A chama que me move

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(Homenagem ao poeta Paulo Gabriel)

Edward Neves Guimarães

Guia-me o desejo da unidade entre terra e céu,

E acolher a “Presença Transcendente” e amorosa,

Invisível aos olhos não iluminados ou à razão instrumental,

Mas discernida e captada nos apelos da vida presente,

Realidade viva que interpela a consciência e o coração.

 

Não há abismo intransponível entre humano e divino,

Passado e futuro,

Utopia e realidade,

Desejo e felicidade.

Habito no horizonte, nutro-me da beleza do crepúsculo.

 

Por entregar-me ao Amor e a dor de amar,

Gesto imprescindível nas travessias e tempestades

E que tempera e torna a vida digna de ser vivida,

Eu perscruto, nas noites longas e escuras, os sinais da aurora.

 

Acolho a “Luz Imperecível” que emana do “Ser sem Nome”,

Fonte e facho bruxuleante, e eu, girassol na escuridão, nada temo.

Faço memória do sangue e canto o nome das testemunhas.

Assim, encontro, no “Manancial”, ninho para a alma descansar.

 

Como os amantes, trato Deus à luz de velas,

Com intimidade conquistada, moldada na olaria do amor.

Os que fazem da religião ritual de mercado não nos entenderão.

Nem a mim, pobre mortal, nem a Ele, o Todo atrativo.

O amor machuca,

A liberdade amedronta

E a nudez causa vergonha e pudor.

O banquete nupcial é acolhido no terreno do sonho ou da quimera.

 

O amor para ser livre há de ser na cruz purificado.

Por isso ando a pé e descalço nas estradas da vida.

Contemplo os detalhes, as miudezas ínfimas da paisagem.

Sim, ando a pé e quase sempre faminto, confesso.

 

Não temo deixar-me preencher, qual prisma, e pela “Luz” penetrar.

Vivo sedento de sentido e bebo no cálice da lucidez profética.

Não busco aplausos, reconhecimento ou saciar os olhares alheios.

Não quero decifrar os inquietantes enigmas existenciais.

Acolho-os simplesmente como “mistérios” e lambuzo-me no néctar da vida.

 

Da cruz de Jesus de Nazaré me apaixonei, sangrando.

Ele amou-nos até o fim e entregou-se sem medidas.

De instrumento de cruentas violências, fonte de medo

Tornou-se ícone imortal, lâmina afiada nos dois gumes:

Atrai e seduz, desnuda e expõe a nudez interior.

 

A vida do crucificado revela-nos oculto mistério:

Que a origem e o destino da vida, nós os compreendemos no “Fim”.

Que a fidelidade do profeta Galileu torna-nos peregrinos.

Trata-se de “Caminho” que molda o rosto e o olhar do caminhante

E, ao trilhá-lo, encontramo-nos com Quem procurávamos,

Mas O encontramos com o desejo inquietante de seguir buscando.