O Observatório compartilha aqui a série de artigos sobre o laicato do teólogo pastoralista Agenor Brighenti, por duas razões: primeiro, diante dos poucos frutos eclesiais do Ano do Laicato, segundo, o marco da recente celebração dos 30 anos da publicação da Exortação Christifideles Laici, pelo papa João Paulo II, em 1988, sobre a vocação e a missão dos leigos na Igreja e no mundo. Nosso objetivo é provocar a reflexão e a conversão pastoral eclesial no ano do Sínodo da Amazônia…
Serão dez artigos dedicados à situação (três artigos), à vocação (quatro artigos) e à missão (três artigos) do laicato na Igreja e no mundo.
Leia a seguir o quarto artigo sobre a vocação do laicato na Igreja hoje:
O laicato na Igreja e no mundo (7)
Por Agenor Brighenti
Em grande medida, as mudanças do Vaticano II se deram antes dele, nos movimentos inovadores que o prepararam, entre eles, o movimento do laicato, em especial a Ação Católica. O Concílio, praticamente assumiu a teologia do laicato elaborada na década de 1950, situando-a na concepção da Igreja como “Povo de Deus”.
A Lumen Gentium caracteriza de forma clara e concisa a identidade do laicato:
“os leigos são fiéis que pelo batismo foram incorporados a Cristo, constituídos no povo de Deus e, a seu modo, feitos partícipes do múnus sacerdotal, profético e régio de Cristo, pelo que exercem sua parte na missão de todo o povo cristão na Igreja e no mundo” (LG 31).
Três aspectos principais da identidade do leigo são mencionados pelo Concílio:
- a relação com Cristo;
- a relação com a Igreja;
- a relação com o mundo.
É desta tríplice relação que nasce a vocação e a missão do laicato.
Identidade que se funda na relação com Jesus Cristo
Como com todos os cristãos, pelo batismo os leigos e leigas são enxertados em Cristo. Este sacramento da iniciação cristã incorpora o fiel a Jesus e à sua missão-missão da Igreja, que consiste em continuar sua obra, que é o Reino de Deus, por ele inaugurado e tornado presente em sua pessoa. É do batismo de onde derivam todos os ministérios, incluídos os ministérios ordenados, o que faz de todos os fiéis “sujeitos” na Igreja, dada a “radical igualdade em dignidade de todos os ministérios”, diz o Concílio.
Consequentemente, o “apostolado” do leigo não se remete a um “mandato da hierarquia”, mas ao “mandato de Cristo”, uma vez enxertado Nele pelo batismo. A missão dos leigos não é a de “colaborar” ou “cooperar” com o clero, mas de continuar a obra de Jesus na Igreja, numa relação de igualdade e corresponsabilidade entre todos os batizados.
Identidade que se funda na relação com a Igreja
Como o seguimento do Mestre consiste em continuar sua obra na comunidade dos discípulos, a identidade do laicato, além de fundar-se em Cristo, também está relacionada à Igreja. Pelo batismo, através de Cristo, todos os fiéis são profetas, sacerdotes e reis, no seio do Povo de Deus, que é a Igreja, um povo todo ele profético (LG 35), sacerdotal (LG 34) e régio (LG 36).
Consequentemente, é o sacerdócio ministerial que está fundado no sacerdócio comum dos fiéis, a base laical da Igreja, e não o contrário. O leigo, numa Igreja como “comunidade de iguais”, tem uma identidade, não assentada sobre o binômio “clero-leigos”, mas sobre “comunidade-ministérios”, uma Igreja toda ela ministerial, em decorrência do tríplice múnus que todo fiel recebe no batismo.
A relação, pois, entre os membros da Igreja não é de superioridade ou inferioridade, mas de complementariedade, no serviço à causa do Reino de Deus.
Identidade que se funda na relação com o mundo
Finalmente, a identidade do laicato, além da relação com Jesus e sua Igreja, deriva também de sua relação com o mundo. Todo cristão, pelo batismo, tem uma missão a realizar na Igreja e no mundo. É Jesus que envia o cristão ao mundo, seja ele membro do laicato ou do clero. Portanto, a missão dos leigos no mundo, não se dá pelo “mandato”, delegação ou envio por parte da hierarquia.
Frisa o Concílio Vaticano II que ela se dá pelo fato da Igreja estar no mundo e existir para a salvação do mundo, compromisso de todo batizado, incluídos os ministros ordenados. Tanto o clero como os leigos são depositários de uma missão a ser desempenhada na Igreja e no mundo. Antes do Vaticano II, se tendia a pensar que o lugar e a missão do clero é no interior da Igreja e o lugar e a missão dos leigos é no mundo.
A Constituição Gaudium et Spes é clara em relação à missão de todo batizado no mundo:
“a esperança de uma Nova-terra, longe de atenuar, antes deve impulsionar a solicitude pelo aperfeiçoamento desta terra” (GS 39).
E continua:
“afastam-se da verdade os que sabendo não termos aqui morada permanente, mas buscamos a futura julgam, por conseguinte, poderem negligenciar os seus deveres terrestres, sem perceberem que estão mais obrigados a cumpri-los, por causa da própria fé, de acordo com a vocação à qual cada um foi chamado“.
E adverte:
“não erram menos aqueles que, ao contrário, pensam que podem entregar-se de tal maneira às atividades terrestres, como se elas fossem absolutamente alheias à vida religiosa, julgando que esta consiste somente em atos de culto e ao cumprimento de alguns deveres morais.
Este divórcio entre fé professada e a vida cotidiana de muitos deve ser enumerado entre os erros mais graves de nosso tempo“.
E conclui:
“ao negligenciar os seus deveres temporais, o cristão negligencia os seus deveres para com o próximo e o próprio Deus e coloca em perigo a sua salvação eterna” (GS 43).
(os grifos são nossos)
Sobre o autor:
Doutor em Ciências teológicas e religiosas pela Universidade Católica de Louvain, Bélgica; professor-pesquisador da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), Curitiba; professor visitante do Instituto Teológico-Pastoral para América Latina do CELAM, em Bogotá, e membro da Equipe de Reflexão Teológica-Pastoral do CELAM.
Fonte:
Não seria possível esquecer a palavra LEIGO… Há uma carga pejorativa na palavra…Reforça -se a divisão hierárquica da Igreja… Todos sem exceção não poderiam ser chamados de “cristãos “…Embora seja louvável.. por exemplo…dedicar um ano ao “laicato”, provocando o seu protagonismo, ainda é pouco pois…normalmente…tal convocação parte da Hierarquia. Como se assim afirmassem: Agora vocês podem participar. Têm permissão…
Olá Gil, boa e pertinente reflexão. Somos herdeiros de uma história na qual os conceitos foram sendo modificados e deturpados. Na verdade todos os batizados somos leigos (=membros do povo de Deus). O problema surgiu com a “teologia do ministério ordenado” que paulatinamente os transformaram de servidores do povo de Deus em detentores do poder clerical. E, como consequência, o sacramento da ordem foi ocupando a centralidade, o lugar do batismo. E os leigos passaram a ser definidos pelo negativo: aqueles que não têm o poder clerical. Na Palavra de Deus, juntos formamos um povo sacerdotal, corpo de Cristo. Mas, na prática, estamos longe desta concepção recuperada da Igreja primitiva pelo Concílio Vaticano II.
Um forte abraço,
Edward Guimarães