A CONFERÊNCIA DE ABERTURA DO I CONGRESSO BRASILEIRO DE TEOLOGIA PASTORAL

  1. Mesa de abertura

Na noite de ontem, dia 03 de maio de 2021, ocorreu, de forma virtual, a cerimônia inaugural do I Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral, seguido da conferência “Discernir a Pastoral em tempos de crise”. A mesa de abertura do congresso foi composta pelo presidente da CNBB e arcebispo metropolitano de Belo Horizonte Dom Walmor, pelo reitor da PUC Minas e bispo auxiliar da arquidiocese de Belo Horizonte Dom Joaquim Mol, pelo Reitor da FAJE padre Elton Ribeiro e pelo reitor do INSTA frei João Júnior. O conferencista da noite foi teólogo, professor da PUC Paraná e presbítero da diocese de Tubarão (SC) Agenor Brighenti.

            Em sua fala, Dom Walmor ressaltou a importância do Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral como um propulsor de lucidez, de reflexões assertivas e de indicações para os caminhos missionários da Igreja frente ao tempo crísico em que vivemos, marcado pelas obscuridades, pelos fundamentalismos, pelo desmantelamento da política e da economia e pela crise sanitária da pandemia da covid 19.

            A fala de Dom Joaquim Mol se centrou em uma sensível reflexão teológica e em uma engajada defesa da teologia pastoral como o cerne de toda ação da Igreja. O bispo esclareceu, a partir do evangelho de São João[1], que a teologia pastoral não está superada, como afirmam alguns ao argumentarem sobre o fim da realidade bucólica que a nomeia, mas é sobretudo um distintivo de todas as pessoas que evangelizam. E conclui que “toda ação da Igreja precisa ser uma ação pastoral, ou seja, ao modo do bom pastor Jesus”.

            O padre Elton Ribeiro também destacou e defendeu a centralidade da pastoral na Igreja. Sua fala jogou luzes sobre o sentido dinâmico da pastoral, qual seja, “a pastoral está sempre acontecendo, nós vivemos criando, sendo criativos, rezando, fazendo coisas, lutando pela justiça”. E destacou que o Congresso Brasileiro de Teologia Pastoral ajuda a refletir, a pensar, a sonhar e a discernir em tempos que exigem o discernimento de todos.

            Encerrando as falas da cerimônia inaugural, o frei João Júnior fez um aguçado apanhado dos pontos altos da fala de seus antecessores destacando que “se as crises não nos tem faltado, então vamos assegurar que não nos falte o discernimento” como ponto de partida. Para o frei o discernimento é dom do espírito e nós, enquanto herdeiros desse carisma, devemos manter os olhos fixos na realidade e discernir as suas gravidades e questões com fidelidade ao dom dado gratuitamente por Deus. Por fim, afirmou que “se a teologia for desconectada da pastoral, será uma querela de escola” e que ela só se torna verdadeiramente teologia, quando está “comprometida profundamente com as dores do mundo e com as esperanças que ainda nos alimentam”

2 . Conferência de abertura: Discernir a pastoral em tempos de crise

Após as considerações e reflexões de Dom Walmor, de Dom Joaquim Mol, do padre Elton Ribeiro e do frei João Júnior, a professora do Centro Loiola de Belo Horizonte Luciana passou a fala para o professor do FAJE padre Geraldo De Mori, que apresentou o conferencista da noite, o padre Agenor Brighenti.

Padre Agenor iniciou a sua fala fazendo coro a voz dos bispos e padres da mesa inaugural no que tange a centralidade da pastoral no coração da Igreja e da relação indissociável entre teologia, chão eclesial e periferias sócio-geográficas. Em seguida introduziu a temática de sua exposição “Discernir a pastoral em tempos de crise”, a qual dividiu em três momentos/perguntas, a saber: Que crise é esta que estamos vivendo? Nesse contexto de crise que estamos vivendo, como está a pastoral? E qual o tipo de pastoral que nós precisamos assumir nesse contexto de crise e que possa contribuir com a superação da crise em que vivemos? As respostas as questões se mostram em profunda comunhão com o magistério da Igreja, com a doutrina social da Igreja e com o pontificado do papa Francisco, expressos nas mensagens do Concílio Vaticano II, nos documento de Medellín e de Aparecida, da exortação apostólica Evangelii Gaudium e nas encíclicas Laudato si’ e Fratelle tutti

3. Que crise é esta que estamos vivendo?

A primeira questão levantada pelo padre Agenor parece simples e clarividente, ainda mais levando-se em consideração a realidade da vida cotidiana mundial em meio a pandemia da covid-19. Em sua resposta, porém, o padre desvelou a complexidade multi-causal envolta na crise sanitária que vivemos atualmente. Para o religioso, a crise da pandemia se insere no ceio de uma crise estrutural anterior, que vem se acumulando ao longo das últimas quatro décadas. Trata-se da crise do projeto civilizacional moderno.

O projeto civilizacional moderno, segundo o padre Agenor, teve vários méritos reconhecidos pelo Concílio Vaticano II, tai como os valores da democracia, dos direitos humanos e dos povos, a liberdade religiosa e de consciência etc. Porém, além dos limites da difusão destas conquistas as todas as pessoas, o projeto foi responsável também pelo predomínio da racionalidade técnica instrumental e pelo desenvolvimento de um modelo econômico que coisifica o ser humano e depreda a natureza. Somados a crise do referido projeto estão o negacionismo anticientífico e a política de morte do governo brasileiro frente a pandemia da covid-19.

A crise que vivemos, para o padre Agenor, é estrutural e sistêmica e as suas origens são política, econômica, social e civilizacional. O religioso destacou a importância do SUS e do Estado, em detrimento a ineficiência do mercado, para a superação da crise. E citou uma passagem da exortação apostólica Evangelii Gaudium em que o papa Francisco afirma que o sistema liberal capitalista é injusto em sua raiz, sendo responsável por uma economia que mata.

Por fim, o padre também explicou, a partir do modelo de Alvim Toffler, sobre três reações a crise, sendo elas: a visão retrospectiva, que visualiza a saída da crise pelo passado e assenta a sua esperança no tradicionalismo e no fundamentalismo; a visão catastrófica da realidade, que enxerga a saída no pragmatismo do presente-cotidiano e deposita a sua esperança no emocionalismo (sensações corporais); e a visão prospectiva, que enxerga a saída pelo futuro e fundamenta a sua esperança na possibilidade de criação de uma realidade melhor

4. Nesse contexto de crise que estamos vivendo, como está a pastoral?

Na resposta da sua segunda questão, o padre Agenor relaciona a crise socioeconômica, política e civilizacional do mundo com a peregrinação da Igreja junto a humanidade. Tal relação é apresentada a partir do já mencionado modela de Alvim Toffler. Destarte, são apontados três visões pastorais distintas em relação a crise.

A visão retrospectiva dá origem aos modelos pastorais de conservação e coletivo. O modelo de pastoral de conservação é oriundo da cosmovisão medieval, centrado no padre e na paróquia e com poucos vínculos comunitários. É sacramentalizadora, devocionista e apresenta saídas escapistas para a crise, recorrendo ao milagrismo e ao providencialismo. Já o modelo de pastoral coletiva tem um viés apologético, de conservação da ortodoxia e das supostas moral católica e sagrada tradição. É hostil ao mundo, tem a sua própria cultura eclesiástica e possui uma mentalidade de seita.

A visão catastrófica dá origem ao modelo pastoral secularista, que se caracteriza pelo encolhimento da utopia no cotidiano, pela profissão da religião do corpo e da salvação como prosperidade material, saúde física e realização afetiva. Há três movimentos comuns a este modelo pastoral, quais sejam: deslocamento da militância para a mística mágica não eclesial na esfera da subjetividade individual; deslocamento do âmbito profético para o terapêutico; e o deslocamento do ético para o estético.

E a visão prospectiva, que dá origem ao modelo de pastoral que faz do Concílio Vaticano II um ponto de partida para novas realizações. Representa a Igreja das pequenas comunidades eclesiais inseridas profeticamente na sociedade para além do paroquialismo. A definição propriamente dita desta pastoral é abordada na resposta da terceira pergunta do padre Agenor. Por ora, cabe ressaltar que se trata de um modelo de opção pelos pobres.

5. E qual o tipo de pastoral que nós precisamos assumir nesse contexto de crise?

A terceira e última questão levantada e respondida pelo padre Agenor é sem dúvida a mais instigante da sua exposição porque consegue avançar do âmbito das análises de conjuntura para o âmbito das proposições criativas que iluminam os horizontes de ação em busca de mudanças e soluções para a crise.

Padre Agenor inicia a sua terceira resposta afirmando a pujante necessidade da realização de um movimento, ou melhor, de uma segunda recepção do Concílio Vaticano II, desta vez, devido ao nosso contexto, rompendo em muitos aspectos com a modernidade. Para o padre, a primeira recepção por meio dos documento de Medellín e de Aparecida foi muito importante porque assinou para um novo modelo pastoral, porém, agora é preciso dar mais passos à frente. Este novo modelo pastoral seria a pastoral de conversão missionária, assim como destacava Santo Domingo (1992, n°30). É a própria proposta do papa Francisco, de uma igreja em saída.

Ademais, o padre Agenor ressalta que a pastoral de conversão missionária precisa ser decolonial para ajudar a descolonizar quatro âmbitos: o da consciência (ou das mentalidades), o da ação (ou práticas), o da relação (de autoridade e de poder) e das estruturas. Destarte, o religioso exorta os católicos a realização de uma grande tarefa: “fazer uma segunda recepção do Concilio Vaticano II e da tradição libertadora conjugando conversão pastoral e igreja em saída em perspectiva decolonial.  

[1] Eu vim para que todos tenham a vida e a tenham em abundância. Eu sou o bom pastor: o bom pastor dá a vida pelas suas ovelhas. (J,10-10,11).

Glaucon Durães, doutorando em Ciências Sociais pela PUC Minas e colaborador jovem do Observatório da Evangelização da PUC Minas.