Frt. Dione Afonso, SDN*
O bestseller “Thirteen Reasons Why” é um romance de Jay Asher [1975, Califórnia] publicado em 2007. No Brasil, foi traduzido com o título “Os 13 porquês”. Em 2011, a obra atingiu o primeiro lugar de vendas declarado pelo jornal New York Times, e hoje conta com um sucesso de mais de dois milhões de cópias vendidas em 35 países desde o dia de seu lançamento. Do gênero fictício juvenil, Os 13 porquês, dez anos após seu lançamento, ganha a atenção do público com sua versão cinematográfica lançada neste ano pela Netflix, dirigida por Selena Gomez numa temporada de 13 episódios: 13 Reasons Why [omelete.uol.com.br].
Alertando o leitor de spoilers, a série da Netflix conta a história de Hannah Baker [Katherine Langford], que se suicida aos 17 anos. O suspense da trama concentra-se em Clay Jensen [Dylan Minnette]: um jovem que mantém uma paixão platônica por Hannah e que nunca teve coragem de se declarar. Após a morte de Hannah, Clay recebe dela uma caixa misteriosa guardando 13 fitas cassetes que ela própria gravou. Hannah decidiu relatar nessas fitas os 13 porquês que respondem o motivo de seu suicídio, ou seja, as razões que a levaram tirar a própria vida. “Talvez eu nunca saiba por que vocês fizeram o que fizeram. Mas eu posso fazê-los sentir como foi.” (by Hannah, 1º episódio).
Entre os motivos que levaram a personagem Hannah a cometer suicídio, destacamos: o machismo, o bullyingescolar, o estupro, a homofobia… Hannah desenvolve uma profunda depressão. Na história, percebe-se que ela é completamente abandonada pela família, o apoio da escola é omisso, os amigos são praticamente inexistentes. Hannah é uma jovem tristemente doente, sem saber onde procurar ajuda; inclusive, ao procurar a ajuda com o Conselheiro Escolar, o único adulto à qual Hannah se aproxima, ele diz que “não tem como ajudá-la se ele não souber o que está acontecendo”. Hannah sente-se mais uma vez rejeitada.
Segundo Gomez, Hannah retrata “pessoas que estão sofrendo e que merecem ser escutadas”. A série ainda apresenta a mãe de Hannah [Kate Walsh], que “acorda para a vida” quando já é tarde demais. Na série, é uma personagem que sofre profundamente a dor de perder uma filha mesmo sem estar ciente do que aconteceu.
O sucesso da série dá-se pelo fato de a vida das personagens encontrarem tanta referência em nosso cotidiano. Como sabemos, não é muito difícil encontrar pessoas, jovens como a Hannah, que sofrem todos esses males que ela sofreu. Lidamos hoje com um alto número de jovens imersos em uma depressão causada pela rejeição, abandono, jovens sem esperança de viver, sem perspectivas de vida. Desesperados, cheios de problemas, pressões da família, da faculdade, do trabalho, falta de atenção, carinho e cuidado, falta de credibilidade, entregam-se a uma cultura suicida, como é o caso do jogo “Baleia Azul”. O “Blue Whale”, como é conhecido o jogo Baleia Azul, despertou recentemente um alerta entre nós: a notícia que tivemos é que jovens estão cometendo suicídio ao se comprometerem na realização das regras de tal jogo.
Desconhecemos a origem desse mal. Alguns sites afirmam que é criação norte-americana, mas encontramos também indícios de que o Blue Whale tem sua origem na Rússia. Isso para nós é o que menos importa. O que precisamos entender é que nenhum ser humano de bem, cristão, defensor da vida e propagador da paz, jamais plantaria no mundo uma semente suicida levando nossos irmãos a promoverem uma verdadeira cultura de morte entre nós.
Se uma cultura de morte pode contagiar nossos jovens, a cultura do encontro também pode tocar os corações deles. É preciso gastar tempo para encontrarmos nossos amigos, nossos filhos, a família. É preciso educar para o encontro, para o amor, para a amizade. Utilizo-me das palavras de uma psicopedagoga que diz que “hoje estamos perdendo nossos filhos dentro dos próprios quartos. Não os estamos mais perdendo vítimas de bala perdida, de sequestro a mão armada, nas drogas da Cracolândia… Estamos perdendo-os dentro de nossas casas, nos quartos, imersos à droga da indiferença, do desamor, da desatenção…, e essa droga também mata!” (Via WhatsApp: Cassiana Tardivo.)
Nós somos vítimas da Baleia Azul! Nós não a colocamos dentro de casa, mas abrimos a porta para ela no instante em que deixamos nossas crianças fecharem as portas dos quartos. Paramos de conversar, de brincar com eles. Deixamos de conversar com nossos amigos, bloqueamos pessoas no Facebook e no WhatsApp porque elas nos chatearam ou magoaram. Postamos em nossas contas das Redes Sociais sentimentalismos angustiantes, depressivos, autorreferenciais, em nível alto de carência afetiva no qual, talvez, responda o que Spadaro questiona: “Por que, então, milhões de pessoas compartilham minuto a minuto a própria vida, realizando o que é definido como ‘intimidade digital’? […] A Rede é ‘virtuosa’ quando não é vista como substituto alienante da realidade, mas sim, rica de potencialidades para a vida atual, real; também para a vida de relações”.
O Papa Francisco, em seu pontificado, tem-nos alertado a trabalhar por uma cultura do encontro, diz ele: “Com frequência as pessoas cruzam-se, mas não se encontram. Cada um pensa em si mesmo; olha, mas não vê; ouve, mas não escuta. O encontro é outra coisa, é aquilo que o Evangelho nos anuncia: um encontro; um encontro entre um homem e uma mulher, entre um filho único vivo e um filho único morto; entre uma multidão feliz, porque encontrou Jesus e o segue, e um grupo de pessoas, chorando, que acompanha aquela mulher (cf. Lc7,11-16), que saía de uma porta da cidade; encontro entre aquela porta de saída e a porta de entrada. O redil. Um encontro que nos faz refletir sobre o modo de encontrarmos entre nós. […] Estamos habituados à cultura da indiferença e temos que trabalhar e pedir a graça de fazer a cultura do encontro [que] restitui a todas as pessoas a própria dignidade de filhos de Deus”.
O Pontífice ainda completa: “À mesa, em família, quantas vezes se come, se vê TV ou se escreve mensagens no celular. Todos são indiferentes a este encontro. Até no fulcro da sociedade, que é a família, não existe encontro. Que isto nos ajude a trabalhar por esta cultura do encontro, tão simplesmente como o fez Jesus. Não olhar apenas, mas ver; não ouvir apenas, mas escutar; não só cruzar com os outros, mas parar. Não dizer apenas: que pena, pobres pessoas, mas deixar-se levar pela compaixão. E depois, aproximar-se, tocar e dizer do modo mais espontâneo no momento, na linguagem do coração: Não chore. E dar pelo menos uma gota de vida”.
Não bastam panfletos de “gentileza gera gentileza”, se não nos permitimos tocar, aproximar, compadecermo-nos pelo outro, pelo irmão que sofre. Se somos comunicadores, que em nossos microfones possam ressoar a Alegria do Evangelho, a prática da caridade e da doação. Enquanto estivermos usando os microfones para condenar, a mutilação de crianças e jovens continuará entre nós! A Baleia Azul encontrará muitos porquês para “nadar” no oceano da sociedade que vivemos.
Não devemos ficar indiferentes a esta cultura de morte que se semeia no meio de nós, assim como o inimigo semeia o joio em meio à lavoura de trigo. Nós, cristãos, homens e mulheres de bem, educadores, psicopedagogos, religiosos, comunicadores, profissionais nas mais diversas áreas em que atuamos, temos de acabar com a indiferença, não cultivar o ódio e erradicar toda esta cultura de morte. Que possamos anunciar a alegria, a paz, o sorriso entre nós, nas nossas casas. “As pessoas se encontram quando há uma verdadeira disponibilidade do coração, da mente, da pessoa na sua globalidade a acolher o outro, a entendê-lo e a acolhê-lo, acreditando que com o encontro se enriquece mutuamente, que se tornam melhores e mais ricos de valores espirituais – e também eventualmente religiosos – do que antes de encontrar-se.” (Pe. Federico Lombardi.)
Fonte: Revista O Lutador