Comentários sobre: Análise de conjuntura: uma mediação necessária para a ação evangelizadora https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/ Sat, 04 May 2019 20:14:53 +0000 hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.5.4 Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-702 Sat, 04 May 2019 20:14:53 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-702 Comentário do Leonardo Boff

Caro Pedro e amigos,
Achei sua análise de conjuntura pertinente e bem vertebrada enriquecida com os comentários de vários colegas. Vou meter a minha cunha nesta discussão com algumas reflexões que sempre povoam minha mente.
Achei importante a concepção, presente no texto do Pedro e que sempre tenho defendido nas minhas intervenções faladas ou escritas: não se pode pensar a crise brasileira somente a partir do Brasil. Ela se insere na crise dos fundamentos do sistema e da cultura do capital. Aqui, no meu modo de ver, de trava uma das últimas etapas desse modo de produção (capitalismo) e de sua ideologia política (liberalismo nas suas várias graduações).
Vejo um aspecto positivo na nossa crise, porque ela nos obriga a pensar o todo que, se quisermos sobreviver, devemos dar um salto quântico rumo a uma civilização centrada não na produção industrial mas na sustentação de toda vida ou numa civilização biocentrada ou, na feliz expressão de Ignace Sachs e Ladislau Dowbor, numa civilização da boa esperança. Como afirmou Jacques Atalli no final de seu livro Breve História do Futuro: se há um país do mundo que pode antecipar o novo que virá este será o Brasil pois possui todas as condições ecológicas, culturais e populacionais para realizar ente ensaio antecipador. À luz disso, escrevi meu ensaio “Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência”, Vozes 2018. À diferença de Jessé Souza que faz a crítica contundente (um pouco exacerbada), da atual ordem tola, tento recolher os dados positivos que estão à nossa mão que nos permitirão sonhar e antecipar esse novo: a nossa natureza extremamente rica, o nosso povo plural e altamente criativo e a nossa cultura que ostenta originalidade e influencia outras do mundo.
Ademais a questão ecológica é fundamental, pois ela sobrecondiciona todos os problemas. Há uma ameaça real sobre o sistema-vida e o sistema-Terra. Coloca-se apenas em dúvida o tempo em que vai acontecer. Mas a seguir a linha atual ela vai acontecer. Penso que aqui Marx na Miséria da Filosofia, viu a tendência para onde leva a lógica do capital: à corrupção geral e a venalidade total de todas as coisas ao colocar até as coisas mais sagradas no mercado onde ganharão o seu devido preço, coisa que, em 1944, Karl Polaniy, na Grande Transformação, o formalizou sistematicamente. O pior que nos pode acontecer é não tomar a sério esta ameaça e deixar correrem as coisas como estão. Bem advertiu, pouco antes de morrer, Sigmund Bauman: temos mais problemas que podemos resolver, mais desafios para os quais não temos como enfrentá-los; por isso temos que nos dar as mãos, pois, caso contrário, vamos engrossar o cortejo daqueles que vão rumo ao seu fim numa vala comum.
Essa reflexão que nós intelectuais devemos sempre proclamar é anti-sistêmica e por isso não é ouvida pelas grandes corporações e pelos estados reféns delas ou comprometidos com elas. Tudo é negócio as usual.
Quero recordar três pontos que encontrei no grandioso livro (que recomendo vivamente) de nosso exímio analista da política norte-americana Moniz Bandeira no seu A Desordem Mundial (umas 500 páginas com cerca de 150 páginas de notas) e com o qual tive uma boa correspondência intelectual e amial. Ai com minuciosa informação revela os três eixos capitais da estratégia dos USA, elaborada pelo Pentágono e pelas 14 agências de segurança criadas depois dos atentados às Torres Gêmeas:
1. Um mundo e um só império: o império são os Estados Unidos da América que ainda mantém, embora em decadência, a hegemonia mundial. Querem assegurá-la por todos os meios (O papa Francisco em sua encíclica sobre o cuidado da Casa Comum contrapõe com esta ideia: uma só humanidade numa só Casa Comum). Para isso:
2. Cobrir todos os espaços (full scream dominance): colocar sobre todos espaços do planeta bases militares, fortemente guarnecidas com todo o tipo de armas, nucleares, químicas e biológicas. São mais de 800 bases, algumas-chave, com ogivas nucleares que podem ser disparadas em três minutos. Nesta estratégia efetivamente cobriram todos os espaços, em colaboração com a Nato que avançou suas bases de foguetes balísticos para perto dos limites da Rússia. Os estrategistas norte-americanos se deram conta de que o Atlântico Sul estava a descoberto. E colocavam a questão: quem vai controlar a quinta economia do mundo, a brasileira, nós ou a China? Em razão disso, trataram de colocar frente ao pré-sal a quinta frota que estava desativada desde 1950. Só o porta-aviões com diferentes armas, inclusive nucleares, tem mais poder de fogo que todas as armas da segunda-guerra mundial, além de submarinos a propulsão nuclear e outras naves. Já tinham base na Colombia, no Caribe, Peru. Faltava no grande Sul, na Argentina e no Brasil. Macri cedeu o espaço para uma base em Uchuaia e outra na tríplice fronteira, em construção (Brasil, Paraguai e Brasil). Do Brasil bastava conquistar a base de lançamento de foguetes em Alcântara. Os governos brasileiros sempre resistiram soberanamente. Bolsonaro a entregou de mão beijada sem nenhuma compensação em troca além das convencionais.
3. Desestabilizar todos os governos progressitas que resistem a submeter-se à lógica imperial. Não se fará mais como antes com golpes militares e tanques na rua. Será um golpe brando, mediante alguns passos que devem ser articulados entre si: um concluio com o parlamento, com o justiça, com os meios empresariais de comunicação e com a polícia militar. Começa-se com difamar a política como o mundo do sujo e do currupto; segue-se com o descrédito do Estado como corrupto e ineficiente; em seguida difamar os líderes populares, submetê-los à justiça e pela aplicação do lawfare até levá-los à prisão. Dar absoluta centralidade ao mercado, privatizar o mais possível, desregular as leis do trabalho e da previdência social, criminalizar os movimentos sociais com cariz transformador e recolonizar os países sul-americanos para serem meros exportadores de commodities o que implica desacelerar o desenvolvimento de sua base industrial. Para isso alargar o espaço do agro-negócio e liberar a ocupação das reservas naturais e dos povos indígenas para a produção agro-industrial e bovina, de exportação.
Esta estratégia foi testada e Honduras, no Paraguai e agora no Brasil. Se bem reparamos o impeachment de Dilma obedeceu a esta cartilha. E funcionou. Agora está sendo implementada explicitamente pelo atual governo do ex-capitão que foi aos USA para prestar vassalagem ao donos do poder imperial e acolher todas as suas diretrizes. O efeito final é um Estado pós-democrático e um Estado sem lei. Rompe com o pacto constitucional de 1988, passa-se por cima das leis e a relação para com a sociedade é de violência, de meias- verdades, de mentiras explicitas e dos fake news, com a brutalizarão das ações repressivas.
O Brasil atual aderiu completamente a estes três pontos. Moniz Bandeira refere e Lula em sua entrevista o disse claramente: tudo foi decidido politicamente no Departamento de Justiça (ou de Estado?) dos USA. Formaram promotores e especificamente o juiz Sergio Moro na aplicação desta estratégia. E para conferir-lhe certa aura de credibilidade a Moro, diz-se que estudou em Harvard. Na verdade lá ficou apenas 40 dias para aperfeiçoar a aplicação da lawfare.
Como vamos enfrentar este tipo de dominação que já é mundial dentro da qual estamos diretamente metidos? A nova guerra-fria não é mais USA e Rússia, mas USA e China. Os USA querem ganhar e assegurar a hegemonia belicamente. A China, economicamente, em particular mediante o Caminho da Seda que envolve, nas várias etapas, cerca de 40 trilhões de dólares.
Tenho uma visão sombria: vamos ao encontro de um confronto de gigantes pondo em risco a vida sobre o planeta e o nosso ensaio civilizatório. Quem sobreviverá, não pode repetir o velho. Terá a chance de inaugurar o novo, quem sabe, uma super-democracia planetária gestionada colegialmente que cuidará de garantir os meios de vida não só para nós mas também para toda a comunidade de vida sem a qual nem nós sobreviveríamos. Mas acontecerá por aqueles protagonistas que já agora se movem dentro do novo paradigma ecológico-social (a era do ecoceno em oposição à do antropoceno) e se recusam de prolongar ou replicar o velho que nos levou ao desastre.
Anima-me a fé, a sola fides, de que Deus que é o “apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,24) não deixará que nossa vida (já eternizada pela entronização do ser humano homem e mulher por Cristo e Maria no seio da Trindade) desapareça assim miseravelmente. Ou as palavras finais do papa Francisco na referida encíclica, sob o signo do “Para além do Sol”: “Caminhemos cantando que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança” (n. 244).
A vida continua e deve continuar.
Abraço a todos com uma esperança inquieta
Lboff
Petrópolis 03/05/ 2019

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-701 Sat, 04 May 2019 20:04:35 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-701 Comentário do Luiz Alberto Gomez de Souza

Pedro.

Só agora tive tempo para ler tua análise de conjuntura, enredado em decisões pessoais complexas. Fiquei impossibilitado de escrever sobre a situação brasileira (me assusta que nossos companheiros ocupem seu tempo em criticar ao cansaço o pensamento deste governo, que não merece análise alguma de suas ideias absurdas e ser apenas reativos diante das barbaridades das medidas governamentais, sem passar para medidas propositivas).

Dito isso, tua análise foi uma luz para trazer a chave de analisar a realidade, abrindo-se de uma conjuntura assustadora, situando-a numa análise estrutural de maiores horizontes. Nos debates em Emaús sempre pedi mais processo histórico e menos impasses no imediato.

Situar na dimensão planetária, onde o ambiente é questão política determinante, assino embaixo com entusiasmo. Também tua análise do sistema-mundo, em sua fase de financeirização, me faz relembrar nosso comum mestre Braudel e o texto de Arrigui sobre o longo século vinte. De acordo mais uma vez.

Não me convence a ideia de guerra de quarta geração. É a mesma guerra imperialista, em uma nova etapa incluindo novos instrumentos, principalmente a informação, com o avanço da informática, fortalecendo a hegemonia pela manipulação da mídia, com suas “fake news” e a reiteração de meias verdades. Mas nisso estamos mais uma vez de acordo.

Assino embaixo da análise do caso brasileiro.

O venezuelano é mais ambíguo. Sempre tomei distância do chamado bolivarianismo Chavez –Maduro, este último mais tosco e cheio de clichês. Como dizes bem, sua política econômica esteve voltada para sua burguesia e militares. Medidas populistas sempre foram paternalistas. Isso facilita o ataque americano. Como Assad, ditador implacável na Síria, faz difícil defendê-lo. O terrível é que temos de nos opor a Trump e seu embargo criminoso, sem ocultar a parte de culpa do chavismo. Há que sair de uma visão maniqueísta. Firmemente contra a pressão americana neste momento sem endossar a política de Maduro. Sei que é difícil de expressar-se assim. Mas indispensável se, no futuro, fizermos o balanço tanto da agressão americana, quanto do autoritarismo do governo venezuelano. Diante de uma posição semelhante face ao socialismo real, Mounier não escondia a crítica aos dois lados, no que ele chamava “as certezas difíceis”.

Semelhante ao caso nicaragüense, que como lembrou muito bem o Ivo, trata-se “de um regime ditatorial de direita”, se acreditamos em Ernesto Cardenal e Sérgio Ramirez. Tiraria a mensão a Nicaragua , e daria realce a México e Uruguai.

Tenho que terminar. Felicito a análise como um todo.

Do irmão-companheiro,
Luiz Alberto.

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-700 Sat, 04 May 2019 19:59:40 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-700 Comentário de Magali do Nascimento Cunha

Muito grata, Pedro. No dia 9 de maio estarei em Recife falando sobre a conjuntura política e a nossa fé no Encontro Anual da Diaconia.
Sua abordagem, que já havia me instigado no Encontro de Emaús em março, é um subsídio muito importante.
Abraço!
Magali

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-699 Sat, 04 May 2019 19:58:19 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-699 Comentário do autor Pedro Ribeiro

Grato pelas observações, Ivo. Falhei mesmo no caso do Guaidó. O fato de ele ter-se proclamado presidente, eter sido reconhecido como tal por governos subservientes aos EUA não faz dele Presidente.
Quanto à Nicarágua, fiquei em dúvida. É uma ditadura brabeira, sim, mas pelo que sei não apoia os EUA.
Pedro

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-698 Sat, 04 May 2019 19:57:02 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-698 Comentário do Ivo Lesbaupin

Concordando com Dudu e Lúcia, apenas 2 observações:

“Sinal evidente dessa estratégia de guerra é sustentação dada pelos EUA e meia centena de governos aliados ao inexperiente suplente de deputado eleito presidente da Assembleia e logo depois presidente da República”.

Guaidó não se elegeu presidente da República: ele se autoproclamou presidente. São duas coisas totalmente diferentes. Apenas que, no caso dele, estava tudo combinado com Trump e suas tropas: daí o apoio imediato de inúmeros países submissos a esta liderança (Trump).

Cuba, Venezuela e a Bolívia são hoje os únicos regimes latino-americanos que resistem à hegemonia dos EUA, acompanhados até certo ponto por México, Uruguai e Nicarágua.

A Nicarágua do Ortega atual é um regime ditatorial de direita: eu não colocaria ao lado do México e do Uruguai.

São observações pontuais, não mudam o sentido principal da análise.

Um abraço,
Ivo

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-697 Sat, 04 May 2019 19:55:20 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-697 Comentário da Lúcia Ribeiro

Realmente está excelente sua análise, objetiva, dando uma visão global dos diversos contextos
e incluindo a dimensão do planeta terra , o que nem sempre se faz.
Provavelmente, você terá apenas que completar a situação da Venezuela, que neste momento está em plena crise…
Um beijo carinhoso,
Lúcia

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Por: observatoriodaevangelizacao https://observatoriodaevangelizacao.com/analise-de-conjuntura-uma-mediacao-necessaria-para-a-acao-evangelizadora/#comment-696 Sat, 04 May 2019 19:54:25 +0000 https://observatoriodaevangelizacao.wordpress.com/?p=30422#comment-696 Comentário do Faustino Teixeira

Pedro, fiquei encantado com o seu texto. Ele prima pela clareza e objetividade. É muito bom ler análises assim. Partilhei com muita gente. Você, como bom estudante da Bélgica, tem essa capacidade que nos impressiona e comove. E sem perder o filão crítico essencial.
Parabéns,
Dudu

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