O tempo do Advento-Natal favorece a percepção das pessoas em relação ao chamado da vida para que, sistematicamente, avaliemos nosso modo de viver e conviver. Cada ser humano necessita fazer balanços prospectivos, especialmente, quando a aurora de um Ano Novo se aproxima no horizonte. Nesse sentido, a leitura do livro do papa Francisco revela-se muito oportuna. Indicado para cristãos, leigos/as e pastores, mas também para pessoas de boa vontade, preocupadas com o futuro da humanidade. Trata-se do primeiro livro de Jorge Mario Bergoglio, depois de ser eleito e tornar-se Papa Francisco.
Quem está familiarizado com os acontecimentos eclesiais nesses quase dois anos do pontificado de Francisco, imediatamente, perceberá que o que está delineado no livro não é um mero desejo utópico ou discurso pastoral edificante. Trata-se, ao contrário, do que ele deixou claro, em palavras, gestos e decisões, desde a primeira aparição pública como bispo de Roma e sucessor de Pedro e que, aos poucos, foi sendo consolidado a cada passo no exercício da função para a qual foi designado. Em sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, ele deixou claro que, por fidelidade ao Evangelho do Reino, urge a configuração de um novo jeito de ser Igreja no contexto atual.
Ao longo de dez capítulos, o autor propõe um desafiante caminho eclesial e pastoral a ser seguido. No centro de tudo, a busca profética de tornar a Igreja, casa da misericórdia. Em outras palavras, que a Igreja seja um lugar de pessoas portadoras da alegria do Reino, portanto, um lugar de acolhida, de acompanhamento espiritual fraterno. Num imagem concreta, uma “igreja hospital de campanha”, capaz de acolher e cuidar de quem dela se aproxima. Capaz de favorecer o encontro com o amor gratuito e universal de Deus, revelado em Jesus de Nazaré e pela ação transformadora do Espírito Santo. Esta é a boa notícia que fundamenta da esperança e a confiança cristã. Por isso, uma Igreja facilitadora da descoberta e da experiência do sentido maior de uma existência humana plena, iluminada pela fé e pela presença amorosa de Deus.
No capítulo 1, A novidade de Cristo, ele mostra o cerne da mensagem cristã: a iniciativa de Deus em acolher amorosamente o ser humano, enviar-lhe o Filho como caminho e, pela força do Espírito, sustentar a liberdade humana em sua busca de vida plena. No capítulo 2, Uma Igreja pobre para os pobres, ele indica o desafio da fidelidade da Igreja ao Evangelho. Acolher o clamor dos pobres e transformar-se numa casa que irradia o Evangelho para o mundo. No capítulo 3, Em sintonia com o Espírito, o papa Francisco explicita o significado de uma Igreja que se deixa guiar pelo Espírito Santo e que assume a missão de fecundar a vida das pessoas e a sociedade com os valores do Evangelho. No capítulo 4, Anúncio e testemunho, aponta o caminho a ser trilhado pela Igreja para vencer o medo do mundo, capaz de comunicar alegria, esperança e a Palavra, pois, entrega-se, destemidamente, ao anúncio-testemunho do Evangelho. No capítulo 5, Cristãos o tempo todo, dirige a cada cristão o desafio de viver o batismo em tempo integral. Ser alguém que viva com coerência o que assumiu: compromisso de caminhar no seguimento de Jesus, de carregar a cruz e, com ações, atitudes e palavras, evangelizar. No capítulo 6, Pastores com cheiro de ovelhas, lança a cada bispo e presbítero o desafio de assumir, de fato, o pastoreio. Desnuda o sentido eclesial de tornarem-se pastores com cheiro de ovelhas: amar e servir ao povo de Deus e ungi-los no seguimento de Jesus. No capítulo 7, A escolha dos últimos, faz um precioso apelo pastoral: concretizar a amplitude da solidariedade desde os últimos. Desenvolver sensibilidade para acolher e servir a quem está excluído, na margem da cidadania, em situação de refúgio ou periferia social e existencial. Que seja uma “Igreja em saída”. No capítulo 8, Demolir os ídolos, dirige-se, profeticamente, à Igreja e a sociedade. Denuncia a lógica do poder, da violência, do culto ao dinheiro, do apego ao carreirismo e aponta a necessidade de conversão ao Evangelho. No capítulo 9, A cultura do bem, anuncia a importância de cultivarmos outra cultura. Ser uma Igreja inquieta, preocupada com a prática do bem, da solidariedade, da defesa da dignidade da vida, da cidadania e comprometida com a paz. Termina, no capítulo 10, Maria, mãe da evangelização, com uma singela referência à mãe de Jesus como mãe da Igreja. Mulher que deixou o exemplo de peregrina na fé, de perfeita discípula e de pedagogia da presença intercessora.
Deixamos aqui, então, esse precioso convite, verdadeiro presente de Natal: ler, saborear e acolher o sentido das reflexões do Papa Francisco.
Construir um mundo melhor, uma sociedade justa, inclusiva, solidária, misericordiosa e ecológica, exige pessoas de bem e comprometidas com o bem comum e com a defesa da vida e da igual dignidade das pessoas. Construir uma Igreja melhor, uma casa da misericórdia, da acolhida, do cuidado com as pessoas, igualmente, exige pessoas humanidades, leigos/as e pastores/as comprometidos com o anúncio e o testemunho do Evangelho no mundo atual.
(Cf.: PAPA FRANCISCO, A Igreja da Misericórdia. Minha visão para a Igreja, São Paulo: Paralela, 2014.)
Edward Neves Monteiro de Barros Guimarães
P/ equipe executiva do Observatório