“A Igreja e as questões Sociais”, com a palavra Pe. Marcos Albuquerque Gomes


Queridos irmãos e irmãs,

Compartilho com vocês algumas coisas que vieram em meu coração diante de tantos acontecimentos envolvendo nossa Santa Igreja e instituições sociais e políticas em nosso país nos últimos meses. Espero assim contribuir na formação do nosso juízo de valor e no amadurecimento da nossa fé.

Começo lembrando que a expressão maior da fé cristã é a caridade; “estava com fome e me destes de comer, estava com sede e me destes de beber” (Mt 25, 35). A Igreja entendeu isso desde o seu início e sempre procurou praticar a caridade. Nos Atos dos Apóstolos, por exemplo, temos o relato da instituição dos diáconos para cuidar das viúvas (At 6, 1-5).

Ao longo da história, a Igreja passou a desenvolver as obras de caridade para acolher os mais pobres. Os primeiros hospitais surgidos na Idade Média foram por meio dos mosteiros beneditinos. De certa forma, a Igreja supria o papel do Estado em relação ao cuidado dos pobres.

Com o passar do tempo, a Igreja foi percebendo que só as obras de caridade não bastavam, pois a forma da sociedade se organizar é que gerava a pobreza. O papa João Paulo II chamou isso de “estruturas de pecado” (CA 39).

O papa Leão XIII ao escrever a famosa encíclica “Rerum Novarum” (Das Coisas novas) inaugurou o que chamamos de Doutrina Social da Igreja. Esta doutrina foi sendo aprofundada por vários papas ao longo do século XX e no início do nosso século.

Ela foi escrita em 1891, no auge da Revolução Industrial, como uma tentativa de responder aos graves problemas sociais advindos do surgimento da classe operária. Nesta época não havia legislação trabalhista. Os operários trabalhavam de 14 a 16 horas por dia. Não tinham descanso semanal, férias, fundo de garantia e nem mesmo aposentadoria. As condições eram extremamente precárias.

Na “Rerum Novarum”, o Papa critica o socialismo ateu que defendia a luta de classes e a supressão da propriedade privada (RN 3) como respostas a esses desafios; mas também criticou o capitalismo, denominado liberalismo, que colocava o lucro acima do ser humano e deixava os trabalhadores à mercê de sua própria sorte (RN 2; cf. CA 10).

Na encíclica, ele diz que os trabalhadores não podem ficar abandonados e que é dever do Estado regular a economia para a busca do bem comum (RN 18). Por isso, propõe a: “amizade” (RN 11) ou a “concórdia” (RN 9), como forma de se resolver o abismo social entre ricos e pobres. Essa expressão vai dar origem ao “Princípio de Solidariedade”, que o papa Paulo VI chama de “civilização do amor” (cf. Mensagem para o dia Mundial da Paz, 1977; cf. CA 10).

O pontificado do papa João Paulo II ficou muito marcado por esta doutrina. Quando comemorou-se 100 anos da encíclica “Rerum Novarum”, ele escreveu outra encíclica chamada “Centesimus Annus”, na qual confirma a doutrina já existente e dá mais algumas contribuições. Enquanto Leão XIII escreveu no auge da revolução industrial na Europa, durante o surgimento do mundo operário, João Paulo II redigiu a “Centesimus Annus” em outro contexto, isto é, após o fim do socialismo na antiga União Soviética, simbolizado pela queda do muro de Berlim.

Nesta Encíclica, ele também aponta os limites do capitalismo e do socialismo ateu (CA 35 e 42). Afirma que a Igreja não tem modelos a propor (CA 43), mas defende que qualquer modelo político-econômico esteja orientado à busca do bem comum (CA 43) e seja valorizada a transcendência e a dignidade de cada pessoa humana (CA 41; EG 203).

A Igreja Católica tanto condenou o marxismo ateu quanto o liberalismo (CA 10) econômico, chamado também de capitalismo selvagem (CA 9) ou neoliberalismo (Fratelli Tutti 168) como resposta aos problemas sociais. Entretanto, sempre incentivou “o empenho com vistas a organizar e estruturar a sociedade de modo que o próximo não venha a encontrar-se na miséria” (Compêndio da Doutrina Social da Igreja, 208).

Portanto, não é função da Igreja propor sistemas econômicos ou políticos, mas sim apresentar alguns princípios que se adequam à proposta do Evangelho tais como:

  • Dignidade da Pessoa Humana;
  • Solidariedade;
  • Busca do Bem Comum;
  • Destinação Universal dos Bens.

Esses são os grandes princípios da Doutrina Social da Igreja. Todas as vezes que a organização política ou social, seja em nível mundial, nacional ou local, fere estes princípios ou não está de acordo com a proposta do Evangelho é dever da Igreja alertar e exortar tanto os católicos quanto as autoridades constituídas.

Assim, quando o papa Francisco ou a CNBB emite uma opinião sobre certo aspecto da vida social ou política, seja em nível nacional ou internacional, eles estão baseados na doutrina; neste caso, na Doutrina Social da Igreja. Como bons católicos que amam a nossa Igreja, precisamos estar abertos ao que eles dizem, na medida em que os bispos e o Papa receberam o carisma seguro da verdade.

Ressalta-se que o Concílio Vaticano II orienta o seguinte:

Os bispos, quando ensinam em comunhão com o Papa, devem ser respeitados por todos como testemunhas da verdade divina e católica. Devem os fiéis acatar uma sentença sobre a fé e a moral proferida por seu Bispo em nome de Cristo, e devem ater-se a ela com religioso obséquio de espírito”.

Lumen Gentium, n.º 25

Diante disso, é normal que cada cristão, como cidadão, se posicione de uma ou de outra forma em suas escolhas políticas. Alguns são mais conservadores, outros mais progressistas. Entretanto, como católicos, precisamos dialogar entre nós. Precisamos aprender a ouvir a opinião do outro, mesmo que seja diferente da nossa. O papa Francisco, na sua Exortação Apostólica “Evangelii Gaudium”, afirma que “a unidade é superior ao conflito” (EG, 228); ou seja, por mais que discordemos uns dos outros, nunca podemos romper a unidade entre nós ou com a hierarquia da nossa Igreja.

Por fim, nunca nos esqueçamos que os governos passam, mas a Igreja continuará até o fim dos tempos, quando Jesus Cristo voltar em sua glória.

Que o Senhor te abençoe e faça crescer em seu coração o amor por Jesus, pela Igreja e pelo ser humano, imagem e semelhança da Santíssima Trindade.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Belo Horizonte, agosto de 2021

Padre Marcos Albuquerque Gomes

Paróquia Santa Cruz