A Igreja não pode se calar
Diante da grave ameaça contra os mais pobres e socialmente vulneráveis, promovida pelas elites econômicas do país, tendo como alvo direto e explícito a destruição agressiva dos avanços sociais duramente conquistados nos últimos anos, com a luta dos movimentos populares, grupos de direitos humanos, igrejas e com a aprovação da Constituição de 1988… a Igreja não pode se calar.
Como guardiã da ética e da dignidade da vida, a Igreja também não pode se calar diante das forças dominantes que se mostram cada vez mais poderosas e insensíveis ao grito dos excluídos. Essas forças, depois de concentrar o poder em suas mãos, lançam mão de inúmeros mecanismos sociopolíticos, tais como monopólio dos MCS, com intensa manipulação dos acontecimentos; financiamento espúrio de campanhas estratégicas nos três níveis federal, estadual e municipal, formando bancadas cooptadas e submissas aos seus interesses no Senado e na Câmara Federal, Estadual e Municipal; cooptação de membros do poder judiciário e do Ministério Público federal e estadual, colocando gravemente em risco a lisura e a transparência dos processos de investigação e julgamento. Agem sem qualquer escrúpulo ou limite ético humanista na certeza de sua impunidade e de ter consolidado uma classe política submissa e praticamente surda aos clamores das ruas e ao grito dos empobrecidos.
Com a mesma coragem dos profetas, da coerência do papa Francisco e de tantos outros homens e mulheres comprometidos com a igual dignidade humana e a construção de outra sociedade possível, a Igreja levanta a sua voz:
I
Carta Aberta da Diocese de Goiás
“Eu vi muito bem a miséria do meu povo que está no Egito. Ouvi o seu clamor contra seus opressores, e conheço os seus sofrimentos. Por isso, desci para libertá-lo do poder dos egípcios…” (Ex 3,7-8)
Nós, cristãos e cristãs da Diocese de Goiás, representantes de 23 munícipios do Estado de Goiás, reunidos em Coordenação Diocesana de Pastoral nos dias 18 e 19 de março de 2017, atentos e atentas aos “gritos que saem do chão dos oprimidos” e, sob a orientação de nossa missão evangelizadora, vivenciamos com muita tristeza e pesar as ameaças aos direitos sociais constituídos. Esta é a principal realidade que nos interpela no momento, em nome do Evangelho.
Constatamos perplexos a insensibilidade da Comissão da Reforma da Previdência e demais parlamentares no encaminhamento da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) n° 287/2016, enviada pelo Governo, que propõe alterar a Constituição Federal. Caso esse texto seja votado, tal como se apresenta trará grandes e profundas consequências, gerando o aumento da desigualdade social, o que é, na prática, um enorme retrocesso aos direitos fundamentais conquistados.
Entre tantos outros males provocados por essa PEC cruel, destacamos:
- A idade mínima de 65 anos para ambos os sexos, do meio urbano e rural;
- O tempo de contribuição de 49 anos para obtenção de 100% da aposentadoria, do meio urbano e rural; e
- A extinção da isenção previdenciária para as entidades filantrópicas.
O desejo do Governo é que a tramitação desse Projeto seja acelerado e aprovado, no menor espaço de tempo. Condenamos veementemente esta atitude que impede a manifestação das entidades de classe e dos clamores do povo vindos das ruas. Lembramos que tal atitude associa-se também ao Projeto de Lei Trabalhista que retira direitos constitucionais dos trabalhadores em benefício dos grupos econômicos nacionais e internacionais.
Diante do exposto, o Evangelho nos motiva, a não nos acomodarmos ou esmorecermos diante das forças contrárias a vida. É preciso nos mobilizarmos e defendermos os nossos direitos, ou mais uma vez os pobres pagarão as mordomias dos que nos governam.
Não podemos nos calar, precisamos unir nossa voz a voz dos diversos seguimentos que “DIZEM NÃO” a estas propostas perversas. Pois, enfrentar essa questão é uma posição evangélica.
Por isso, nós, Igreja de Goiás, reafirmamos o compromisso com a democracia, os direitos e garantias historicamente conquistados com muita luta e suor do povo brasileiro.
A Diocese de Goiás não se curvará diante das forças da morte!
Cidade de Goiás, 19 de março de 2017
Coordenação Diocesana de Pastoral
Pe. Antonio da Mota Bastos Vigário Geral da Diocese de Goiás
Dom Eugênio Rixen
Bispo de Goiás
II
Carta Pastoral do Bispo de Volta Redonda
AO POVO DE DEUS DAS COMUNIDADES DA IGREJA CATÓLICA
Assim fala o Senhor Deus: “Grita forte, sem cessar, levanta a voz como trombeta e denuncia os crimes contra o meu povo e os pecados da casa de Jacó”. (Is. 58,1)
Caros fiéis
Diante da gravidade do momento político, social, econômico e moral que vivemos nos últimos tempos e inspirados pelo testemunho do Evangelho, não podemos ficar calados.
No conturbado ano de 2016, o nosso país deparou-se com uma avalanche de projetos e decisões do Congresso – alguns já implementados – que claramente trarão em curto e médio prazos consequências graves para toda a sociedade brasileira, de modo especial para os trabalhadores e os pobres.
A crise economica é apresentada como a grande vilã do momento, pela qual se justifica qualquer medida sócio-político-econômica. As medidas são impostas em pacotes prontos e fechados. O Congresso e o Senado servem apenas como fachada para dar legalidade ao que uma elite conservadora já decidiu de antemão: privilegiar o sistema financeiro e defender os interesses do grande capital. O preço é impor enormes sacrifícios aos mais pobres e desestruturar as condições de sobrevivência das pequenas empresas e da própria economia familiar.
Como a atenção da população está focada na crise econômica, é importante não nos distrairmos em relação a outros setores da vida social, tais como:
• a polêmica reforma do ensino médio,
• a redução da maioridade penal com medidas duras de imputar penalmente os adolescentes,
• a reforma da Previdência Social em tramitação no Congresso nestes dias, com consequências desastrosas para os empobrecidos no próximo futuro,
• e as alterações em leis trabalhistas conquistadas com luta e sangue de operários.
Infelizmente todas essas medidas apontam para sérios retrocessos em diversas conquistas que resultaram da mobilização de milhões de brasileiros e brasileiras desde tempos passados, como o da Constituinte, até os nossos dias.
É escandalosa a ascensão ao poder de pessoas de duvidosa reputação, sob suspeita de corrupcão ou em adiantado processo de investigação, para ocupar cargos de alta responsabilidade no Legislativo, no Judiciário e no Executivo.
Assistimos a um grande recuo de iniciativas que resgatem a dignidade popular. Até propostas de lei de iniciativa popular, um grande avanço constitucional, são barradas no Congresso. Vozes inconformadas e clamor popular que manifestam insatisfação ou dissenso são apresentados pela mídia como elementos de estorvo e distúrbio diante da perspectiva de constituir uma “nova ordem” para salvar o país. Assim as leis e a governança não colocam a economia e a atividade política a serviço da pessoa humana e das suas necessidades básicas, pelo contrário a gestão da coisa pública e a aprovação de emendas parlamentares são pensadas para salvar um projeto de economia neo-liberal que impõe pesos insuportáveis nos ombros dos mais pobres.
Outras questões graves nos preocupam: vemos aprovadas leis, varadas na calada da noite ou com canetadas do Judiciário, que desmantelam a família, negam dignidade ao nascituro e descaracterizam a concepção da identidade sexual da pessoa humana, ferindo profundamente a sensibilidade de grande maioria do povo brasileiro.
Assim o Estado se dissocia da sociedade civil como um todo e não interpreta os seus anseios, pelo contrário é usado por grupos políticos e econômicos que dele se apossaram para sujeitá-lo a seus interesses.
Na nossa região as consequências das medidas apresentadas são agravadas pela falência do Estado do Rio de Janeiro e a total ineficiência dos ôrgãos governamentais que dificulta possíveis parcerias com a iniciativa privada. A privatização da CEDAE é a expressão mais eloquente de um Estado que agoniza e se submete às leis do mercado para poder de algum modo sobreviver.
O que mais preocupa a nossa população é o agravar-se da violência alimentada pelo tráfico, a falta de perspectivas e de oportunidades para a juventude, o desemprego generalizado que atinge as famílias e congela a economia, a precariedade da saúde pública e o desmantelamento do SUS de tal forma que os mais pobres, quando ficam doentes, são condenados a sofrer uma lenta agonia, enfim o desespero da fome que leva famílias inteiras a buscar alimento a qualquer custo, quando não podem mais contar com a solidariedade dos bons.
Conclamamos todas as pessoas de boa vontade, sensíveis aos valores da justiça e da solidariedade a se juntarem e a se manifestarem contra as medidas que afetam o bem comum e a vida dos mais pobres e indefesos. Esta é a hora em que cada de nós é chamado a exercer a cidadania em relação aos deputados e senadores que pediram e ganharam o nosso voto na época das eleições para cobrar deles postura digna e coerente na hora de votar emendas parlamentares que podem prejudicar os seus eleitores.
O Senhor nos chama a ser protagonistas da salvação como seus colaboradores na construção do Reino. Ele nos convida à vivência da fé, ao exercício da esperança e ao testemunho da caridade. Isso acontece de fato através de uma ação firme e determinada em defesa da educação e saúde públicas de qualidade, do direito ao trabalho digno, ao gozo da vida no tempo da justa aposentadoria, do acesso ao lazer, à cultura e à moradia, ao direito a uma alimentação saudável para saciar a fome e a sede para viver com dignidade cuidando da nossa Casa Comum.
Vivemos tempos difíceis! A nossa fé nos guie e nos fortaleça para podermos assumir a missão de trabalhar para que todos tenham vida e vida plena.
Com minha bênção de pastor
Volta Redonda, 17 de março de 2017
Dom Francisco Biasin