Em novembro de 2021, a Igreja da América Latina e do Caribe realizou a sua primeira Assembleia Eclesial. Foi uma nova modalidade de Assembleia, na qual bispos, padres, diáconos, religiosos/as, leigos/as reuniram-se tendo como eixo, não aquilo que os distingue na missão, mas a identidade de batizados/as, de participantes da comum dignidade de filhos/as de Deus. Um encontro da Igreja “povo de Deus”, desafiada a aprender a “caminhar junto”, em unidade na diversidade (LG 31). Um exercício, um esforço prático de sinodalidade! Lançamos “um outro olhar” sobre essa importante experiência na Igreja Católica, a Assembleia Eclesial: o que Deus quer nos dizer com este acontecimento?
Símbolo que aponta para algo maior
Estamos convencidos de que essa primeira Assembleia Eclesial irradia bem mais que os resultados alcançados de imediato. Ela se tornou símbolo, que aponta algo maior na nossa missão, horizonte que começa a descortinar-se na caminhada da Igreja. Não se trata de uma realidade propriamente nova, mas de um resgate das raízes da Igreja em sua origem entre os primeiros cristãos. Naqueles inícios, o número mais reduzido de pessoas, a convivência mais próxima, o anseio de traduzir em atitudes a memória da prática comunitária libertadora de Jesus, seu modo de ser e de servir. A certeza da presença do “Deus estradeiro” com eles, levava-os a tomar decisões em conjunto, dividir as responsabilidades, colegiar as dúvidas, as dificuldades e desafios, e discernir os caminhos por onde seguir de maneira mais participativa. Em suas origens, a Igreja mostrou-se, decisivamente, sinodal. É visível a sua busca de “caminhar juntos”, reconhecendo e enfatizando a comum dignidade de todos os batizados/as.
Esta Assembleia Eclesial, no contexto criado pelo magistério do papa Francisco, revela um esforço profético de recuperar a prática da sinodalidade no seio da Igreja. Importa recordarmos aqui um dos postulados apresentados pelo papa Francisco na Evangelii Gaudium, quando destaca que a “realidade é superior à ideia” (EG 231). Isso é fundamental em todo processo histórico. A realidade é maior e mais ampla que a nossa capacidade de captá-la e compreendê-la. Ela nos transcende, vai além, tem sempre algo mais a nos dizer. É como uma fonte inesgotável. É assim que devemos olhar para este importante acontecimento da Igreja latinoamericana e caribenha. A nosso ver, esta Assembleia Eclesial representa muito mais que suas conclusões, desafios ou pistas de ação. Ela é uma semente da forma originária de ser Igreja.
Semente da Igreja sinodal?
Assim como a semente traz dentro de si, em germe, toda a planta: raízes, caule, galhos, folhas, flores e frutos, acreditamos firmemente que a experiência da primeira Assembleia Eclesial é semente da Igreja sinodal, símbolo da sinodalidade, da busca de caminhar juntos. Ela traz consigo, ainda que de forma velada, em germe, a força de uma Igreja participativa, de decisões mais colegiadas, de maior autonomia e corresponsabilidade, uma Igreja toda ministerial, de homens e mulheres entusiasmados e transformados pelos desafios do Evangelho do Reino e do seguimento de Jesus hoje.
Para que essa semente, esse processo eclesial se desenvolva, é preciso que haja um diálogo profundo com esse acontecimento, que ele seja revisitado, retomado, recriado nas diversas instâncias de nossa Igreja. Seu conteúdo se tornará adubo orgânico, no solo sagrado de nossos corações, se ele estiver presente no dinamismo de cada comunidade, nos círculos bíblicos, nos conselhos, nas pastorais, nos grupos diversos. Somente assim terá condições de ajudar essa semente a se desenvolver e produzir novos frutos. Não devemos perder de vista este importante acontecimento eclesial, quando todos se encontraram como irmãos e irmãs, tendo por base a igual dignidade de batizados/as, de filhos/as de Deus, no anseio de caminhar juntos. Seremos capazes de ouvir o que o Espírito nos diz diante dessa realidade?
Sinodalidade, um clamor do Espírito
Ainda que com muitos limites, foi possível uma Assembleia Eclesial na amplitude da América Latina e Caribe, não seria oportuno começarmos a pensar em Assembleias Eclesiais em cada país? Não seria oportuno que a CNBB, com sua força e liderança, convocasse uma Assembleia Eclesial Nacional para a Igreja do Brasil? Ou ainda, que cada Igreja particular, cada diocese, decidisse realizar a sua primeira Assembleia Eclesial diocesana? E, a partir da experiência da Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), que recentemente teve seus estatutos aprovados pelo Vaticano, não seria oportuno criar a Conferência Eclesial do Brasil, reunindo e melhor estruturando os representantes dos “Organismos do Povo de Deus” para fazer avançar o modo de sinodal de ser Igreja em nosso país, fermentando-o em cada Igreja Particular, nas paróquias e comunidades?
Se “o caminho da sinodalidade é o caminho que Deus espera da Igreja no terceiro milênio”, como nos afirmou o papa Francisco, não seria o momento oportuno de ousarmos ser verdadeiramente sinodais, em todas as instâncias eclesiais, desde as decisões mais simples e cotidianas até às mais delicadas e desafiantes? Não seria esse o caminho de superação diária do “câncer” do clericalismo, por meio da busca de efetiva comunhão entre os diferentes ministérios no seio do povo de Deus, na comum dignidade dos/as batizados/as? Não seria uma oportunidade fecunda de conversão sinodal? Para São João Crisóstomo, “sínodo é o nome da Igreja”. Acreditamos firmemente que a sinodalidade é um clamor do Espírito que se faz profecia na Igreja hoje.
Se a sinodalidade foi o jeito característico de ser Igreja dos primeiros cristãos e é um bem para a Igreja, ao não buscarmos meios de efetivá-la, falhamos na missão que recebemos de Jesus e do seu Evangelho, pois “quem sabe fazer o bem e não faz, comete pecado” (Tg 4,17). O conjunto desses breves e incompletos acenos nos revela que a primeira Assembleia Eclesial latinoamericana e caribenha, nos faz ver mais longe, coloca a sinodalidade como o maior desafio atual do nosso ser Igreja na contemporaneidade. Nos faz acreditar na força dessa semente sinodal que, se bem cuidada, poderá produzir frutos de verdadeira comunhão, participação e missão. Que sejamos verdadeiramente sinodais…
Fonte: Revista “UM OLHAR” Ano VII – Nº 16 – julho/2022, p. 34-36 – ISSN 2526-6624
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* Doutor em teologia, membro do grupo de pesquisa de Teologia Pastoral (FAJE) e da SOTER- Sociedade de Teologia e Ciências da Religião. Redator da Revista O Lutador, Integrante do MOBON – Movimento da Boa Nova. Membro do Observatório de Evangelização – PUC Minas.