“Templos vivos da liberdade”, com a palavra Chico Machado

Terça feira de 32ª semana do tempo comum. No dia de hoje, a Igreja Católica, celebra a festa da Dedicação da Basílica de São João de Latrão. Festa instituída no século XVIII (1724), no pontificado de Bento XIII (Pietro Francesco Orsini – 1649-1730). Uma basílica importante, pois ela é considerada pelos cristãos católicos como a mãe de todas as igrejas, por ser a catedral da diocese de Roma, que tradicionalmente contém o trono papal, o que a coloca “acima” de todas as demais igrejas do mundo.

Uma manhã nublada e de ligeiro frescor sobre o Araguaia. Clima completamente atípico para este período, onde costumeiramente predomina o forte calor, desde as primeiras horas do dia. Como o tempo estava propenso à chuva, somente as pequeninas pipiras se aventuraram sobre as jabuticabeiras, degustando seu doce néctar. Depois que elas se vão, lá vou eu retirar do caule as cascas dos frutos que elas deixaram para trás. Só absorvem mesmo o precioso liquido do interior de cada uma daquelas bolinhas escuras adocicadas. Espertas como que!

Rezei nesta manhã influenciado pelas ideias do poeta épico italiano Dante Alighieri (1265-1321). Autor de um dos clássicos da literatura mundial “A Divina Comédia”, publicada pela vez primeira no século XIV, durante o período Renascentista. Esta obra marcou a minha vida de leitor, sobretudo a primeira parte dela, que está dividida em três partes: o Inferno, o Purgatório e o Paraíso. Fiquei fascinado com a forma que este brilhante poeta versou sobre o inferno. Se para Jean Paul Sartre, “o inferno é o outro”, na sua concepção, Dante descreve o inferno como um local no interior da terra formado por nove círculos, como se fossem uma geografia imaginaria do inferno. Ao contrário da concepção cristã do inferno (sempre muito quente e abrasador), em Dante, a temperatura diminui na medida que se avança ao interior deste.

Volta e meia me vejo recorrendo a Dante, leitura sempre aprazível. Como se trata de um dos clássicos da literatura mundial, em que o poeta, de forma genial, descreve a sua concepção de mundo, lê-lo nos faz situar entre o grande paradoxo e a tensão de nossas limitações e das infinitas possibilidades que a vida nos reserva, quando se trata das relações humanas. Nos faz ver que somos muito mais capazes do que aquilo que aparentamos com as nossas possibilidades. Com a genialidade de Dante, fica mais fácil entender o porquê de utilizarmos apenas 10% de nossas possibilidades racionais. Como diria Raul Seixas: “É você olhar no espelho. Se sentir um grandessíssimo idiota. Saber que é humano, ridículo, limitado. Que só usa dez por cento de sua cabeça animal”.

Somos o que somos e somos mais do que podemos ser. Mesmo que a sociedade tente nos “igualificar” através de seus padrões de beleza, comportamentos e modos de se viver, como se todos fossemos iguais, cada um é cada um, no seu jeito próprio de ser, pensar e estar no mundo. A beleza da vida consiste exatamente nesta somatória das especificidades que cada um traz em seu próprio DNA. É o conjunto desta diversidade que faz a beleza e a complexidade da vida e das pessoas ser este mundo multicor, belo e prazeroso de ser vivido em sua essência na confluência.

A liturgia do dia de hoje reserva para nós um texto que dá muito o que falar (Jo 2, 13-22). O evangelista Joanino, relata para nós a famosa passagem em que Jesus expulsa os vendilhões do Templo. Justamente num dos momentos históricos para os judeus, que era a “Pessach”, a “Páscoa judaica”. Como nos afirma o comentário da Bíblia, Edição Pastoral:

“Para os judeus, o Templo era o lugar privilegiado de encontro com Deus. Aí se colocavam as ofertas e sacrifícios levados pelos judeus do mundo inteiro, e formavam verdadeiro tesouro, administrado pelos sacerdotes. A casa de oração se tornara lugar de comércio e poder, disfarçados em culto piedoso. Expulsando os comerciantes, Jesus denuncia a opressão e a exploração dos pobres pelas autoridades religiosas. Predizendo a ruína do Templo, ele mostra que essa instituição religiosa já caducou. Doravante, o verdadeiro Templo é o corpo de Jesus, que morre e ressuscita. Deus não quer habitar em edifícios, mas no próprio homem”.

Analisando esta ação de Jesus, ficamos nos perguntando: o que faria o Mestre, passando por alguns dos “Templos” que tempos hoje entre nós? Tomaria Ele a mesma atitude de quando estava presente lá em Jerusalém? Os Templos de hoje são casas de oração ou também teriam se transformado em espaço de comércio? Temo que em alguns destes “Templos”, Jesus não só expulsaria os vendilhões de agora, mas também não se faria presente, enquanto “Casa de Oração”. Mais do que os Templos edificados pelos homens, o bom mesmo é saber que cada um de nós somos templos vivos da presença de Deus em nós, como Paulo mesmo afirma em um de seus escritos: “Acaso não sabem que o corpo de vocês é santuário do Espírito Santo que habita em vocês, que lhes foi dado por Deus, e que vocês não são de vocês mesmos?” (1 Cor 6, 19) Baseados nesta sua concepção, fomos resgatados por Jesus para viver a plena liberdade e por isso não devemos viver mais sob o regime de escravidão, seja ela de qual forma for, mesmo religiosa.

Sobre o autor:

Chico Machado

Francisco Carlos Machado Alves é mineiro de Montes Claros, mas, desde 1992, a convite de Pedro Casaldáliga, vive e é agente de pastoral em São Félix do Araguaia. Fez das causas indígenas a grande causa de sua vida. Chico Machado, como é conhecido, trabalha com formação continuada de professores indígenas nas escolas das aldeias do Mato Grosso. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Iny (Karajá), dentre outros. Ele foi redentorista, tem mestrado em educação indígena, ele é graduado em filosofia, história e teologia. Chico Machado é colaborador do Observatório da Evangelização – PUC Minas.