“A fraternidade humana em prol da paz mundial e da convivência comum” – 1ª Parte

Para Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG, o Documento “é um passo de grande importância no diálogo entre cristãos e muçulmanos e um poderoso sinal de paz e esperança para o futuro da humanidade”.

Francisco e Al-Tayyib “indicaram juntos um caminho de paz e reconciliação no qual todos os homens de boa vontade podem caminhar, não apenas cristãos e muçulmanos”.

No dia 4 de fevereiro de 2019, o Papa Francisco (em viagem apostólica aos Emirados Árabes Unidos: 3-5/02/19) e o Grão-Imame de Al-Azhar Ahmed Al-Tayyeb assinaram conjuntamente – no final do Encontro Inter-religioso em Abu Dhabi – o Documento sobre “A Fraternidade Humana em prol da Paz Mundial e da convivência comum”.

É um Documento “corajoso e profético, porque enfrenta, chamando-os pelo nome, os temas mais urgentes do nosso tempo. Temas sobre os quais quem acredita em Deus é exortado a questionar a própria consciência e a assumir com confiança e decisão sua responsabilidade de dar vida a um mundo mais justo e solidário”.

É também “um apelo vibrante a responder o mal com o bem, a fortalecer o diálogo inter-religioso e a promover o respeito mútuo para bloquear o caminho daqueles que sopram no fogo do conflito de civilizações”.

O Papa e o Grão-Imame, “com palavras inequívocas, advertem que ninguém está autorizado a instrumentalizar o nome de Deus para justificar a guerra, o terrorismo e qualquer outra forma de violência. Reafirmam que a vida deve sempre ser preservada (reparem: sempre ser preservada) como devem ser plenamente reconhecidos os direitos das mulheres, rejeitando qualquer prática discriminatória contra elas”.

E ainda: “Diante de uma humanidade ferida por tantas divisões e fanatismos ideológicos, mostram que promover a cultura do encontro não é uma utopia, mas a condição necessária para viver em paz e deixar às gerações futuras um mundo melhor do que aquele em que vivemos”. 

No Prefácio do Documento, Francisco e Al-Tayyib nos transmitem uma mensagem tão bonita, que – se vivida – revoluciona todos os critérios da convivência humano-ambiental.

Afirmam: “A fé leva o crente a ver no outro um irmão que se deve apoiar e amar. Da fé em Deus, que criou o universo, as criaturas e todos os seres humanos – iguais pela Sua Misericórdia -, o crente é chamado a expressar esta fraternidade humana, salvaguardando a criação e todo o universo e apoiando todas as pessoas, especialmente as mais necessitadas e pobres”.

O Papa e o Grão-Imame continuam fazendo memória da realidade na qual vivemos: “Partindo deste valor transcendente, em vários encontros dominados por uma atmosfera de fraternidade e amizade, compartilhamos as alegrias, as tristezas e os problemas do mundo contemporâneo, a nível do progresso científico e técnico, das conquistas terapêuticas, da era digital, dos mass-media, das comunicações; a nível da pobreza, das guerras e das aflições de tantos irmãos e irmãs em diferentes partes do mundo, por causa da corrida às armas, das injustiças sociais, da corrupção, das desigualdades, da degradação moral, do terrorismo, da discriminação, do extremismo e de muitos outros motivos”.

Com otimismo, concluem: “De tais fraternas e sinceras acareações que tivemos e do encontro cheio de esperança num futuro luminoso para todos os seres humanos, nasceu a ideia deste ‘Documento sobre a Fraternidade Humana’. Um Documento pensado com sinceridade e seriedade para ser uma declaração conjunta de boas e leais vontades, capaz de convidar todas as pessoas, que trazem no coração a fé em Deus e a fé na fraternidade humana, a unir-se e trabalhar em conjunto, de modo que tal Documento se torne para as novas gerações um guia rumo à cultura do respeito mútuo, na compreensão da grande graça divina que torna irmãos todos os seres humanos”. (Fonte: Santa Sé).

Ouçamos agora o conselho do Papa Francisco:

“Em Abu Dhabi foi dado um passo a mais: eu e o Grão-Imame de Al-Azhar Ahmedassinamos o ‘Documento sobre a Fraternidade Humana’, no qual afirmamos juntos a comum vocação de todos os homens e mulheres de ser irmãos enquanto filhos e filhas de Deus; condenamos toda forma de violência (reparem mais uma vez: toda forma de violência), especialmente a violência revestida de motivações religiosas, e nos comprometemos na difusão dos valores autênticos e da paz no mundo. Este Documento – acrescentou – será estudado nas escolas e nas universidades de muitos países, mas eu também aconselho que vocês o leiam, o conheçam, porque traz muitos impulsos para avançar no diálogo sobre a fraternidade humana”.

Ao invés de pensarmos nas civilizações cristã e islâmica e nas religiões como fontes de conflitos, “quisemos dar – esclarece o Papa – um sinal a mais, claro e decidido, de que, ao contrário, é possível se encontrar, é possível se respeitar e dialogar, e de que, inclusive na diversidade das culturas e das tradições, o mundo cristão e o mundo islâmico apreciam e guardam valores comuns: a vida, a família, o sentimento religioso, a honra aos anciãos, a educação dos jovens, e outros mais” (Audiência Geral, 6 de fevereiro: um dia após retornar dos Emirados Árabes Unidos).

Enfim, o Documento é hoje a estrela que guiou os Reis Magos até Belém. Ah, se os que têm um serviço público no Legislativo (políticos), no Judiciário (juízes) e no Executivo (governantes) – e todos e todas nós – seguíssemos o caminho que o Documento aponta! O Brasil e o mundo mudariam completamente. Lutemos, com fé e esperança, para que isso aconteça!

Sobre o autor:

Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção – SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG

Fonte:

IHU