Quarta feira da Festa da Imaculada Conceição. Um dia muito especial para a História da Igreja. Uma festa carregada de significados. Nesta festa, temos a oportunidade de reviver a história da salvação da humanidade. Um Deus que se encarna na realidade humana, se fazendo um de nós, graças a participação decisiva de uma mulher pobre, da periferia de Nazaré, na Galileia. Através de seu sim confiante, Maria passa a fazer parte desta história, oferecendo o seu útero materno para acolher o Verbo. Maria concebida sem pecado. Uma festa que foi entronizada oficialmente na história da Igreja pelo Papa Pio IX, no dia 8 de dezembro de 1854, através da bula “Ineffabilis Deus”, declarando assim o dogma: “Maria isenta do pecado original”.
A liturgia deste dia traz para nós o evangelista Lucas que faz uma descrição, não apenas histórica, de uma crônica sobre a concepção de Jesus no ventre de Maria. Trata-se, antes de toda uma epistemologia teológica, de como Deus entra na nossa história humana pela porta de uma família extremamente humilde de Nazaré. Lembrando que a epistemologia, na sua acepção filosófica, trata da natureza especifica do conhecimento, da justificação e racionalidade da crença e dos sistemas de crenças das quais envolve a Teoria do Conhecimento. Assim, esta epistemologia nos ajuda adentrar no mistério que envolve a encarnação do Verbo, trazendo-o mais próximo ao nosso conhecimento, para que assim possamos vivenciá-lo a partir da nossa fé.
Maria foi aquela que acreditou de que Deus viria fazer morada em seu ventre. Passou por cima de toda uma tradição cultural da época, rompendo, inclusive com os valores da tradição patriarcal daquele momento histórico. Sua vida correu risco. Aparecer grávida da noite para o dia, era passível de ser apedrejada em praça pública. Para conseguir dar cabo desta missão, contou também com a participação decisiva do humilde e pobre José que, como ela, dera também o seu sim, aceitando fazer parte daquele processo histórico. Quantas dúvidas e incertezas não passaram pela cabeça daquele pobre homem, numa sociedade machista e patriarcal, que a mulher não usufruía de nenhum valor.
Ave cheia de graça! Aquela simples mulher passa a ser a representante direta da comunidade dos pobres e marginalizados que aguardavam ansiosamente pela libertação. Do útero materno desta pobre mãe, nasce nada mais nada menos que Jesus Messias, o Filho de Deus. O fato de Maria conceber sem ainda estar “casada” com José demonstra para nós que o nascimento de Jesus Messias é obra e graça da intervenção do próprio Deus. Ou seja, aquele que vai iniciar a nova história, surge dentro da história de maneira totalmente nova. Só Deus mesmo para engendrar toda esta “engenharia teológica”, que ainda temos muita dificuldade de entender.
“Imaculada, Maria de Deus! Coração pobre acolhendo Jesus”. Maria é aquela que acredita e através de seu sim, entra para a história como coautora do projeto salifico de Deus. “O Senhor está contigo”! (Lucas 1,28). Uma mulher pobre e simples que acolhe e faz de si a morada de Deus. Ela se faz a primeira discípula e seguidora de seu próprio Filho. Esteve com Ele durante toda a sua trajetória histórica, renovando o seu sim dado ao próprio Deus. Isto para contrariar aqueles de mentalidade patriarcal e clerical de nossa Igreja que ainda insistem em querer afirmar, que Jesus não tinha entre os seus, nenhuma discípula mulher. Sua mãe foi a primeira delas, se fazendo presente com Ele.
Como Maria, somos também desafiados a dar o nosso sim a cada dia. Não um sim verbal, mas um sim existencial de quem se entrega de corpo e alma. Acreditar de que somos capazes de fazer acontecer uma nova história. Não porque achamos que somos mais do que somos, mas porque trazemos também em nós a presença d’Ele e com Ele nós podemos mais. Acreditar sem medo! Como dizia o nosso bispo Pedro: “O contrário da fé não é a dúvida. O contrário da fé é o medo”. O medo é um dos demonstrativos de que não temos fé suficiente para fazer a entrega confiante. Acreditar que a ação de Deus na história passa necessariamente pela vida dos pequenos, pobres e marginalizados. É com eles e através deles, que vamos fazendo acontecer as transformações do Reino que já está no meio de nós.
O Senhor é contigo sempre! Assim como a Imaculada Conceição de Maria, façamos de nossas vidas santuários vivos da presença de Deus, transformando a história. Sem ter a pretensão de aliar aos poderosos e aos “mitos” com os pés de barro. A salvação virá pelos pequenos. Aqui, vale fazer da nossa vida a mesma experiência que fez o antropólogo mineiro Darcy Ribeiro: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui. Tentei fazer uma universidade séria e fracassei. Tentei fazer o Brasil desenvolver-se autonomamente e fracassei. Mas os fracassos são minhas vitórias. Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu”. “Faça-se em mim segundo a tua Palavra”! (Lc 1,38)
Sobre o autor:
Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.