A formação presbiteral em questão na 56ª Assembleia Geral da CNBB

Repensar o atual modelo vigente de formação nos seminários e a própria formação continuada dos presbíteros é tarefa urgente e irrenunciável na vida da Igreja. No seguimento de Jesus, somos chamados a superar a mentalidade e prática clericalista,  fazendo dos que recebem o sacramento da ordem, servidores do povo de Deus e não senhores. Urge concretizarmos um serviço eclesial de forma próxima, inserida, dialogal, participativa e fraterna com os membros de cada comunidade de fé, para juntos participarmos comprometidos da construção diária de outra sociedade possível. A situação atual dos ministros ordenados clama por urgentes e profundas mudanças… somente assim a Igreja, por sua ação evangelizadora, poderá ser fiel a sua missão de ser sacramento da salvação no mundo, um sacramento vivo do evangelho do Reino.

Para nos ajudar a entrar em sintonia com a CNBB, pela oração e pela reflexão, compartilhamos o provocante reflexão de Marcelo Barros:

 

O manto de Elias

Ontem, em Aparecida, o episcopado católico brasileiro começou a 56ª Assembleia Geral da CNBB. Entre os temas importantes que os bispos devem tratar nesses dias, está a formação dos presbíteros da Igreja no Brasil. Há uma comissão especial de estudos que proporá aos bispos os elementos de um documento que tratará tanto da formação preparatória para o ministério presbiteral (nos seminários), como da formação permanente do clero. De fato, apesar de parecer um assunto de cunho apenas interno na Igreja, a fragilidade atual e, às vezes, a falta mesmo de formação humana e teológica mínima dos padres tem consequências graves para a missão de toda a Igreja e a sua inserção no mundo atual.

Até o Concílio Vaticano II, para ser ordenado presbítero, a pessoa tinha de ter frequentado dois ou três anos de Filosofia Clássica e depois, mais ao menos quatro anos de Teologia. Com uma maior abertura da Igreja à realidade do mundo, essa exigência de estudos se tornou mais flexível. Os próprios estudos de base (do ensino médio) se tornaram mais frágeis e as dificuldades se tornaram maiores.

Houve momentos nos quais, nós que buscamos uma Igreja mais inseridas defendemos que para ser padre uma pessoa não precisa ser doutor na academia. E aqui no Brasil, o padre José Comblin formulou uma curso do que se chamou Teologia da Enxada. Era uma experiência de universidade popular na qual lavradores se tornavam missionários (e poderiam se as dioceses se abrissem a isso) serem ordenados presbíteros (padres) ou diáconos permanentes, sem deixar de ser pessoas de base e mesmo lavradores. A experiência deu certo. Conheço muitos irmãos e irmãs formados nesse caminho que me parecem mais preparados tanto no plano da fé como mesmo da interpretação da vida e da realidade do que muitos padres que vêm de anos na academia.

Naqueles anos 80, o Vaticano rejeitou a Teologia da Enxada e obrigou aos bispos a formar os padres nos seminários e universidades. Ao ver a realidade atual, a primeira impressão é de que aquela rigidez fracassou. Bastaria passar pelas paróquias e ouvir alguns sermões de domingo para se dar conta de que, em muitos casos, o atual modelo de formação nem parece ajudar os formandos a se inserirem na realidade social e política brasileira e nem faz deles homens instruídos na Escritura Sagrada e na Teologia mais profunda. Muitos formados nesse esquema tridentino não passariam em um teste primário de uma formação humana e teológica de base. Infelizmente, tenho descoberto que essa realidade precária na formação presbiteral não é somente na Igreja Católica, mas, ao menos no Brasil, ocorre também em outras Igrejas irmãs.

Com relação à realidade, a Teologia da Libertação tem toda razão quando insiste em uma formação a partir da prática. Nada forma tanto quanto a inserção real e cotidiana na vida do povo, o contato com as bases e a participação na luta dos pobres pela sobrevivência e por manter a sua dignidade humana. Do ponto de vista teológico, nenhuma erudição acadêmica substitui a fé e uma verdadeira busca espiritual de discípulo/a da Palavra e do Amor Maior. A partir dessa base, sim, é importante o estudo e o aprofundamento humano e teológico.

É claro que tudo isso tem como pergunta fundamental: formar para que? Uma pessoa espiritual responderia: Não é para que. É para quem. Formar para servir a Deus, através do seguimento de Jesus e no testemunho do amor divino ao povo, às pessoas concretas, principalmente aos mais pobres e marginalizados pelo sistema dominante. E esse serviço não pode ficar apenas como um amor assistencialista de ocasiões, mas deve se expressar em solidariedade organizada, o que só é possível, através da inserção em algum movimento ou pastoral social inseridos na luta do povo por sua libertação.

Pessoalmente quando ouço ou leio o papa Francisco denunciar o mal do clericalismo como um pecado e uma traição ao evangelho, percebo que a base desse sistema (clerical) está justamente no corporativismo de se colocar à parte, como uma categoria ou classe separada da vida do povo. E claro que não só à parte, mas acima. Infelizmente até agora a leitura bíblica que o clericalismo apregoa e a interpretação teológica que dá sobre a fé e os sacramentos faz da Igreja uma continuidade da antiga religião imperial romana e não do evangelho. Muitos irmãos padres e muitos irmãos e irmãs leigas ainda veem a fé e os sacramentos como se fossem cultos mistéricos das antigas religiões do Oriente Médio e não sinais do amor divino por nós que devem ser dados e partilhados como Jesus diz no evangelho de João: para a vida do mundo. Sem mudar essa base falsa e derrubar esse edifício pagão construído em cima e como substituto dos sinais simples da fé evangélica, não adianta proclamar “ano do laicato” e nem querer superar o clericalismo. Não adianta remendo novo em roupa velha.

Peço a Deus que todos os ministros e ministras da Igreja se vejam como discípulos e discípulas de um profeta (Jesus) e como a Bíblia diz do profeta Eliseu, não peçam poder e nem nada institucional e sim o espírito do mestre (Elias). E assim esse (o profeta) possa nos passar o manto – símbolo não dos cônsules romanos como é a atual estola dos padres e pastores – e sim um manto surrado de caminhante mas no qual ao receber e dele se vestir, o/a discípulo/a recebe o espírito do profeta.

(Grifos e destaques da equipe executiva do Observatório)

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Ir. Marcelo Barros é monge beneditino, escritor e teólogo brasileiro. Em 1969 foi ordenado padre por Dom Helder Camara e, durante quase dez anos, de 1967 a 1976, trabalhou como secretário e assessor de Dom Hélder para assuntos ecumênicos. É um dos três latino-americanos membros da Comissão Teológica da Associação Ecumênica dos Teólogos do Terceiro Mundo (ASETT), que reúne teólogos da América Latina, África, Ásia e ainda minorias negras e indígenas da América do Norte.

 

2 Comentários

  1. O referncial por excelência é Jesus Cristo, o Divino Salvador prometido e enviado pelo Divino Pai Eterno. Padre Zezinho dá uma pista na sua canção: “Amar como Jesus amou, sonhar como Jesus sonhou, pensar como Jesus pensou, viver como Jesus viveu. Sentir o que Jesus sentia, sorrir como Jesus sorria e ao chegar ao fim do dia , eu sei que dormiria muito mais feliz!”

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