Entrevista realizada pelo Prof. René Dentz, membro da comissão executiva do Observatório da Evangelização da PUC-Minas à coordenadora do projeto, professora Patrícia Dayrell Neiva, vinculada ao Curso de Fisioterapia/ICBS Coreu e à professora Maria Carmem Schetino Moreira, da FAPSI.
O projeto se inicia em 2006 a partir da perspectiva interdisciplinar, com a proposta central de ouvir os detentos da APAC, entendendo suas singularidades, historicidades e buscando um caminho de acolhimento e ressignificação. Seu objetivo principal é prestar assistência aos recuperandos, homens, adultos, sentenciados da justiça cumprindo pena com privação de liberdade nos regimes fechado, semiaberto e trabalho externo no Centro de Reintegração Social – (CRS) da APAC, em Santa Luzia. A missão é promover a humanização na assistência aos condenados da referida instituição prisional, com vistas à ressocialização à sociedade, reconstruindo posições como sujeitos dignos e cidadãos de direitos e deveres para com a sociedade civil.
Nesse sentido, a dor passa a ser compreendida de forma ampla, em sua trajetória psíquica, física e espiritual. Inicialmente, os alunos participantes desse importante projeto de extensão foram os dos cursos de Psicologia, Serviço Social e Direito, respectivamente, realizando atendimentos psicológicos individuais, intervenções grupais em formato de roda de conversa e plantão psicológico e contribuindo para a efetivação e aperfeiçoamento da política pública do método APAC, integrando-se à rede intersetorial de atendimento jurídico ao sentenciado em cumprimento da pena privativa de liberdade. Em um segundo momento, se juntaram ao projeto alunos dos cursos de Filosofia e Teologia (através do Projeto Deus é para Todos, cujo escopo é contribuir com os recuperandos no que diz respeito ao processo de promoção e valorização do homem, compreendido como criatura de Deus), Fisioterapia (ampliar grandezas éticas, humanitárias e sociais na abordagem da melhora da qualidade de vida do recuperando na APAC e formar profissionais capacitados na identificação destes problemas, desenvolver a criatividade, as competências para trabalho em equipe e planejamento de oficinas multidisciplinares visando a promoção de saúde), Enfermagem (desenvolver ações voltadas à promoção da saúde no ambiente prisional e realizar oficinas e dinâmicas em grupo voltadas para hábitos saudáveis de vida) Ciências Biológicas (promover oficinas quinzenais sobre meio ambiente e vida humana, animal e vegetal) Letras (despertar a importância da leitura na construção da cidadania com o objetivo geral de promover a leitura carcerária e a construção das resenhas) e Publicidade e Propaganda (promover a inserção social dos recuperandos por meio de atividades artísticas e culturais e que, se aperfeiçoadas, podem se transformar em atividade profissionalizante).
A pandemia se mostrou um desafio, mas, por outro lado, possibilitou uma maior implementação da interdisciplinaridade proposta inicialmente. A característica interdisciplinar permite abordagens complexas para uma missão complexa.
A proposta do projeto se enquadra, dessa maneira, dentro dos três pilares da universidade: ensino, pesquisa e extensão.
O método APAC (Associação de Proteção e Assistência aos Condenados) foi proposto pelo advogado e jornalista Mário Ottoboni, no Estado de São Paulo, em 1972. Sua primeira unidade foi implantada também naquela cidade, mas somente no ano de 1974, em São José dos Campos. A APAC, porta em seu nome o significado “Amando o Próximo Amarás a Cristo”, pois foi fundada a partir de conceitos do cristianismo, nos pilares da religiosidade e do amor ao próximo. “A associação é uma pessoa jurídica de direito privado, que auxilia o Estado na execução da pena, bem como é fomentada por ele” que tem como missão: “recuperar o preso, proteger a sociedade, socorrer as vítimas e promover a justiça restaurativa”. Podemos defini-la ainda, como afirma seu fundador, Mário Ottoboni (2014, p. 35), enquanto “órgão parceiro da Justiça, para ter o respaldo do Poder Judiciário e contar com o apoio do juiz competente na comarca em que estivesse atuando”.
No ano de 2020, os recuperandos do regime semiaberto tiveram a oportunidade de participar de uma visita ao museu de história natural da PUC-Minas, ao complexo esportivo, aos laboratórios da engenharia e à biblioteca. Segundo a professora Maria Carmem, foram momentos de descoberta de novos mundos e horizontes.
Os desafios são enormes, que aparecem na forma de dilemas existenciais. Alguns alunos extensionistas relatam a dificuldade em atuar com os detentos devido ao medo inicial, desconhecimento do ambiente e angústia em aceitar o perdão e a reconciliação. Por outro lado, também surgem, por vezes, sentimentos de descrença no humano, quando algum detento que, parecia estar em recuperação e próximo à reinserção na sociedade, participa de uma fuga coletiva. Por isso, afirma a professora Maria Carmem, “é necessário entender o humano em sua realidade, sem idealizações”. Trata-se de um caminho de esperança humana, a partir de suas vulnerabilidades.
Por fim, as professoras enfatizam a necessidade de propor uma linguagem religiosa mais libertadora e menos fundamentada em mimesis. O detento pode e tem o direito de entender a fé em sua profundidade e não apenas como condição de autoajuda e elemento de transformação superficial. É possível propor uma espiritualidade existente, historicamente enraizada nos testemunhos e na experiência cristã, que liberte e não aprisione ainda mais. Assim, a religião deve servir para libertar os humanos da culpa e não inseri-los mais e mais nela. Este pode ser um caminho perverso. A culpa gera paranoia, neuroses, depressão, desistência da vida. A beleza do religare se transforma em violência do sagrado.