Na perspectiva da fé, temos que dizer, o desafio de ser pai ou de ser mãe, mais que uma simples condição biológica instintiva, é um grande dom divino que foi entregue a nós. Trata-se da graça de participar diretamente do dinamismo da obra da criação. Por isso quanto maior a consciência dessa missão singular, acreditamos que, com fé e a graça divina, melhor poderemos assumi-la e contribuir no projeto salvífico de Deus.
Deus não nos criou prontos, mas vocacionados para a liberdade. Livres para acolher a proposta da aliança de amor com Ele e de dar uma resposta acolhendo o dom de participarmos criativamente da obra da criação. Isso significa concretamente que somos seres de liberdade e responsabilidade para construir um projeto de vida pessoal e coletivo e, como uma casa que se planeja e se constrói em mutirão, ir nos construindo juntos, mas cada um de forma singular, ao longo da vida. Nunca estaremos totalmente prontos. Sempre poderemos, com a graça de Deus, aperfeiçoar e melhorar o projeto inicial.
Ninguém é uma ilha isolada. Ninguém consegue executar o projeto e construir a si mesmo de forma isolada. Criados a imagem e semelhança do próprio Deus, somos criados por amor, com amor e para o amor. Amar é o verbo da vida. Aprender a amar é a nossa grande lição e meta. Nossa vocação primeira é a de aprender a estabelecer relações de afeto, de cuidado, de partilha, de respeito e de amor.
No projeto de Deus, a família, a comunidade e a sociedade são mediações fundamentais na medida em que se consolidam, cada qual com suas características próprias, como verdadeiros espaços criativos de ensino-aprendizagem da arte de viver e conviver: acolher e ser acolhido, de relacionar consigo e com o outro, de cuidar e de ser cuidado, de ouvir e ser ouvido, em fim, de amar e ser amado.
A família no projeto de Deus
Nascemos totalmente dependentes do cuidado de nossos genitores ou de substitutos, na falta destes. Nenhuma pessoa conseguiria sobreviver sem receber determinados cuidados básicos de afeto, proteção, alimentação e higiene em seus primeiros anos de vida. Em muitas espécies, isso não acontece ou quando acontece é muito diferente do que acontece entre os seres humanos. Estamos convencidos de que essa dependência não é defeito.
Essa total dependência inicial é estruturante e revela muito sobre a nossa condição humana: somos, na verdade, interdependentes. Vejamos. Por não nascemos prontos e independentes dos cuidados dos outros, ainda que com o precioso dom de aprender a aprender e de forma contínua, o que realmente define a nossa trajetória para o futuro terá que ser construído ao longo de nossa vida e dependerá muito do que aprendemos no meio em que vivemos. Ninguém nasce determinado ou com o destino traçado. Somos vocacionados para a liberdade, mas dependentes de educação. Isso revela a dimensão de corresponsabilidade social da vida humana.
Essa total dependência inicial revela também a nossa fragilidade e vocação para os vínculos de amor. A qualidade do vínculos familiares, de amizade, de comunidade, os pactos sociais de respeito mútuo, cooperação e trocas são decisivos ao longo de toda a nossa vida. Definem o nosso processo de desenvolvimento humano. De modo muito específico, a qualidade dos vínculos entre pais e filhos faz toda a diferença na vida humana. A família é responsável em grande parte pelo alicerce de nossa construção. O fato de sermos cuidados e recebermos atenção, afeto e amor, nos primeiros anos sobretudo, promovem o desenvolvimento da base afetiva para aprendermos a amar e cuidar uns dos outros ao longo da vida. Nesse sentido, ela faz parte do projeto do Criador.
Então, temos que dizer, que a autossuficiência, o isolamento e o egoísmo serão sempre ilusões e desvios de nossa condição humana fundamental. Somos constitutivamente criados enquanto seres de relação, seres com sensibilidade afetiva e vocacionados ao servir e amar. Por tudo isso somos chamados a refletir sobre a complexa realidade familiar e, mais precisamente, sobre o complexo desafio de ser pai e de ser mãe hoje.
Antes de continuarmos, que tal refletir e trocar ideias sobre um assunto que é central na família, o dom de ser pai e de ser mãe?
- Como era o ser pai e o ser mãe antigamente?
- Como é o ser pai e o ser mãe no contexto atual?
Sobre o autor:
Teólogo leigo pastoralista, professor e pai de uma menina de seis anos. É o secretário executivo do Observatório da Evangelização – PUC Minas.