Análise de conjuntura: uma mediação necessária para a ação evangelizadora

A tradição pastoral da Igreja latino-americana, em sua busca de lucidez, consagrou o método VER-JULGAR-AGIR. Isso porque a ação evangelizadora (AGIR) precisa de mediações, ou seja, ela deve ser precedida de uma boa análise de conjuntura, de estudos da realidade, pesquisas, debates e rodas de conversa… em busca de maior compreensão possível da complexidade da realidade em que estamos inseridos (VER). Esta etapa dever ser seguida de uma boa leitura dessa mesma realidade à luz da fé cristã, das Escrituras, da tradição… em busca de profundo discernimento das vontade de Deus, das urgências e desafios que emergem de nosso contexto, bem como de pistas para as ações (JULGAR).

Por isso, a seguir, propomos a leitura reflexiva da provocante análise de conjuntura do contexto em que vivemos feita pelo sociólogo cristão Pedro Ribeiro de Oliveira. Vale a pena deixar-se interpelar:

Análise de conjuntura em tempos de guerra

Nota prévia

O título talvez cause estranheza, por referir-se a “tempos de guerra”. O problema é que a guerra ganhou uma nova forma – guerra de 4ª geração, ou guerra híbrida – e ainda não sabemos como lidar com ela. Estamos em situação semelhante à dos povos originários que não sabiam como defender-se dos europeus que chegaram protegidos por vestes metálicas e armas de fogo. Esta análise tem por objetivo desvendar as atuais estratégias de dominação econômica, política e cultural a serviço das grandes empresas transnacionais e seus efeitos na realidade da América Latina e Caribe.

A análise de conjuntura deve partir dos acontecimentos recentes, mas ir além deles e buscar a lógica do processo histórico no qual se inserem. Por isso a análise de conjuntura deve situar os fatos (visíveis) no plano das estruturas (invisíveis). É o que tento fazer aqui, para decifrar o sentido profundo do que está acontecendo em Nossa América, particularmente no Brasil.

Distingo três planos estruturais: o sistema de vida da Terra, o sistema-mundo com seu modo de produção e consumo capitalista, e o sistema (social, político, cultural e econômico) dos países da América Latina e Caribe, que são o foco de nosso interesse imediato. Sabemos, porém, que só podemos entender sua realidade considerando a história da Terra e o sistema-mundo em crise. Por isso, farei breve menção às mudanças conjunturais em cada um deles.

Lembro que não existe neutralidade na análise de fatos históricos. Por isso explicito que esta análise é feita na perspectiva de quem se identifica com as classes trabalhadoras, os povos originários e os grupos socialmente discriminados em suas lutas por um mundo de Paz, Justiça e Vida da Terra.

1. O sistema de vida Terra

Tornaram-se frequentes os sinais de mudanças estruturais no sistema Terra. Ao abrir a reunião da COP-24, no final de 2018 na Polônia, disse o secretário-geral da ONU: “Estamos em apuros. Estamos em grandes apuros com as mudanças climáticas”. Porque ele tem uma visão global, sabe avaliar o significado de uma catástrofe climático-ambiental. E sabe que ela poderá acontecer ainda antes de 2050, caso não sejam tomadas as medidas recomendadas pela comunidade científica internacional – medidas que as empresas rejeitam porque prejudicariam seus lucros. A situação se agrava porque os Estados nacionais dão mais prioridade aos lucros das empresas do que ao equilíbrio climático e ecológico. O caso do presidente dos EUA é emblemático, mas são muitos os governantes que, para não desagradar as empresas poluidoras, negam o fator humano no aquecimento global.

Aqui reside uma grave deficiência de nossa metodologia de análise: não entender a questão ambiental como questão política. É preciso ampliar nossas categorias de pensamento para incluir a Terra – ou, pelo menos, sua comunidade de vida – como sujeitoda história, e não mais como coisa. Ela está sofrendo e esse sofrimento certamente atinge a espécie humana, embora o instrumental científico disponível não consiga explicar essa conexão.

Tudo se passa como se espécie homo sapiens esteja a pressentir sua extinção e isso provoca comportamentos opostos. Num polo estão práticas que destroem a sociabilidade própria de nossa espécie, como o ódio ao diferente, a voracidade do consumo, o refúgio no mundo virtual e tantas outras; no polo oposto, esse mesmo pressentimento favorece a emergência da consciência da Terra como sujeito de direitos e ser vivo do qual a espécie humana faz parte, como bem expressou a Carta da Terra, publicada em 2000. Essa nova consciência recupera concepções ancestrais – como o Sumak Kawsay (Bem-Viver) – que só entendem os seres humanos em comunhão com a Mãe-Terra, seus filhos e filhas de outras espécies e com o espiritual.

Atenção: Essa realidade de âmbito planetário precisa ser seriamente considerada, porque ainda é possível ao menos amenizar a catástrofe ambiental que se anuncia. No mínimo, ela precisa ser considerada como um obstáculo intransponível ao crescimento econômico de médio e longo prazo. O próprio megaprojeto chinês da nova rota da seda, que prevê investimento de US$5 trilhões até 2049, fracassará se desconsiderar as mudanças ambientais.

2. O sistema-mundo do capitalismo em crise/guerra.

A crise de 2008 fecha o ciclo de acumulação do capital puxado pelos EUA no século 20. Acaba o desenvolvimentismo no terceiro mundo e as economias avançadas se protegem fechando-se. Enquanto o capitalismo mundial manteve aquele ciclo de crescimento, gerou ao mesmo tempo megaempresas transnacionais e diminuição da pobreza e da miséria no mundo; depois da crise de 2008, porém, a pobreza e a miséria retornam ao patamar anterior, enquanto o poderio das megaempresas se manteve, provocando superconcentração da riqueza mundial. O resultado é a financeirização típica dos processos de transição no interior do capitalismo: o capital se torna mais lucrativo no mercado financeiro do que na produção de bens e serviços.

Nesse contexto, as previsões apontam a transferência do polo econômico mundial do Ocidente (EUA – Europa), para a Ásia (China – Índia – Rússia). O projeto da nova rota da seda visa construir a infraestrutura para essa transferência. Enquanto esse projeto não se torna realidade, o capitalismo permanece em crise, deixando conturbada a situação econômica mundial. Fator relevante dessa crise é o US$ ainda ser a moeda de referência das transações internacionais, apesar da enorme dívida externa dos EUA.

A disputa geopolítica entre as grandes potências envolve o controle sobre suas áreas de influência e a conquista de novas áreas. Os investimentos chineses na África, por exemplo, assim como o retorno da doutrina Monroe “A América para os Americanos” devem ser entendidos na perspectiva geopolítica: cada Estado busca estender seu poder além do próprio território nacional para assegurar o acesso ao petróleo, a matérias-primas ou realizar alianças estratégicas com outros Estados. Além dos meios políticos e diplomáticos, a geopolítica usa também a força militar. Ao fazê-lo, surgem as guerras.

Há hoje muitas guerras no mundo: são guerras civis, étnicas, religiosas, contra drogas ou terrorismo – todas respaldadas pelas grandes potências. Não se pode descartar o risco de tais guerras evoluírem para uma guerra nuclear que liquidaria a espécie humana. A essas modalidades já conhecidas, acrescenta-se atualmente a guerra de 4ª geração ou guerra híbrida. Para explicar muito abreviadamente o que são elas, recorro a A. Korybko: Guerras híbridas: Expressão Popular, São Paulo, 2018.

Toda guerra é uma combinação de ações que visam destituir um poder definido como hostil e substituí-lo por um poder amigável. Desde milênios a guerra visa eliminar um governante ou regime que se recusa a submeter-se aos ditames de outro governo. A novidade da guerra de 4ª geração reside no tratamento da informação como arma de combate. O uso metódico, racional e sistemático da informação, associado a experiências empíricas, como meio de enfraquecimento do “poder hostil”. Trata-se de produzir informações parcialmente verdadeiras (pós-verdade) ou falsas (fake-news), mas plausíveis para quem as recebe, e difundi-las pela combinação da mídia corporativa (TVs, rádios e jornais), mídias digitais (whatsapp, facebook e twitter) e instituições com credibilidade, como Igrejas cristãs, ONGs ou institutos de pesquisa.

Ao receber uma informação que corresponde a seu desejo, a pessoa é levada a replica-la em sua rede de contatos. Isso aumenta sua credibilidade, porque as pessoas tendem a dar crédito à informação proveniente de fontes diferentes. Esse processo funciona como o vírus que infecta o sistema. Quando se trata de derrubar um governo “hostil”, as informações devem abalar sua legitimidade (geralmente acusando-o de corrupto) a tal ponto que bastará uma ofensiva local liderada por algum setor militar, político ou do judiciário para liquidá-lo. Esse processo de ataque é blindado pela tática de desqualificação das fontes de informação não-alinhadas contra o “poder hostil” como não-fidedignas por serem a favor da corrupção.

Atenção. Diante dessa forma de guerra, não basta indignação ética: se não aprendemos a combatê-las, seremos facilmente derrotados pelas armas ideológicas produzidas por Steve Bannon e outros manipuladores de opinião a serviço do liberalismo de mercado.

Antes que a suspeição de teoria conspiratória dificulte a compreensão dessa realidade, é preciso ter claro que a guerra de 4ª geração não é o resultado de decisão tomada em alguma assembleia secreta por dirigentes de fundações, empresas petrolíferas, bancos, ONGs, agentes da NSA, FBI, embaixadores, procuradores e Secretários de Estado. Tampouco teria um comando centralizado na CIA ou alguma agência governamental dos EUA. Ela é o resultado objetivo de diferentes fluxos de dinheiro, de poder ou de conhecimento, que se conectam direta ou indiretamente em laços de retroação, conformando uma grande rede. Nessa rede cada ator – no campo econômico, político, cultural e militar – age tendo em vista apenas seus interesses particulares ou da instituição que representa.

Agências governamentais e fundações privadas financiam o treinamento de atores locais para aprenderem a atuar em parceria com atores dos EUA na aplicação de suas normas e leis, no emprego de suas técnicas ou na difusão de seus valores e ideologia. É a conexão desses fluxos – materiais, de poder e conhecimento – em laços de retroalimentação, que faz surgirem atores, singulares ou coletivos, como nodos dessa rede. Assim como surgem, os nodos podem ser desligados após gerarem os resultados esperados, simplesmente pelo corte do fluxo de recursos, de poder ou de informação que os alimentava. (Adaptação livre do que diz Euclides Mance em O Golpe)

3. Guerra de 4ª geração em Nossa América

A análise da situação geopolítica atual aponta para a ocorrência de uma guerra latente entre as grandes potências mundiais hoje polarizadas por EUA e China. Embora se mantenham as relações diplomáticas e as transações comerciais e financeiras entre esses dois polos do capitalismo contemporâneo, as tensões eclodem em forma descontínua e localizada. Examinarei aqui dois exemplos – Brasil e Venezuela – para mostrar como essa tensão geopolítica se desdobra em guerras de 4ª geração na América Latina e Caribe.

3. 1 Brasil

A hipótese desta análise é que a derrubada do governo de Dilma Rousseff, em 2016, faz parte de uma estratégia de guerra de 4ª geração iniciada nos primeiros meses de 2014 e que se estende pelo menos até a posse do atual governo. Sua causa está no conflito de interesses entre os governos liderados pelo Partido dos Trabalhadores – PT – e grupos petroleiros e financeiros dos EUA. A divergência era a exploração do petróleo do pré-sal e o alinhamento do Brasil com o bloco formado por Rússia, China, Índia e África do Sul – BRICS. No quadro geopolítico resultante da crise financeira de 2008, o controle do petróleo (e de seu preço) e a manutenção do US$ como moeda de referência mundial representam pontos de grande importância. Por isso, ao defender o monopólio estatal na exploração do petróleo e favorecer a aproximação com a China, aqueles governos passaram a ser tratados como uma forma de poder “hostil” e, por conseguinte, alvo da guerra de 4ª geração.

Fundamental para o êxito dessa guerra é a aliança das megaempresas com as classes dominantes do Brasil: cerca de 71.500 pessoas com rendimentos mensais superiores a 160 salários mínimos e patrimônio (bens e direitos) médio de R$17,7 milhões (Dados de Receita Federal de 2013). Em meio à crise econômica e política de 2013, esses muito-ricos romperam o pacto informal feito com o PT, que em troca da governabilidade postergou as reformas estruturais (agrária, fiscal, política) e a auditoria da dívida pública. Assim, o projeto social-desenvolvimentista foi trocado pelo programa de Temer Ponte para o futuroque favorecia a política de subordinação aos interesses dos EUA. Seu apoio à eleição de Bolsonaro para dar cobertura à política econômica ultraliberal de P. Guedes, é o coroamento daquela aliança entre os muito-ricos do Brasil e os dos EUA.

Pelo menos temporariamente, as classes dominantes conseguiram a adesão das classes médias e os votos da massa popular. Para isso contam com a colaboração da mídia corporativa, de militares, Igrejas neopentecostais e setores conservadores das Igrejas Evangélicas e Católica. Embora seu ideário político-social dependa de pensadores do quilate de Olavo Carvalho, isso parece bastar para conquistar a adesão da grande massa de insatisfeitos com o sistema atual, que atiça o desejo de consumo mas não o satisfaz. Na ânsia de uma nova política, essa massa deixa-se levar pela propaganda que recobre e disfarça as velhas práticas da politicagem nacional.

Desde a vitória eleitoral de Bolsonaro os grupos no poder têm recorrido à agressividade para eliminar – ou ao menos enfraquecer – os instrumentos de que dispõem as classes trabalhadoras e setores subalternos para se expressar ou se organizar (como os Partidos de esquerda, Movimentos como MST, MTST, de Indígenas, negros, mulheres, LGBT e outros). Essa agressividade estende-se a setores de Igrejas, da intelectualidade e de universidades vistas como forças de oposição ao novo governo. Mais grave ainda é a permissividade à violência (policial-militar ou miliciana) contra povos originários e a defensores e defensoras de Direitos Humanos, na cidade como no campo. É típica do fascismo essa atitude de pretender eliminar toda oposição, sem ceder espaço à luta política dentro da institucionalidade democrática.

Atenção. Esta análise indica que as classes trabalhadoras e os setores populares ou nacionalistas foram derrotados pela guerra de 4ª geração. Sintomas dessa derrota é a fragilização das instituições republicanas – os Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo – e a estagnação da economia, que não voltou a crescer significativamente desde 2014. Mas ainda é prematuro avaliar até que ponto suas forças foram exauridas e até que ponto têm capacidade de reação com real possibilidade de reverter a situação.

Convém pensar o Brasil atual como um país derrotado numa guerra de 4ª geração e com um governo a serviço dos muito-ricos e subordinado aos interesses das grandes empresas petrolíferas e financeiras dos EUA. Esse quadro, porém, não pode deixar de fora os sinais de vitalidade dos setores populares: (1) uma bancada suficientemente forte na Câmara para evitar aprovação de PECs, desde que construa um arco de alianças com partidos democráticos, significativa presença no Senado e conquista de Governos estaduais; (2) Movimentos Sociais organizados, Povos Indígenas, Partidos de esquerda, Sindicatos e novos coletivos dão mostras de resiliência e capacidade de reorganização desde as bases; (3) as propostas antidemocráticas do governo sofrem oposição da maioria da intelectualidade, de artistas e da população universitária; (4) CEBs e Pastorais sociais, bispos e padres católicos e pastores evangélicos, embora minoritários em sua Igreja, mantém vivo o Cristianismo da Libertação; (5) as pequenas unidades de economia solidária, cooperativas populares e assentamentos são alternativas à economia capitalista.

3.2 Venezuela

A estratégia de guerra de 4ª geração usada no Brasil – informações que descrevem o governo como corrupto – foi reforçada na Venezuela pelo bloqueio econômico que estrangula a economia nacional. Também ali está em jogo o controle do petróleo (e de seu preço) e a aproximação com China e Rússia. Fosse a Venezuela produtora de cacau ou café, provavelmente desenvolveria seu projeto bolivariano com autonomia.

Sinal evidente dessa estratégia de guerra é sustentação dada pelos EUA e meia centena de governos aliados ao inexperiente suplente de deputado eleito presidente da Assembleia e autoproclamado presidente da República. A ascensão política de J. Guaidó como expressão do descontentamento popular certamente foi possibilitada pela política econômica de Chávez e Maduro, que beneficiou antes a nova burguesia bolivariana e seus comandantes militares, do que o empoderamento econômico popular. Mas ela seria inexplicável se não considerasse a importância geopolítica de um país que, sendo grande exportador de petróleo e tendo enorme potencial para mineração, encontra-se a menos de 4.000 km do território estadunidense.

Apagões de eletricidade (provavelmente causados por ataques cibernéticos) e a recente intensificação do bloqueio a toda compra de petróleo sinalizam que a guerra vai continuar e intensificar-se em 2019. É verdade que a Venezuela conta com aliados poderosos – Rússia, Turquia, Irã e China – mas todos estão do outro lado do Atlântico. É bem diferente da guerra de 4ª geração contra a Síria, cujo regime sofreu igual ataque acompanhado de intervenção militar, mas ali a vizinha Rússia interveio militarmente e não permitiu que seu aliado fosse derrotado. No caso do regime bolivariano a situação é diferente, pois os principais vizinhos da Venezuela – Brasil e Colômbia – querem derrubá-lo.

Conclusão

A solução a ser encontrada pela Venezuela em conjunto com outros países de Nossa América será muito valiosa para aprendermos a lidar com essa nova forma de guerra, mas ainda não se consegue sequer vislumbrar qual será ela.

Cuba, Venezuela e a Bolívia são hoje os únicos regimes latino-americanos que resistem à hegemonia dos EUA, acompanhados até certo ponto por México, Uruguai e Nicarágua. Se os EUA conseguirem impor seus interesses geopolíticos sobre a Venezuela, o próximo alvo de guerra de 4ª geração será provavelmente a Amazônia, dada a ambição de empresas pelas reservas de água, biodiversidade e minerais contidas em seu enorme território.

Percebe-se, então, a intuição genial do Papa Francisco ao escolher a Amazônia como tema do próximo sínodo da Igreja Católica. Ela pode ser a instituição multinacional mais adequada à defesa da vida na Amazônia, dada a fragilidade atual da ONU, cujas resoluções são sujeitas a vetos das grandes potências. O Sínodo, reunindo bispos de todo o mundo, poderá despertar e mobilizar novas energias capazes de assegurar a Paz naTerra e com a Terra. Que o teor de fidelidade ao Evangelho no episcopado mundial seja suficientemente forte para resistir às pressões que virão dos poderosos!

Pedro A. Ribeiro de Oliveira - Membro da Coordenação Nacional
Pedro A. Ribeiro de Oliveira – Membro da Coordenação Nacional – Juiz de Fora MG

Fonte:

www.fepolitica.org.br

7 Comentários

  1. Comentário do Faustino Teixeira

    Pedro, fiquei encantado com o seu texto. Ele prima pela clareza e objetividade. É muito bom ler análises assim. Partilhei com muita gente. Você, como bom estudante da Bélgica, tem essa capacidade que nos impressiona e comove. E sem perder o filão crítico essencial.
    Parabéns,
    Dudu

  2. Comentário da Lúcia Ribeiro

    Realmente está excelente sua análise, objetiva, dando uma visão global dos diversos contextos
    e incluindo a dimensão do planeta terra , o que nem sempre se faz.
    Provavelmente, você terá apenas que completar a situação da Venezuela, que neste momento está em plena crise…
    Um beijo carinhoso,
    Lúcia

  3. Comentário do Ivo Lesbaupin

    Concordando com Dudu e Lúcia, apenas 2 observações:

    “Sinal evidente dessa estratégia de guerra é sustentação dada pelos EUA e meia centena de governos aliados ao inexperiente suplente de deputado eleito presidente da Assembleia e logo depois presidente da República”.

    Guaidó não se elegeu presidente da República: ele se autoproclamou presidente. São duas coisas totalmente diferentes. Apenas que, no caso dele, estava tudo combinado com Trump e suas tropas: daí o apoio imediato de inúmeros países submissos a esta liderança (Trump).

    Cuba, Venezuela e a Bolívia são hoje os únicos regimes latino-americanos que resistem à hegemonia dos EUA, acompanhados até certo ponto por México, Uruguai e Nicarágua.

    A Nicarágua do Ortega atual é um regime ditatorial de direita: eu não colocaria ao lado do México e do Uruguai.

    São observações pontuais, não mudam o sentido principal da análise.

    Um abraço,
    Ivo

  4. Comentário do autor Pedro Ribeiro

    Grato pelas observações, Ivo. Falhei mesmo no caso do Guaidó. O fato de ele ter-se proclamado presidente, eter sido reconhecido como tal por governos subservientes aos EUA não faz dele Presidente.
    Quanto à Nicarágua, fiquei em dúvida. É uma ditadura brabeira, sim, mas pelo que sei não apoia os EUA.
    Pedro

  5. Comentário de Magali do Nascimento Cunha

    Muito grata, Pedro. No dia 9 de maio estarei em Recife falando sobre a conjuntura política e a nossa fé no Encontro Anual da Diaconia.
    Sua abordagem, que já havia me instigado no Encontro de Emaús em março, é um subsídio muito importante.
    Abraço!
    Magali

  6. Comentário do Luiz Alberto Gomez de Souza

    Pedro.

    Só agora tive tempo para ler tua análise de conjuntura, enredado em decisões pessoais complexas. Fiquei impossibilitado de escrever sobre a situação brasileira (me assusta que nossos companheiros ocupem seu tempo em criticar ao cansaço o pensamento deste governo, que não merece análise alguma de suas ideias absurdas e ser apenas reativos diante das barbaridades das medidas governamentais, sem passar para medidas propositivas).

    Dito isso, tua análise foi uma luz para trazer a chave de analisar a realidade, abrindo-se de uma conjuntura assustadora, situando-a numa análise estrutural de maiores horizontes. Nos debates em Emaús sempre pedi mais processo histórico e menos impasses no imediato.

    Situar na dimensão planetária, onde o ambiente é questão política determinante, assino embaixo com entusiasmo. Também tua análise do sistema-mundo, em sua fase de financeirização, me faz relembrar nosso comum mestre Braudel e o texto de Arrigui sobre o longo século vinte. De acordo mais uma vez.

    Não me convence a ideia de guerra de quarta geração. É a mesma guerra imperialista, em uma nova etapa incluindo novos instrumentos, principalmente a informação, com o avanço da informática, fortalecendo a hegemonia pela manipulação da mídia, com suas “fake news” e a reiteração de meias verdades. Mas nisso estamos mais uma vez de acordo.

    Assino embaixo da análise do caso brasileiro.

    O venezuelano é mais ambíguo. Sempre tomei distância do chamado bolivarianismo Chavez –Maduro, este último mais tosco e cheio de clichês. Como dizes bem, sua política econômica esteve voltada para sua burguesia e militares. Medidas populistas sempre foram paternalistas. Isso facilita o ataque americano. Como Assad, ditador implacável na Síria, faz difícil defendê-lo. O terrível é que temos de nos opor a Trump e seu embargo criminoso, sem ocultar a parte de culpa do chavismo. Há que sair de uma visão maniqueísta. Firmemente contra a pressão americana neste momento sem endossar a política de Maduro. Sei que é difícil de expressar-se assim. Mas indispensável se, no futuro, fizermos o balanço tanto da agressão americana, quanto do autoritarismo do governo venezuelano. Diante de uma posição semelhante face ao socialismo real, Mounier não escondia a crítica aos dois lados, no que ele chamava “as certezas difíceis”.

    Semelhante ao caso nicaragüense, que como lembrou muito bem o Ivo, trata-se “de um regime ditatorial de direita”, se acreditamos em Ernesto Cardenal e Sérgio Ramirez. Tiraria a mensão a Nicaragua , e daria realce a México e Uruguai.

    Tenho que terminar. Felicito a análise como um todo.

    Do irmão-companheiro,
    Luiz Alberto.

  7. Comentário do Leonardo Boff

    Caro Pedro e amigos,
    Achei sua análise de conjuntura pertinente e bem vertebrada enriquecida com os comentários de vários colegas. Vou meter a minha cunha nesta discussão com algumas reflexões que sempre povoam minha mente.
    Achei importante a concepção, presente no texto do Pedro e que sempre tenho defendido nas minhas intervenções faladas ou escritas: não se pode pensar a crise brasileira somente a partir do Brasil. Ela se insere na crise dos fundamentos do sistema e da cultura do capital. Aqui, no meu modo de ver, de trava uma das últimas etapas desse modo de produção (capitalismo) e de sua ideologia política (liberalismo nas suas várias graduações).
    Vejo um aspecto positivo na nossa crise, porque ela nos obriga a pensar o todo que, se quisermos sobreviver, devemos dar um salto quântico rumo a uma civilização centrada não na produção industrial mas na sustentação de toda vida ou numa civilização biocentrada ou, na feliz expressão de Ignace Sachs e Ladislau Dowbor, numa civilização da boa esperança. Como afirmou Jacques Atalli no final de seu livro Breve História do Futuro: se há um país do mundo que pode antecipar o novo que virá este será o Brasil pois possui todas as condições ecológicas, culturais e populacionais para realizar ente ensaio antecipador. À luz disso, escrevi meu ensaio “Brasil: concluir a refundação ou prolongar a dependência”, Vozes 2018. À diferença de Jessé Souza que faz a crítica contundente (um pouco exacerbada), da atual ordem tola, tento recolher os dados positivos que estão à nossa mão que nos permitirão sonhar e antecipar esse novo: a nossa natureza extremamente rica, o nosso povo plural e altamente criativo e a nossa cultura que ostenta originalidade e influencia outras do mundo.
    Ademais a questão ecológica é fundamental, pois ela sobrecondiciona todos os problemas. Há uma ameaça real sobre o sistema-vida e o sistema-Terra. Coloca-se apenas em dúvida o tempo em que vai acontecer. Mas a seguir a linha atual ela vai acontecer. Penso que aqui Marx na Miséria da Filosofia, viu a tendência para onde leva a lógica do capital: à corrupção geral e a venalidade total de todas as coisas ao colocar até as coisas mais sagradas no mercado onde ganharão o seu devido preço, coisa que, em 1944, Karl Polaniy, na Grande Transformação, o formalizou sistematicamente. O pior que nos pode acontecer é não tomar a sério esta ameaça e deixar correrem as coisas como estão. Bem advertiu, pouco antes de morrer, Sigmund Bauman: temos mais problemas que podemos resolver, mais desafios para os quais não temos como enfrentá-los; por isso temos que nos dar as mãos, pois, caso contrário, vamos engrossar o cortejo daqueles que vão rumo ao seu fim numa vala comum.
    Essa reflexão que nós intelectuais devemos sempre proclamar é anti-sistêmica e por isso não é ouvida pelas grandes corporações e pelos estados reféns delas ou comprometidos com elas. Tudo é negócio as usual.
    Quero recordar três pontos que encontrei no grandioso livro (que recomendo vivamente) de nosso exímio analista da política norte-americana Moniz Bandeira no seu A Desordem Mundial (umas 500 páginas com cerca de 150 páginas de notas) e com o qual tive uma boa correspondência intelectual e amial. Ai com minuciosa informação revela os três eixos capitais da estratégia dos USA, elaborada pelo Pentágono e pelas 14 agências de segurança criadas depois dos atentados às Torres Gêmeas:
    1. Um mundo e um só império: o império são os Estados Unidos da América que ainda mantém, embora em decadência, a hegemonia mundial. Querem assegurá-la por todos os meios (O papa Francisco em sua encíclica sobre o cuidado da Casa Comum contrapõe com esta ideia: uma só humanidade numa só Casa Comum). Para isso:
    2. Cobrir todos os espaços (full scream dominance): colocar sobre todos espaços do planeta bases militares, fortemente guarnecidas com todo o tipo de armas, nucleares, químicas e biológicas. São mais de 800 bases, algumas-chave, com ogivas nucleares que podem ser disparadas em três minutos. Nesta estratégia efetivamente cobriram todos os espaços, em colaboração com a Nato que avançou suas bases de foguetes balísticos para perto dos limites da Rússia. Os estrategistas norte-americanos se deram conta de que o Atlântico Sul estava a descoberto. E colocavam a questão: quem vai controlar a quinta economia do mundo, a brasileira, nós ou a China? Em razão disso, trataram de colocar frente ao pré-sal a quinta frota que estava desativada desde 1950. Só o porta-aviões com diferentes armas, inclusive nucleares, tem mais poder de fogo que todas as armas da segunda-guerra mundial, além de submarinos a propulsão nuclear e outras naves. Já tinham base na Colombia, no Caribe, Peru. Faltava no grande Sul, na Argentina e no Brasil. Macri cedeu o espaço para uma base em Uchuaia e outra na tríplice fronteira, em construção (Brasil, Paraguai e Brasil). Do Brasil bastava conquistar a base de lançamento de foguetes em Alcântara. Os governos brasileiros sempre resistiram soberanamente. Bolsonaro a entregou de mão beijada sem nenhuma compensação em troca além das convencionais.
    3. Desestabilizar todos os governos progressitas que resistem a submeter-se à lógica imperial. Não se fará mais como antes com golpes militares e tanques na rua. Será um golpe brando, mediante alguns passos que devem ser articulados entre si: um concluio com o parlamento, com o justiça, com os meios empresariais de comunicação e com a polícia militar. Começa-se com difamar a política como o mundo do sujo e do currupto; segue-se com o descrédito do Estado como corrupto e ineficiente; em seguida difamar os líderes populares, submetê-los à justiça e pela aplicação do lawfare até levá-los à prisão. Dar absoluta centralidade ao mercado, privatizar o mais possível, desregular as leis do trabalho e da previdência social, criminalizar os movimentos sociais com cariz transformador e recolonizar os países sul-americanos para serem meros exportadores de commodities o que implica desacelerar o desenvolvimento de sua base industrial. Para isso alargar o espaço do agro-negócio e liberar a ocupação das reservas naturais e dos povos indígenas para a produção agro-industrial e bovina, de exportação.
    Esta estratégia foi testada e Honduras, no Paraguai e agora no Brasil. Se bem reparamos o impeachment de Dilma obedeceu a esta cartilha. E funcionou. Agora está sendo implementada explicitamente pelo atual governo do ex-capitão que foi aos USA para prestar vassalagem ao donos do poder imperial e acolher todas as suas diretrizes. O efeito final é um Estado pós-democrático e um Estado sem lei. Rompe com o pacto constitucional de 1988, passa-se por cima das leis e a relação para com a sociedade é de violência, de meias- verdades, de mentiras explicitas e dos fake news, com a brutalizarão das ações repressivas.
    O Brasil atual aderiu completamente a estes três pontos. Moniz Bandeira refere e Lula em sua entrevista o disse claramente: tudo foi decidido politicamente no Departamento de Justiça (ou de Estado?) dos USA. Formaram promotores e especificamente o juiz Sergio Moro na aplicação desta estratégia. E para conferir-lhe certa aura de credibilidade a Moro, diz-se que estudou em Harvard. Na verdade lá ficou apenas 40 dias para aperfeiçoar a aplicação da lawfare.
    Como vamos enfrentar este tipo de dominação que já é mundial dentro da qual estamos diretamente metidos? A nova guerra-fria não é mais USA e Rússia, mas USA e China. Os USA querem ganhar e assegurar a hegemonia belicamente. A China, economicamente, em particular mediante o Caminho da Seda que envolve, nas várias etapas, cerca de 40 trilhões de dólares.
    Tenho uma visão sombria: vamos ao encontro de um confronto de gigantes pondo em risco a vida sobre o planeta e o nosso ensaio civilizatório. Quem sobreviverá, não pode repetir o velho. Terá a chance de inaugurar o novo, quem sabe, uma super-democracia planetária gestionada colegialmente que cuidará de garantir os meios de vida não só para nós mas também para toda a comunidade de vida sem a qual nem nós sobreviveríamos. Mas acontecerá por aqueles protagonistas que já agora se movem dentro do novo paradigma ecológico-social (a era do ecoceno em oposição à do antropoceno) e se recusam de prolongar ou replicar o velho que nos levou ao desastre.
    Anima-me a fé, a sola fides, de que Deus que é o “apaixonado amante da vida”(Sabedoria 11,24) não deixará que nossa vida (já eternizada pela entronização do ser humano homem e mulher por Cristo e Maria no seio da Trindade) desapareça assim miseravelmente. Ou as palavras finais do papa Francisco na referida encíclica, sob o signo do “Para além do Sol”: “Caminhemos cantando que as nossas lutas e a nossa preocupação por este planeta não nos tirem a alegria da esperança” (n. 244).
    A vida continua e deve continuar.
    Abraço a todos com uma esperança inquieta
    Lboff
    Petrópolis 03/05/ 2019

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