“…batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo” (Mt 28,19)
“Não há dois sem três”, diz a sabedoria popular; toda a realidade humana tem um componente trinitário. Do amor de um homem e uma mulher brota um terceiro ser humano, o filho. Da união de dois ângulos surge o triângulo. Do negócio de dois empreendedores nasce uma expressa. Da relação entre o artista e a matéria (palavra, cor, som, barro ou mármore) aparece a obra de arte. A “trindade visível” e cotidiana é parte da estrutura da vida. Mas, e a “Trindade invisível”? Falamos do “mistério da Santíssima Trindade”. Ninguém viu e ninguém sabe como é Deus. Ele não cabe em nossa cabeça, em nossos conceitos; por isso dizemos que é um “mistério”.
A Trindade é Mistério para nós na medida em que nunca conseguiremos compreendê-lo e apreendê-lo pela razão. É o desconhecido que nos fascina e nos atrai para conhecê-lo mais e mais, e, ao mesmo tempo, desperta o assombro e a reverência. A Trindade é o mistério que liga e religa tudo, que deixa transbordar seu Amor criativo no coração de toda a humanidade e no universo inteiro.
O Mistério da Trindade sempre está aí (vivemos submergidos n’Ele), permanentemente nos esbarramos n’Ele (dentro de nós e na realidade) e buscamos conhecê-lo; mas ao tentar conhecê-lo percebemos que nossa sede e fome de conhecer nunca se sacia. Por isso, diante da presença do Mistério Trinitário, afogam-se as palavras, desfalecem as imagens e morrem as referências. Só nos restam o silêncio, a adoração e a contemplação. “O ser humano que não tem os olhos abertos ao Mistério passará pela vida sem nunca ver nada” (Einstein)
Quê diz o Evangelho a respeito da Trindade? De maneira muito simples nos revela que o Pai amou tanto o mundo que enviou seu Filho para que, através do amor, pelo envio do Espírito, nós alcançássemos a vida em plenitude; esta consiste em deixar transparecer em nossas relações o mesmo Amor trinitário, expansivo, aberto, acolhedor e integrador de tudo e de todos; só esse Amor é força capaz de nos transformar e, desta maneira, transformar o nosso mundo.
Paulo expressa essa realidade na saudação presente no início de toda celebração eucarística: “a graça de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor do Pai e a comunhão do Espírito Santo estejam sempre convosco (2Cor. 13,13).
A Trindade é, antes de tudo, amor recíproco entre as três Pessoas. Os antigos padres da Igreja entendiam o mistério da Trindade não de uma forma estática como nós, cristãos ocidentais, mas de uma forma ativa, como uma dança. E eles fizeram uso de um termo inspirador para descrever esta Dança Trinitária: “perichoresis”. A principal característica é a reciprocidade no dançar: um dança ao redor do outro, o outro dança ao redor do primeiro, em um constante e recíproco circundar-se. A imagem da dança expressa bem a contínua interação recíproca que caracteriza o dinamismo intra-trinitário.
O termo “perichoresis” foi fixado pela primeira vez na igreja antiga pelos Padres Capadócios (Basílio, Gregória de Nissa e Gregório Nazianzeno). Trata-se de um termo grego construído com duas palavras: uma é “peri” (ao redor) e outra “chôreô” (dançar) e significa “intercambiar lugares”, “dançar em torno”. Isso significa que Deus não é só “diá-logo” (comunicação verbal, palavra compartilhada), mas comunhão e comunicação total: cada pessoa existe somente na medida em que “dança” (avança) para a outra, ocupando seu lugar e habitando nela.
“Pericorese” descreve as inter-relações das pessoas da Trindade. Em tudo o que a Trindade é e faz, cada uma das Pessoas se relaciona e se envolve com cada uma das outras Pessoas divinas. Como uma dança eterna, a “coreografia” do nosso Deus é singular em sua diversidade e em sua unidade. É a dança do Deus-Amor. Em outras palavras, a Trindade é uma dança divina de três pessoas que se amam umas às outras e se acolhem de maneira tão plena que cada uma delas se torna “uma” com as outras. Portanto, o mais profundo da reflexão teológica sobre o mistério da Trindade é a experiência de uma dança, imagem confirmada pelos grandes teólogos e místicos cristãos, os dançantes de Deus. Para eles, uma bela maneira de entender a salvação é sermos convidados a entrar nessa dança, no belo movimento coreográfico da grande Dança da Vida. A participação na dança divina da Trindade é o coração da vida cristã.
Dançamos juntos enquanto deixamos Deus nos tomar pela mão, nos conduzir pelo seu Espírito para ir ao encontro do seu Filho. A grande dignidade do ser humano está aqui: estamos no centro do “círculo dançante de Deus”. Fazemos parte da “dança” do Deus Trindade.
Deus dança e existe dançando, em movimento de amor que é princípio de todas as coisas.
Imagem provocativa: “pericorese” não revela só uma dança entre as três pessoas divinas. A Trindade “dança” na Criação, gerando um grande movimento de vida; em outras palavras, a Criação é o grande palco da dança das Pessoas divinas. Mais ainda, nosso interior também é cenário onde a Trindade dança, ativando e mobilizando nossas energias e forças mais criativas e que se manifestam como amor e cuidado na relação com os outros e com todas as criaturas. Amar é entrar no ritmo da dança trinitária.
Segundo isso, a “pericorese” é uma forma de entender o convite que Deus oferece à humanidade, para que os homens e mulheres entrem na dança do Amor íntimo da Trindade, dirigindo-se uns aos outros em amor, de maneira que todos se despertem para esta interconexão fundamental de uns com os outros.
Certamente, Deus nos convida continuamente a participar nesta dança divina; mas, muitas vezes, não sabemos se queremos ou não queremos “aceitar a mão” de Deus para dançar com Ele.
A dança é um símbolo instigante para falar de Deus, um símbolo também usado de maneiras diferentes em outras tradições religiosas; nelas existe uma maneira de expressar a fé como convite para “dançar com Deus”. As comunidades judaicas festejam o Dia do Perdão, o Ano Novo, a Festa das Tendas e a Festa da Alegria da Lei. Nesse dia, em Israel, os rabinos saem pelas ruas, tendo nas mãos os pergaminhos sagrados e dançando com fervor. Toda a comunidade canta, bate palmas e dança em roda, até experimentar a união íntima com Deus. Também os muçulmanos têm movimentos que buscam a comunhão com Alá através da dança. As comunidades do candomblé, em cada festa, dançam sem parar.
Uma das imagens que também podem nos ajudar é a visão que teve S. Inácio de Loyola (estamos celebrando o Ano Inaciano) que era muito devoto da Trindade. Ele viu como três teclas de um piano. Três teclas distintas que, tocadas ao mesmo tempo, produzem um só acorde.
Este “som” é o que nos interessa para viver: o Amor. Se Deus é Deus, Ele “abraça e abrasa” tudo, também a dimensão comunitária. Quando somos solidários, compassivos, amorosos… revela-se o rosto da Trindade. “Só corações solidários adoram um Deus Trinitário”.
Texto bíblico: Mt 28,16-20
Na oração: No interior de cada um, a Trindade está atuando, está convidando a que ponha em movimento toda a capacidade de admiração e quer ensinar a ler e interpretar Sua presença em todas as coisas.
– Como você deixa transparecer no seu cotidiano o amor fontal da Trindade?
Pe. Adroaldo Palaoro sj
27.05.2021
Surpreendente para mim. Pela primeira vez me é apresentada a dança como ação da Trindade Santíssima.