O Observatório da Evangelização, com o objetivo de alimentar as reflexões do mês de agosto, mês tradicionalmente consagrado pela Igreja católica como mês das vocações, publicará uma série de matérias sobre o tema da vocação cristã.
Para começar, em clima de oração ao Senhor da Messe, uma reflexão mais geral sobre o tema de fundo. Este será seguido de reflexões sobre as diversas vocações específicas.
Confira:
Vocação: proposta de Deus e resposta do ser humano
Vocação, enquanto proposta e resposta, só pode ser compreendido de um encontro de liberdades, da liberdade divina, que chama e propõe, e humana, que escuta, discerne e responde. Nenhuma vocação é imposição. Ao contrário, toda vocação é apelo, interpelação divina, que brota das urgências e necessidades uma realidade específica, à liberdade humana. Portanto, supõe discernimento, generosidade, preparação e entrega à missão confiada.
No senso comum da cultura religiosa cristã católica o termo vocação é acolhido e compreendido como um dom, um chamado de Deus para que pessoas, pela própria graça divina, se disponham a ajudar, amar e servir, na realização do projeto divino de salvação. Deus está presente na proposta, no chamado, e na resposta, no fortalecimento para que as condições históricas para a realização da vocação sejam favoráveis. O ser humano está presente na escuta, no discernimento e na interpretação da proposta e na generosidade e na qualidade da resposta.
Na realização histórica do Reino de Deus, do plano divino de salvação universal, Deus, em seu mistério insondável, quis contar com a participação ativa do ser humano. Por um lado, à Deus cabe a iniciativa da PROPOSTA, ou seja, de chamar, de tomar a iniciativa de interpelar as pessoas e oferecer as condições históricas para que estas decidam contribuir e servir, e por outro, à pessoa humana cabe a RESPOSTA, livre e generosa, ao chamado divino. Antes da resposta, cabe ao ser humano discernir e interpretar a proposta dentro da realidade onde está inserido. Depois da resposta, cabe também ao ser humano cuidar de purificar-se continuamente no encontro de fé com a pessoa de Jesus. Portanto, vocação é tanto o chamado, a iniciativa da proposta de Deus captada a partir de uma realidade específica quanto a autêntica adesão humana, a entrega por amor em resposta ao chamado de Deus para amar e servir.
Segundo a experiência cristã, a vocação é, antes de tudo, uma experiência de fé e graça de Deus. Deus toma a iniciativa de revelar a si mesmo e o seu amor gratuito por nós desde o início da obra da criação. Cria tudo em Cristo e, com a sabedoria e a criatividade do Espírito Santo, torna historicamente possível ao ser humano captar a autorrevelação do amor divino e de seu projeto salvífico universal. Isso porque ao ser humano concede muitos dons, dentre estes, os dons da consciência, da liberdade, da curiosidade aprendiz, da criatividade, da sensibilidade, da fé e da capacidade de amar.
Segundo as Escrituras, de muitas maneiras Deus se revela e desperta em nós a percepção dos sinais de sua presença transcendente, discreta para nós, mas amorosa, presente e sempre atuante em nossa vida. Por exemplo, o mistério de beleza e grandiosidade da criação fala-nos de modo próprio de Deus: o sol, a lua, as estrelas, o mar, a diversidade das plantas e animais. De modo outro, a singularidade e riqueza do fenômeno humano com todas as suas culturas, tradições de sabedoria e os incontáveis feitos fala-nos de Deus. As atitudes e posturas de determinadas pessoas toca-nos por dentro e levantam as perguntas que nos fazem abrir-se ao mistério e buscar a experiência de Deus.
Na tradição judaico-cristã, damos muita atenção ao testemunho de Abraão e de sua descendência, aos feitos de Moisés e ao testemunho de muitos homens e mulheres reconhecidos como profetas e profetizas de Deus. Mas, de modo muito singular, a pessoa e a vida de Jesus de Nazaré, seus ensinamentos e ações, nos levaram a acolhê-lo como a plenitude da revelação do rosto de Deus e de seu projeto universal de salvação, como privilegiado para Caminho para Deus, como Verdade luminosa sobre Deus e como a própria Vida de Deus no meio de nós e para nós.
Jesus foi um Projeta da Galiléia, poderoso em palavras e ações, que, por sua fidelidade até as últimas consequências na cruz ao Reino de Deus – Reino de justiça e paz captado a partir dos grito os excluídos, do sapelos da vida dos mais pobres e marginalizados da mesa da dignidade humana, pela sociedade e pela religião – foi ressuscitado por Deus e agora está vivo e atuante, através do Espírito Santo, na vida de cada um de nós e na dinâmica de cada grupo, movimento e, sobretudo, de cada comunidade de fé que forma a Igreja de Cristo, sacramento de Deus para toda a humanidade.
Doravante, toda e qualquer vocação cristã passará a ser reconhecida somente a partir da fidelidade aos critérios que emergem da vida de Jesus como concretização e explicitação da vontade de Deus. A vida de Jesus é um dom que nos foi dado pela graça de Deus. Jesus de Nazaré é revelação do ser e da vontade de Deus. Por isso toda vocação cristã deverá ser continuamente purificada no encontro do vocacionado com a pessoa de Jesus, na busca de discernir a vontade divina e se colocar a serviço da realização histórica dessa vontade, inserido no contexto da realidade dos mais pobres onde está inserido na sociedade e na Igreja.
Na caminhada histórica do cristianismo, foi ficando claro que toda vocação cristã é um chamado divino, captado por meio dos apelos que emergem das urgências e necessidades da realidade histórica dos mais pobres e socialmente vulneráveis onde a pessoa vocacionada está situada. Este chamado se apresenta, aos olhos da fé, como proposta de Deus, que geralmente nasce do encantamento e do entusiasmo que emerge do encontro de fé com a pessoa de Jesus de Nazaré, profeta fiel, morto e ressuscitado, para amá-Lo e segui-Lo. O amor e o seguimento de Jesus desperta na pessoa vocacionada, o desejo de resposta generosa ao Deus da vida, que, por abertura ao Espírito Santo, passa a cultivar postura de escuta e discernimento da vontade de Deus e, como o Mestre da Galiléia, quer colocar-se livremente a serviço do Reino da justiça e ajudar na caminhada de fé do povo de Deus, rumo a pátria definitiva na plenitude de comunhão com Deus.
Prof. Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães é teólogo leigo, casado, membro do Conselho de Pastoral Arquidiocesano e secretário executivo do Observatório da Evangelização PUC Minas.