafirmando que a “pedagogia do oprimido” e a “pedagogia da esperança” são para as nossas comunidades, não apenas obras, livros escritos, mas uma mística, uma forma concreta de viver na radicalidade o Evangelho de Jesus de Nazaré!
Sobre a autora:
Ir. Eurides Alves de Oliveira é mestra em Ciências da Religião e formada em Ciências Sociais. Ela coordenadora da Rede Um Grito pela Vida, da Conferência dos Religiosos do Brasil – CRB. Ela é natural de Aparecida de Goiânia-GO, é religiosa da Congregação do Imaculado Coração de Maria. Ela vive em Manaus e é colunista do Portal das CEBs.
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