“Ecumenismo popular: Fraternidade e justiça social”, com a palavra o teólogo prof. Francisco de Aquino Júnior

Há experiências e práticas importantes de convivência, diálogo e colaboração entres cristãos de diferentes Igrejas. Não no nível das discussões doutrinais, mas no nível da convivência fraterna, da solidariedade e das lutas por direitos. Quem não teve ou conhece experiências desse tipo entre familiares, vizinhos, conhecidos, membros de movimentos e organizações populares? Essas experiências mostram como a fé, quando não é desvirtuada, faz-nos viver como irmãos e não como inimigos[...] as práticas ecumênicas concretas nas lutas diversas em defesa da vida tem sido um sinal da presença amorosa atuante de Deus no meio de nós e de que a gente pode viver como irmãos: não “apesar da fé”, mas “por causa da fé”. É importante recordar que a fé, antes de ser confissão de doutrina e práticas religiosas, é adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho que nos faz viver como filhos de Deus e irmãos uns dos outros. É um modo de vida que se concretiza na fraternidade com todos e no compromisso com os pobres e marginalizados. E é precisamente aqui que nasce, enraíza-se e se desenvolve o que chamamos de ecumenismo popular: na vida fraterna e na luta pela justiça social.

Confira a reflexão do teólogo prof. Francisco de Aquino Júnior:

ECUMENISMO POPULAR: FRATERNIDADE E JUSTIÇA SOCIAL

A fé nos faz celebrar juntos como irmãos as lutas da caminhada em defesa da vida digna para todos.

Campanha da Fraternidade (CF) desse ano de 2021 tem como tema “Fraternidade e Diálogo: Compromisso de amor” e como lema “Cristo é nossa paz: Do que era dividido fez uma unidade”. E será uma campanha ecumênica, promovida por várias Igrejas cristãs. Ela nos recorda que “a fraternidade e o diálogo são compromissos de amor porque Cristo fez uma unidade daquilo que era dividido”.

Essa CFE acontece num momento trágico de nossa sociedade: em plena pandemia da Covid-19. Uma pandemia que escancarou e aprofundou a histórica pandemia da desigualdade social. E num contexto de polarização e intolerância na sociedade e desgoverno no país. Nossa geração nunca viveu uma situação como essa. Ela perpassa as relações familiares, afetivas, eclesiais, sociais e políticas e tem como eixo articulador ou válvula de escape o “ser a favor” ou “ser contra” o desgoverno brasileiro. É como se todos nossos preconceitos e sentimentos de raiva e ódio explodissem… No meio de uma situação de inimizade como essa, somos chamados à fraternidade e ao diálogo. A começar pelo diálogo e fraternidade entre os próprios cristãos e as Igrejas cristãs.

Registro da presença da diversidade religiosa em “Caminhada contra a intolerância religiosa e paz entre as pessoas de distintas tradições religiosas.

Embora o ecumenismo tenha sido um dos “objetivos principais” do Concílio Vaticano II; embora o papa João Paulo II tenha insistido que “a procura da unidade dos cristãos não é um ato facultativo ou oportunista, mas uma exigência que dimana do próprio ser da comunidade cristã”; embora tenha havido muito diálogo e atividades comuns entre várias Igrejas cristãs e até se tenha chegado a acordos doutrinais importantes entre elas; o ecumenismo parece algo distante de nossas comunidades e, para muita gente, parece algo impossível. O mais comum entre as Igrejas é se tratarem como inimigas e concorrentes. E a culpa, claro, sempre é do outro que não quer dialogar…

No entanto, apesar dessa postura negativa generalizada, há experiências e práticas importantes de convivência, diálogo e colaboração entres cristãos de diferentes Igrejas. Não no nível das discussões doutrinais, mas no nível da convivência fraterna, da solidariedade e das lutas por direitos. Quem não teve ou conhece experiências desse tipo entre familiares, vizinhos, conhecidos, membros de movimentos e organizações populares? Essas experiências mostram como a fé, quando não é desvirtuada, faz-nos viver como irmãos e não como inimigos.

Aqui na Diocese de Limoeiro do Norte – CE, por exemplo, a Caritas diocesana tem vivido e promovido experiências intensas e fecundas nesse sentido. O trabalho com famílias camponeses (quintais produtivos, tecnologias sociais, casas de semente, feiras populares, intercâmbios, assembleias populares, ocupações etc.), com catadores de material reciclável e com ocupações urbanas tem reunido pessoas de diferentes Igrejas, favorecendo a convivência fraterna e a lutas por direitos. Nesses encontros e nessas organizações, as pessoas discutem os problemas, organizam as lutas e rezam juntas. Os encontros sempre começam e/ou terminam com oração – sinal de que a verdadeira fé não cria inimizade, mas fraternidade. Parece inacreditável ver catadores/as das Igrejas Católica, Universal, Deus é Amor, Assembleia de Deus rezando juntos; ou camponeses de diferentes Igrejas rezando juntos no Acampamento Zé Maria do Tomé ou nas articulações de economia popular solidária.

Infelizmente, isso não é o mais comum entre cristãos e Igrejas. Mas as práticas ecumênicas concretas na lutas diversas em defesa da vida tem sido um sinal da presença amorosa atuante de Deus no meio de nós e de que a gente pode viver como irmãos: não “apesar da fé”, mas “por causa da fé”. É importante recordar que a fé, antes de ser confissão de doutrina e práticas religiosas, é adesão a Jesus Cristo e seu Evangelho que nos faz viver como filhos de Deus e irmãos uns dos outros. É um modo de vida que se concretiza na fraternidade com todos e no compromisso com os pobres e marginalizados. E é precisamente aqui que nasce, enraíza-se e se desenvolve o que chamamos de ecumenismo popular: na vida fraterna e na luta pela justiça social.

Em Jesus Cristo que é a nossa paz, que derrubando os murros da separação, fez uma unidade do que era dividido, busquemos e promovamos o diálogo e a colaboração entre cristãos de diferentes Igrejas: vivendo a fraternidade e lutando por justiça social.

(Grifos e adaptação para o Observatório da Evangelização, Edward Guimarães)

Sobre o autor:

Prof. dr. Francisco de Aquino Júnior (Foto. Camilla Moreira, para o Observatório da Evangelização)

Francisco de Aquino Júnior possui graduação em Teologia e Filosofia, mestrado e doutorado em Teologia. É professor da Faculdade Católica de Fortaleza (FCF) e da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP); presbítero da Diocese de Limoeiro do Norte – CE. Dentre seus livros merecem destaque: Teologia como intelecção do reinado de Deus (A) – O método da Teologia da Libertação segundo Ignacio Ellacuria. São Paulo: Loyola, 2010; A dimensão socioestrutural do Reinado de Deus, São Paulo: Paulinas, 2011; Teoria Teológica. Práxis Teológica. Sobre o método da Teologia da Libertação. São Paulo: Paulinas, 2012; Viver segundo o espírito de Jesus Cristo. Espiritualidade como seguimento. São Paulo: Paulinas, 2014; O caráter práxico-social da teologia. Tópicos fundamentais de epistemologia teológica. São Paulo: Loyola, 2017; Nas Periferias do Mundo. Fé, Igreja, Sociedade. São Paulo: Paulinas, 2017; Teologia em saída para as periferias. São Paulo: Paulinas/ Unicap, 2019.

Fonte:

www.portaldascebs.org.br