“O relatório O Estado de Insegurança Alimentar no Mundo 2020 (SOFI), elaborado por cinco agências das Nações Unidas, alerta: 811 milhões de pessoas não sabem o que vão comer hoje. Retornamos ao patamar do século passado. A pandemia agravou a situação, mas não é a única culpada. Cifras da fome nessa escala são um sintoma de um sistema que abandonou os mais vulneráveis. A fome é resultado da destruição de políticas públicas alimentares para a população mais carente...”
Confira a reflexão do prof. Élio Gasda, SJ:
811 milhões de pessoas não sabem o que vão comer hoje
O relatório O Estado de Insegurança Alimentar no Mundo 2020 (SOFI), elaborado por cinco agências das Nações Unidas, alerta: 811 milhões de pessoas não sabem o que vão comer hoje. Retornamos ao patamar do século passado.
A pandemia agravou a situação, mas não é a única culpada. Cifras da fome nessa escala são um sintoma de um sistema que abandonou os mais vulneráveis. A fome é resultado da destruição de políticas públicas alimentares para a população mais carente.
Consegue imaginar um pai, uma mãe que não sabe como levar comida para os filhos? São milhares que vão dormir sem pão suficiente, ou nenhum, para o outro dia. Crianças sofrendo com a inanição! Morrer de fome é uma das piores maneiras de se ser despojado da dignidade.
O aumento impressionante da miséria e da fome é uma das maiores tragédias humanitárias. Um país entra no Mapa da Fome da ONU quando a fome regular atinge 5% ou mais da população. Estimativas apontam que a fome crônica esteja próxima dos 10%.
A trágica destruição do Estado brasileiro e o atual desmonte das políticas públicas
O Brasil deixou de figurar no Mapa da Fome em 2014, mas o retrocesso está em curso, é inegável. Nunca vimos tanta gente nas ruas e em condições tão desesperadoras. 58 milhões de brasileiros correm o risco de deixar de comer por não terem dinheiro. Falta trabalho, emprego e perspectiva. O preço dos alimentos aumenta, a fome explode. O número dos miseráveis cresce, já são uma multidão.
A pandemia veio agravar uma situação já deteriorada. No Brasil, a fome está presente nos lares chefiados por mulheres, por pessoas de cor e por pessoas de baixa escolaridade. Metade da população está em risco de insegurança alimentar e nutricional.
A fome está diretamente ligada às políticas públicas. Bolsonaro vem atuando sistematicamente para desmontar todas os projetos e iniciativas que tiraram o país do Mapa da Fome. A pandemia chegou em um país que já não tinha quase nada em seus estoques públicos de feijão e arroz. Bolsonaro extinguiu o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea).
Brasil, perversidade em estado puro! O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), mostra que no final de 2020, 19 milhões de brasileiros passaram fome. Segundo a pesquisa, 55,2% dos domicílios brasileiros (116,8 milhões de pessoas) conviveram com a insegurança alimentar.
Com o desemprego atingindo quase 15 milhões de brasileiros, as dificuldades são ainda mais extremas. A destruição do Estado Brasileiro é um ataque aos direitos básicos da população. Não dá para normalizar essa situação! É o pior desastre de um governo em décadas! “Livrai-nos, Senhor, do desgoverno da morte” (dom Vicente Ferreira).
Papa Francisco: Vencer a fome e a desnutrição é hoje um dos nossos maiores desafios
O direito à alimentação só será garantido se governos e instituições econômicas estiverem preocupados com as pessoas que sofrem os efeitos da fome e da desnutrição. Em setembro de 2021, ocorre a Cúpula dos Sistemas Alimentares da ONU (Food Systems Summit 2021). As Cúpulas têm o papel de indicar caminhos para organizar a governança e a abordagem em relação ao tema em questão.
Papa Francisco, através de vídeo-mensagem, participou de uma Pré-Cúpula (26 a 28 de julho) organizada pelo Vaticano, e que contou com representantes de mais de 100 governos do mundo. Na mensagem, Francisco destaca que vencer a fome e a desnutrição é hoje um dos nossos maiores desafios.
Para garantir “o direito fundamental a um padrão de vida adequado” para alcançar a Fome Zero até 2030, “não basta produzir alimentos”, comenta Francisco, mas é preciso “uma nova mentalidade para projetar sistemas alimentares que protejam a Terra e mantenham a dignidade da pessoa humana no centro; que garantam alimentos suficientes globalmente e promovam o trabalho digno em nível local; e que alimentem o mundo de hoje, sem comprometer o futuro”.
A fome é um problema de todos, derrotá-la é uma obrigação moral. A humanidade só vai superar o problema da fome quando deixar de obedecer às leis do mercado. A comida não pode ser produzida apenas para o lucro.
Alimento não é mercadoria! Os ricos estão mais ricos, enquanto os pobres cada vez mais pobres engrossam os números dos torturados pela fome. A Paixão de Jesus se repete na vida de todos os flagelados pela pandemia, pelo desemprego, pela fome. Desolador! Até quando? “O culto que Me agrada é partilhar teu pão com quem tem fome” (Isaías 58, 6-7).
Temos a responsabilidade de trabalhar por um mundo onde o pão, a água, os remédios e o trabalho fluam em abundância e cheguem primeiro aos mais carentes. “Se sentes dor, estás vivo. Se sentes a dor do outro, és um ser humano” (Tolstói).
(Adaptação e grifos, Edward Guimarães, para o Observatório da Evangelização)
Sobre o autor:
Élio Gasda é jesuíta, doutor em Teologia, professor e pesquisador na Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia – Faje. Sua reflexão teológica sobre os desafios e urgências da contemporaneidade, à luz da Fé, da Ética e dos princípios estruturantes da Doutrina Social da Igreja, vem contribuindo significativamente na caminhada do movimentos populares, as pastorais sociais, grupos diversos e lideranças comprometidas com a transformação das estruturas injustas da sociedade e a cultura da paz fundada na justiça e na fraternidade. Além de inúmeros artigos, dentre seus livros destacamos: Trabalho e capitalismo global: atualidade da Doutrina social da Igreja (Paulinas, 2001); Cristianismo e economia (Paulinas, 2016). O Observatório da Evangelização tem publicado aqui alguns de seus artigos.