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Brasil: Juventude, periferia e participação
O que pensam os jovens das periferias urbanas do Brasil? Quais as grandes influências que recebem? O que move, buscam e sonham tais jovens? O que mobiliza os jovens excluídos afetados pela ideologia neoliberal?
Veja o resultado de uma importante pesquisa de 2019, feita pelo escritório Brasil do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social que tem como um de seus desafios de pesquisa entender quem é, como vive, a que aspira e como tem se comportado a juventude brasileira das periferias.
A postura de aproximação e escuta, o desejo de conhecimento das respostas a estes e outros questionamentos é incontornável e decisivo para ação evangelizadora que pretenda ser significativa entre os jovens da periferia. O que isso nos diz e nos leva a dizer?
Boa leitura,
Edward Guimarães
A juventude está em disputa. No último período, a direita tem colocado os jovens nas linhas de frente dos movimentos conservadores pelo mundo. No Brasil não é diferente. O país vive o período com maior quantidade de jovens de sua história – segundo definição etária, 15 a 29 anos, o que corresponde a 25% da população – e, com isso, as organizações políticas e sociais têm na juventude uma especial atenção. Essa geração, nascida entre as décadas de 1990 e 2000, vive outros dilemas. Enquanto as gerações de seus pais cresceram em um período de desenvolvimento industrial, com referenciais organizativos construídos nesse período, os atuais jovens no Brasil vivem sob a hegemonia do neoliberalismo, combinada com um contraditório momento de democratização do acesso ao ensino superior. Com isso, apesar de terem mais acesso à educação, têm maior instabilidade no emprego. O mundo da previsibilidade dos pais é substituído pelo do curto prazo; as ideias de carreira, estabilidade e aposentadoria são substituídas pelas de flexibilidade e imediatismo, sob a ideologia do empreendedorismo.
A relevância dessa disputa obrigou a esquerda popular a pensar novos canais de reaproximação com esses sujeitos. Quais são as organizações, os coletivos, os instrumentos que têm ganhado os corações e as mentes da juventude nas periferias brasileiras? Essa foi a questão orientadora da pesquisa realizada pelo escritório do Instituto Tricontinental no Brasil, em parceria com o Levante Popular da Juventude e o Movimento das Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD).
Resgatamos os resultados encontrados nessa pesquisa desenvolvida em 2019 com a juventude de periferias do Brasil, nas cidades de São Paulo (SP), Porto Alegre (RS) e Fortaleza (CE), destacando a forma como a ideologia neoliberal adentra a vida da juventude e como isso implica em novos desafios para as organizações populares.
I – Ideologia neoliberal e empreendedorismo
“Jobs”, “freelas”, “bicos”, instabilidade, imprevisibilidade têm marcado as vidas dos jovens no Brasil de hoje. Diferentemente da geração nascida entre as décadas de 1950 e 1970 que, apesar da grande desigualdade social, tinha como possível uma certa linearidade da vida por meio de dois caminhos: o estudo e a formação universitária, destinado principalmente às camadas médias e ricas da juventude brasileira, ou o trabalho que não requer anos de estudo e qualificação, que marcava especialmente a vida da juventude das periferias. Em cada um desses contextos, apareciam as alternativas para realização e consolidação da vida adulta: a busca por casa própria, constituição da família, escolha da profissão exercida até a aposentadoria, etc.
A juventude dos dias atuais tende a não se encontrar nas organizações forjadas nas décadas anteriores. As principais organizações de esquerda construídas na década de 1980 enfrentam desafios organizativos para incorporar esses sujeitos. Isso não quer dizer que essa juventude não faça política, não participe de coletivos e não forje suas redes de sociabilidade. Nosso desafio, contudo, é entender onde e como se dá a participação do jovem, como se tornam sujeitos coletivos e compartilham suas vivências, angústias, sonhos e soluções.
Um elemento predominante no discurso dos jovens quando pensam seu futuro e os desafios do cotidiano é o individualismo e a lógica do “indivíduo-empresa”. Além de buscar empregos formais e/ou fazer “bicos” (pequenos trabalhos inconstantes e temporários), também recorrem à saída pelo “empreendedorismo” – sonho de “ser seu próprio patrão” -, que se coloca como uma certa rebeldia frente aos trabalhos que lhes são apresentados e uma leitura liberal do mercado de trabalho, em que somente o esforço garante o “sucesso”.
Essa ideologia do empreendedorismo caminha lado a lado com a ausência de políticas públicas. O esvaziamento do Estado, como resultado das políticas neoliberais, faz as políticas e equipamentos públicos serem coisas distantes no cotidiano dos jovens, no que se refere à proposição de soluções às suas questões.
II – Trabalho, educação e violência
Trabalho e renda são considerados um dos principais desafios enxergados pelos jovens, junto à constituição de família, que muitas vezes está atrelada à necessidade de sustento familiar. Porém, o Brasil se caracteriza por um mercado de trabalho precarizado e de alta rotatividade, principalmente para a juventude, já que o Brasil é um dos países da América do Sul em que o jovem começa a trabalhar mais cedo. Neste contexto, a educação como percurso “obrigatório” para um emprego de qualidade, apesar de relevante na fala dos jovens, já não está presente de forma tão destacada. Ao contrário: são abundantes as referências a amigos, parentes ou vizinhos formados que não acessam empregos compatíveis com a formação.
Outro fator relevante na vida dos jovens nas periferias é a violência. Violência policial, tráfico de drogas, violência doméstica. A pesquisa comprovou o que as estatísticas já demonstravam quanto à presença marcante da violência na vida dos jovens. Muitos jovens já sofreram violência policial, possuem parentes ou amigos que estão ou foram presos, assim como parentes ou amigos que estão ou foram envolvidos com o crime, uma saída que ainda se apresenta como alternativa para vida.
III – Cultura, coletivo e saídas para organizar a juventude
Neste contexto, a cultura se apresenta como um elemento mobilizador das juventudes para ser criada ou usufruída. Ou seja, desde os que querem construir bandas, MCs, dança, teatro, aos que querem ir ao baile funk, a um show ou ver uma batalha, os jovens se mobilizam em torno das manifestações culturais. Isso se apresentou, em grande medida, pelo fato desse esse espaço canalizar o sentimento de pertença a um grupo, espaço de criação e de socialização.
Essa talvez seja a grande chave para organizar a juventude. Mesmo tendo crescido sob a perspectiva da individualidade, o jovem busca por espaços coletivos e, como demonstra a pesquisa, essa tem sido a aposta de muitas organizações religiosas e grupos culturais para mobilizar essa parcela da sociedade: de forma geral, as organizações analisadas, presentes nas periferias, constroem espaços de sociabilidade, que propõem contribuir no desenvolvimento do aspecto individual dos jovens. Elas não rompem com a lógica individualista, mas constroem o senso coletivo a partir do pressuposto da otimização do indivíduo. Em outras palavras, os coletivos se propõem a ser um suporte do desenvolvimento individual dos jovens, na sua busca de melhora pessoal para enfrentar o mundo. Esses coletivos são pensados pela juventude como formas de conseguir uma melhoria de vida, seja na composição de um grupo de amigos e/ou, muitas vezes, por meio de indicação de emprego, composição de renda, espaço de formação.
Para conhecer melhor o aspecto metodológico da pesquisa, pode-se consultar a cartilha “Estudo sobre participação de juventude nas periferias brasileiras”.
Fonte:
- https://thetricontinental.org/pt-pt/dossie-33-brasil-juventude/