O texto a seguir foi elaborado pelos alunos Claudiano Quirino dos Santos e Janaína Gonçalves Moreira da Silva para o seminário promovido pela disciplina Pedagogia Dialógica Participativa, Corresponsabilidade e Ação Pastoral, ministrada pelo prof. dr. Edward Guimarães.
Confira:
“Intolerância intracatólica”: desafios pastorais para o diálogo e evangelização na Igreja através dos ambientes virtuais
Breve abordagem a partir dos artigos: “Vejam como não se amam!”: intolerância intracatólica e antievangelização em rede – Por Moisés Sbardelotto e Os seis grandes desafios da comunicação digital à pastoral – Por Pe. Antônio Spadaro
INTRODUÇÃO
Falar de religião e mídias digitais pressupõe expor aspectos gerais dessa relação. Em princípio, é importante ressaltar que na sociedade moderna os meios de comunicação se consolidam como meios de sociabilidade. Dificilmente é possível pensar a construção da sociedade sem o contorno da comunicação em seus diversos âmbitos. Ao longo da história, a Igreja Católica acompanhou esse crescimento tecnológico buscando interpretar à sua maneira as formas de utilizar os meios de comunicação.
O processo evolutivo da comunicação é resultado de profundas transformações tecnológicas que acontecem constantemente, alcançando os povos e a Igreja. A comunicação deixou de ser apenas um conjunto de meios técnicos para ser uma cultura midiática, ou seja, tecnologias que pautam comportamentos, ideologias e sentidos na sociedade. Atualmente a sociedade pós-moderna, assim como a Igreja Católica, se beneficia de um meio altamente rápido, interativo e de produção de sentidos e conteúdos, que é a internet (ambiente virtual). Novas possibilidades se abrem às religiões através do meio virtual cada vez mais usado, constantemente veloz e criativo, o que resulta em uma cultura participativa, que constrói conhecimentos, conteúdos, divide opiniões, gera sentimentos, propõe relações.
Quando este cenário da comunicação no ambiente on-line se abre para grupos cristãos, e especificamente, neste caso, para grupos conservadores católicos reacionários, há um empoderamento nas redes sociais digitais entre os membros desses grupos e a dificuldade de diálogo se constitui. A visão conservadora e/ou fundamentalista vem a ser uma corrente ou atitude de princípio tradicional e mais fortemente conservador, que objetiva a obediência rigorosa e literal a um conjunto de princípios básicos. Não se encontra apenas no universo religioso, mas, também, em outras áreas de discussão na sociedade como na política, isto o Brasil vive intensamente nos dias atuais.
DESENVOLVIMENTO
Uma breve análise dos artigos estudados
A) Artigo de Moisés Sbardelotto: Vejam como não se amam!”: intolerância intracatólica e antievangelização em rede
Em seu artigo, Moisés Sbardelotto ressalta aspectos importantes para a missão pastoral da Igreja no contexto atual. Parte do pressuposto de que nas redes sociais digitais cada pessoa se torna um produtor de conteúdo, a proximidade com o diálogo seja ele sadio ou não, se torna uma realidade. Com isso há o surgimento de uma necessária reflexão sobre o crescimento da intolerância nessas redes sociais digitais, e já chegou há tempos nos ambientes religiosos, sobretudo na ambiência digital da Igreja Católica. A sociedade se depara com o crescimento do que o autor chama de “ódio digital”, fortemente conhecido como “haters”. Este cenário se faz presente na Igreja. Grupos assumem postura aberta frontalmente contrária às propostas do papa Francisco. Estas se caracterizam pelo diálogo social, de amizade encarnada, de respeito à dignidade de cada pessoa humana.
Como veremos, a proposta do papa Francisco de cultivo do respeito mútuo também é enfatizada no artigo Os seis grandes desafios da comunicação digital à pastoral, de Antônio Spadaro.
Nestes tempos de raiva e ódio tão comumente encontrados nas redes sociais digitais, tem crescido cada vez mais o uso da violência verbal nestes ambientes. Esse tipo de linguagem e atitude, praticados por pessoas que se assumem como cristãs, são capazes de agredir violentamente muitos irmãos e irmãs. Isso contradiz os valores centrais da fé cristã e a própria missão da Igreja Católica. São diálogos violentos geralmente iniciados por grupos internos, incluindo até lideranças institucionais. Na maioria dos casos são membros de grupos ultraconservadores, cada vez mais articulados, espalhados pelo Brasil.
Vale ressaltar que no Brasil calcula-se, atualmente, a existência de 42 grupos católicos, consideravelmente fortes em seus discursos religiosos ultraconservadores. Em quase todas as capitais do país eles estão presentes, a produzir nas redes sociais discursos de ódio contra a pessoa do papa Francisco e seu magistério, contra lideranças de grupos sociais, bispos, padres… Há um elo de ligação entre estes grupos e a bancada católica do Congresso e do Senado no atual cenário político brasileiro. Passam a ser conhecidos como “cibermilícias católicas” ou “catolibãs”, uma alusão aos católicos-talibãs, que atuam de forma recorrente com a violência simbólica.
Sobre isto Sbardelotto (2021, p. 29) destaca:
A “autoridade digital” desses católicos fundamentalistas não vem do saber teológico (academia) nem do poder eclesiástico (hierarquia), mas de um saber-fazer e de um poder-fazer midiáticos. Trata-se de pessoas muitas vezes sem qualquer relevância ou reconhecimento acadêmicos ou eclesiásticos que, porém, captaram muito bem as lógicas das mídias digitais, dominando suas linguagens (saber-fazer) e ocupando espaços comunicacionais não raro negligenciados pela própria Igreja (poder-fazer). Assim, vão conquistando visibilidade e autoridade sociais e até mesmo eclesiais, atuando em rede como “inquisidores digitais”.
Moisés Sbardelotto, 2021, p. 29
Esse direito de cada um se elevar perante o outro nas redes sociais digitais facilita para que se crie uma Igreja digital paralela, ou seja, determinados grupos usufruem desse benefício para implantar visões e opiniões divergentes em busca de um catolicismo que só considera o que foi instituído antes do Concílio Vaticano II. Curiosamente é preciso destacar que estes grupos conservadores, mesmo tendo amplo favoritismo por linhas completamente tradicionais, fazem o uso de toda a tecnologia atual, inovadora, para disseminar seus conteúdos.
B) Artigo de Antônio Spadaro: Os seis grandes desafios da comunicação digital à pastoral
Em seu artigo, o Pe. Antônio Spadaro, aponta que um dos grandes desafios pastorais diante desta realidade da Igreja nos ambientes digitais, é transformar este ambiente em uma experiência humana. Uma vez que a internet faz parte do cotidiano, ela já não é somente uma opção, mas um fato marcante no mundo pós-moderno. Não podemos deixar que a Igreja se torne como uma TV ligada dentro de uma casa, aonde ela transmite conteúdos o dia todo e nós, na correria das inúmeras atividades, nem prestamos atenção. Só olhamos, mas não escutamos. Diante disso, como ficarmos próximos uns dos outros dentro de novos ambientes criados pelas tecnologias digitais? Será que corremos o risco de viver na superficialidade ao invés de propiciar uma interação com as pessoas reais no mundo virtual? O autor elenca seis desafios. São eles:
Primeiramente ele relembra que diante de tantas mensagens publicadas e tanta informação – que hoje é um fenômeno conhecido como infodemia – o problema está em saber quais conteúdos são importantes, de fato. Neste ambiente, encontramos todas as respostas, mas quais os principais questionamentos? Por isso devemos exercitar a ideia “Da pastoral da resposta à pastoral da pergunta” (1ª).
Em um cenário repleto de conteúdos digitais através de vídeos, aplicativos, podcast, mensagens, streaming, aonde fica a necessidade de um conteúdo que faça valer a pessoa humana? Ainda existe a presença humana como principal motivo para a comunicação social? Aqui o desafio se encontra com a proposta “Da pastoral centrada nos conteúdos à pastoral centrada nas pessoas” (2ª), uma vez que a Igreja deve assumir uma forma cada vez mais comunicativa e participativa.
Outro desafio importante para que haja o diálogo fraterno e uma autêntica evangelização pelas redes sociais digitais, é o de uma Igreja que seja “Da pastoral da transmissão à pastoral do testemunho” (3ª), ou seja, o ato de comunicar não é apenas transmitir algo, mas compartilhar o testemunho, a vida, as esperanças e seus ideais.
Evangelizar não significa fazer uma propaganda do evangelho, não é fazer proselitismo, mas atuar para que seja “Da pastoral da propaganda à pastoral da proximidade” (4ª). O fato de muitas Igrejas terem se aproximado e se tornado presença nas redes sociais digitais durante a pandemia, não significa que tenham que fazer propaganda ou se tornar quase uma marca, elas precisam ser dialogais e assim poderão se aproximar das pessoas, grupos e movimentos que dela fazem parte. É essa proximidade que fará a Igreja ser mais humana.
Diante dos principais desafios para o diálogo e a evangelização no ambiente on-line da Igreja Católica, encontramos a proposta de “Uma pastoral atenta à interioridade e à interatividade” (5ª), de modo que o ser humano possa experimentar uma interação participativa na ambiência digital e aprofundar seu envolvimento nas relações humanas sem se deixar levar pela superficialidade.
Para fechar o ciclo de seis desafios, o autor destaca mais um, e que este está amplamente ligado ao que diz o papa Francisco sobre a comunicação. A comunicação precisa dar o testemunho de publicar boas histórias: “Da pastoral das ideias à pastoral da narrativa” (6ª).
Os desafios são muitos, mas nenhum deles é grande o suficiente para que impedir que possamos construir uma autêntica cultura do encontro, em busca de uma Igreja em saída digital.
PARA REFLETIR…
- Como dialogar e evangelizar na Igreja em tempos de Convergência de mídias digitais?
- É possível ser “Igreja em saída digital” proporcionando conteúdos evangelizadores e dialogais nos ambientes religiosos da Igreja?
CONCLUSÃO
Partindo da seguinte afirmação de Sbardelotto (2021, p. 30):
Tertuliano, escritor eclesiástico do primeiro século da Igreja, testemunhava que os primeiros cristãos e cristãs viviam tão concretamente o “novo mandamento” de Jesus em seu modo de vida e de relação, que os pagãos exclamavam, admirados: “Vejam como se amam!” Dois milênios depois, o que é preciso fazer para que essa frase possa voltar a ser dita também em relação ao modo como católicos e católicas se relacionam em rede? Como dar um testemunho semelhante na cultura digital, em sentido contrário à intolerância intracatólica e à antievangelização?
Moisés Sbardelotto, 2021, p. 30
Fica a grande questão diante deste cenário apresentado pelo autor: quais os principais desafios pastorais para o diálogo e evangelização na Igreja através dos meios digitais, mesmo em tempos de uma “intolerância intracatólica”?
O próprio papa Francisco, em seus inúmeros discursos e cartas sobre a comunicação na Igreja, já destacou alguns possíveis caminhos. Junto a isso, colocamos também nossos olhares e perspectivas diante dessa realidade. Acreditamos que:
- é preciso insistir, cada vez mais, nas falas de Francisco quando ele diz que é preciso fazer pontes e não muros;
- é preciso usufruir dos meios da comunicação virtual para alcançar todos os públicos possíveis, ocupar os espaços que a comunicação católica ainda não alcançou, mas com conteúdos dialógicos, culturais, sociais. Conteúdos que cultivem a dignidade humana e respeitem as diferenças.
- é necessário que a Igreja Católica, sobretudo suas comunidades paroquiais, façam um bom uso das mídias virtuais para propiciar o convívio on-line de modo sadio, abrindo caminhos para discernimentos críticos quando necessário, promovendo encontros de paz, diálogos que fortaleçam a união, que estimulem o bom convívio social, que alertem para as mazelas da sociedade, e que possam proporcionar um diálogo para além da violência, da humilhação e do ódio, principalmente entre públicos da própria Igreja Católica.
REFERÊNCIAS
SBARDELOTTO, Moisés. “Vejam como não se amam!”: intolerância intracatólica e antievangelização em rede. In: Vida Pastoral, São Paulo, ano 62, n. 340, p. 24-31, jul./ago. 2021. Disponível em: https://www.vidapastoral.com.br/edicao/vejam-como-nao-se-amam-intolerancia-intracatolica-e-antievangelizacao-em-rede/
SILVA, Janaína Gonçalves Moreira da. Religião e Mídia Social: uma análise do conservadorismo religioso católico a partir da instituição Opus Dei. 2018. 114 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2018.
SPADARO, Antônio. Os seis grandes desafios da comunicação digital à pastoral. Adital. Rio Grande do Sul, n. 78, novembro/2014. Disponível em: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/537756-os-seis-grandes-desafios-da-comunicacao-digital-a-pastoral-artigo-de-antonio-spadaro