ENTREVISTA REALIZADA PELO PROFESSOR RENÉ DENTZ AO PROF. PE ELISMAR ALVES DOS SANTOS (IFITEG)
- A adolescência é complexa porque porta também uma ideia de limbo, quase como uma ideia de não-ser, mas tem que assumir sua liberdade. Ser e não-ser estão caminhando juntos, paradoxalmente. Há uma determinação e uma indeterminação do sujeito. O jovem não tem ainda uma identidade, busca incessantemente uma (comumente em grupos, ideias, pessoas). Como o adolescente de hoje vivencia sua liberdade no âmbito da sexualidade?
R. Costumo pensar que, a construção da identidade de uma pessoa, trata-se de uma das dimensões mais importantes ao longo do desenvolvimento humano. O adulto de hoje é o resultado do que foi a constituição de sua identidade/personalidade. Na formação da identidade de uma pessoa se faz presente também a sexualidade. A palavra liberdade não é de fácil precisão. A compreensão equivocada desta palavra remete a ideia de fazer o que se deseja. Porém, liberdade, consiste, em colocar em prática, a condição de sujeito que há em todo ser humano. Como sugere o psiquiatra austríaco, Viktor Frankl, em seu livro, Em Busca de Sentido: Um Psicólogo no Campo de Concentração: nada e ninguém pode tirar a liberdade interior do ser humano. É preciso, então, lutar para não perder a liberdade interior.
É um desafio relacionar adolescência, liberdade e sexualidade. Compreendo de dois modos a maneira como os adolescentes de hoje vivenciam a liberdade na dimensão da sexualidade. Primeiramente, há aqueles adolescentes que lidam com a sexualidade a partir da busca do prazer e do gozo. Ser livre, aqui, consiste em colocar em prática os desejos e anseios da sexualidade que carregam em suas mentes, em um contexto, demasiadamente erótico. Por causa da sociedade erótica na qual os adolescentes estão inseridos, a liberdade no universo psíquico e social, corre o risco de se tornar uma liberdade condicionada ao erotismo. Nesse contexto, não há preocupações com a formação da consciência ao que condiz à sexualidade. Ressalto, ainda, que muitos adolescentes vivem o vazio existencial. Esta realidade social e psíquica atrelada à sexualidade provoca terríveis consequências aos adolescentes. O que acabei de dizer pode ser resumido nas palavras de Viktor Frankl, no livro mencionado logo acima: “É por isso que, muitas vezes, a frustração existencial acaba em compensação sexual. Podemos observar nesses casos que a libido sexual assume proporções descabidas no vazio existencial”.
Em segundo, escuto adolescentes que lutam para não reduzirem a sexualidade somente a linguagem e vivência erótica. Observo que este segundo modelo de adolescentes demonstra esforços para formar uma consciência mais responsável ao que tange a questão da sexualidade. Para estes adolescentes, vale recordar o que diz Viktor Frankl, no livro já citado: “O sexo se justifica, e é até santificado, quando for veículo do amor, porém apenas enquanto o for”. No entanto, não se trata, no contexto desta reflexão, fazer juízo ético-moral entre os dois modelos de adolescência na vivência da sexualidade. O que disse foi diante da constatação do que escuto e observo.
Portanto, o desafio consiste em ajudar os adolescentes a fazerem a passagem de uma compreensão da liberdade, às vezes, “permissiva” que alcança de forma trivial a sexualidade, a uma liberdade “interior”. A liberdade interior, por sua vez, leva à formação da consciência e a vivência mais responsável da sexualidade. Diz respeito a compreensão da sexualidade não reduzida exclusivamente aos órgãos genitais, ou aos jogos performáticos dos corpos que falam através da linguagem da sedução, mas a uma sexualidade que requer diálogo, em vista da formação da consciência.
- A igreja tem conseguido apresentar aos jovens uma experiência cristã libertadora? Por que tantos jovens têm sido atraídos pelas propostas de grupos neoconservadores?
R. Quanto a primeira pergunta é preciso, primeiro, pensar o que se entende por experiência cristã libertadora. O modelo de juventude de hoje não corresponde mais ao modelo de juventude dos anos 80 e 90. Nestas décadas se falava muito da “experiência cristã libertadora”, através dos grupos de jovens. Jovens engajados nas comunidades Eclesiais de Base, etc. O contexto social e político basicamente desenhava este modelo de juventude na Igreja. A experiência cristã libertadora, como sugere a própria expressão, consiste em libertar. A Igreja como seguidora de Cristo tem sempre como meta promover a libertação do ser humano, como fez Jesus de Nazaré na cura de um paralítico: “Filho, teus pecados estão perdoados” (Mc 2, 5). Como também as curas (libertação) em dia de sábado: “‘É lícito ou não curar no sábado?”’ (Lc 14, 3). Acredito, assim, que a proposta da Igreja visa sempre promover a experiência libertadora ora da juventude, ora de seus fiéis, independentemente do contexto histórico.
Em relação a segunda pergunta, é verdade que existe influência e adesão de muitos jovens, às propostas de grupos neoconservadores. Percebo este fenômeno da seguinte forma: é muito fácil doutrinar as pessoas. Basta apresentar a elas um programa de vida bem exigente do ponto de vista espiritual e moral. Mostrar a elas que não é preciso pensar, pois, alguém já pensa por elas. Nesse contexto, é mais preferível dizer aos jovens como “devem” pensar do que como “poderiam” pensar. Na primeira observação, prevalece a ordem do dever: “Tu Deves”. Já na segunda, prevalece: “Tu Poderias”. Em alguns cenários de Igreja, há uma disposição para a adesão do “Tu Deves” e não ao “Tu Poderia”. Por fim, os grupos neoconservadores, apresentam uma visão de Teologia Moral baseada no rigorismo e não na importância da formação da consciência. O jovem, nesse modelo de vida, já pega uma “consciência formada” e a coloca “dentro de sua própria consciência”. Em resumo seria assim: uma consciência dentro de outra consciência. Aliás, o Papa Francisco, tem condenado fortemente a substituição da consciência.
Gostaria de concluir com uma outra pergunta: será que, realmente, nossos jovens desejam pensar por conta própria, ou preferem que outros pensem por eles?
- Hoje muito se fala sobre a inserção de mulheres em espaços de decisão da Igreja, o que tem sido um desafio enfrentado, não sem grandes resistências, por parte da hierarquia, com vários acenos positivos do Papa Francisco. No entanto, não se fala dessa mesma inserção do ponto de vista da juventude. Na verdade, os jovens que aparentemente estão mais próximos da hierarquia são aqueles em formação para o sacerdócio e, justamente estes, encontram-se na muitas vezes em condições ainda mais rígidas de vigilância, dependência e submissão. A ausência efetiva de jovens dentro de espaços privilegiados de decisão da Igreja não seria um impedimento para que suas questões fossem de fato contempladas nas reflexões eclesiais?
R. Realmente, a participação da juventude nas decisões da Igreja, é uma questão a se pensar. Me recordo das Jornadas Mundiais da Juventude iniciadas pelo Papa João Paulo II, como uma oportunidade de encontro da Igreja, com jovens do mundo inteiro. É verdade que se trata de um evento celebrativo e de convivência, mas importante para e renovação da fé dos jovens e de sua pertença a Igreja. Penso que é um desafio para a Igreja enquanto instituição escutar os jovens. No entanto, congregações religiosas e dioceses, desenvolvem projetos em vista da escuta da juventude. Entendo que a pergunta caminha mais na direção da Igreja enquanto instituição que decide por meio de seus documentos. Nessa ótica, a Igreja, ao escutar os jovens, em espírito de abertura e de acolhimento, certamente, leva em consideração as seguintes demandas: seus anseios. Seus medos. Seus desejos. Suas intenções. O que pensam da Igreja. Como gostariam que fosse a Igreja, etc.
O pontificado do Papa Francisco, caminha na direção da Escuta do Outro. Me faz recordar o que enfatiza o filósofo judeu Martin Buber, ao refletir sobre o significado do Entre diante do Outro. É esse Entre que me lembra o esforço do Papa Francisco para compreender melhor quem é esse Outro. Em 2018 ocorreu em Roma, o Sínodo dos Bispos para a Juventude, o qual foi importante para aproximar mais ainda a Igreja da juventude, tendo à frente o Papa Francisco. No evento, como sempre faz o Papa Francisco, certamente, escutou alguns dos anseios da juventude que ressaltei logo acima.
- Frequentemente as instituições de ensino católicas se veem desafiadas por uma aparente contradição entre o pluralismo cultural e religioso da sociedade contemporânea e a consolidação de sua identidade confessional. Além disso, vemos também a tenção existente entre se manter viva e relevante no mercado educacional sem perder-se em estruturas elitistas que favorecem a desigualdade ao invés de minimizá-la. Nesse aspecto, as escolas e universidades católicas tem ainda um papel a cumprir junto à juventude no que diz respeito à transmissão de valores realmente evangélicos? E como favorecer aos jovens estudantes desses espaços uma experiência cristã madura que garanta não somente a excelência acadêmica, mas também uma formação humanista característica do cristianismo?
R. Sim. As escolas e Universidades católicas têm um papel importante a cumprir perante à juventude junto aos valores evangélicos. Como ensina o Papa Francisco (2018) na Constituição Apostólica Veritatis Gaudium: Sobre as Universidades e as Faculdades Eclesiásticas (Art.2): “Por Universidades e Faculdades eclesiásticas, na presente Constituição, são designadas aquelas instituições de educação superior que, canonicamente erigidas ou aprovadas pela Sé Apostólica, cultivam e ensinam a doutrina sagrada e as ciências que com ela estão correlacionadas, com o direito de conferir graus acadêmicos por autoridade da Santa Sé”. Percebo no ensinamento da Constituição que, é papel das instituições de ensinos católicas, transmitir ao menos dois valores aos estudantes: a doutrina sagrada e as ciências. A formação humanística requer da parte das instituições de ensino uma pastoral ora escolar, ora universitária. Eis aí um grande desafio: como pensar, sobretudo, em uma pastoral universitária, capaz de atrair os jovens?
Bem, não tenho uma resposta pontual. Mas, penso que a pastoral universitária precisa cativar, primeiramente, o coração dos jovens. Mostrar a eles que, não há oposição entre, Fé e Razão. Me parece que muitos jovens fazem o divórcio no que se refere a estes dois conceitos mencionados. A fé sem razão pode levar ao fanatismo. Daí, a importância da fé ser purificada pela razão. O conhecimento também apenas fundamentado na razão pode levar ao fanatismo racionalista. Portanto, vejo que o maior desafio pastoral nas Universidades, consiste, pois, na conjugação entre Fé e Razão.
- Muito tem se debatido acerca dos desafios da formação nos Seminários. Como a Igreja tem trabalhado a sexualidade em relação ao seu processo de formação? Quais são as principais dificuldades?
R. Nos Últimos Anos (2005 a 2022), a Igreja Católica tem pedido com mais urgência, que a temática da sexualidade, faça parte do processo de formação nos seminários. Em decorrência dos casos de abusos sexuais ocorridos, principalmente, nos Estados Unidos (2002) a Santa Sé, publicou alguns documentos que falam da sexualidade, voltados diretamente à formação religiosa e sacerdotal. Não irei, aqui, fazer referência a estes documentos, mas considero como meio para mostrar o modo como a Igreja tem insistido na importância da temática sexualidade nos seminários. Recentemente, publiquei um livro, que trata da temática em discussão: Dizeres e Vivências: Representações Sociais da Sexualidade em Seminaristas e Padres. Goiânia: Scala Editora, 2022.
Observo ao menos dois desafios pontuais na área da formação para a vida religiosa consagrada e sacerdotal. Primeiro, colocar em prática o que consta nos documentos oficiais da Igreja, em relação a sexualidade. Os documentos são realistas, quanto aos principais questionamentos da sexualidade na área da formação. Então como fazer a passagem do teórico para o prático? Eis aí o desafio! Em segundo, é preciso que tenham reitores e formadores que, realmente, conheçam um pouco da dinâmica antropológica do ser humano. É urgente tocar ao longo do processo de formação nos temas da sexualidade mais candentes à formação religiosa e sacerdotal. Por exemplo, hoje, é necessário discutir o fenômeno da homossexualidade nos seminários. A pesquisa que realizei no livro indicado mostra que, atualmente, a homossexualidade, é um dos temas que mais desafia a formação. Seminaristas e padres que participaram da pesquisa disseram que a homossexualidade requer ser confrontada na formação. Um segundo tema que desafia a formação, é a pedofilia. Na pesquisa supracitada, seminaristas e padres falaram que, a pedofilia se trata de uma realidade patologia. Por esta razão, qualquer membro da Igreja, envolvido com tal prática, deve ser julgado pela justiça civil e canônica.
Por fim, abordar o tema da sexualidade, no decorrer do processo formativo nos seminários, requer um trabalho em conjunto, entre psicologia e formação.